quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

2013, o balanço nas florestas

A aposta política na “desburocratização”

Em 2013, o Ministério da Agricultura persistiu na sua estratégia de valorização do fomento florestal, ou seja a aposta em novas arborizações e em rearborizações. Relegou para plano inferior a aposta na gestão dos povoamentos florestais já constituídos, muito embora seja neste domínio que mais rapidamente se conseguem resultados, a curto e médio prazo, na garantia de bom desempenho ao nível das exportações de base florestal.

A aposta no fomento florestal, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 96/2013, decorre de uma iniciativa, lançada em 2012, para “desburocratizar” as ações de arborização e rearborização com espécies de rápido crescimento, em concreto com eucalipto.

Acrescenta-se que, esta iniciativa surge de forma avulsa, não enquadrando mecanismos que assegurem o acompanhamento técnico aos novos povoamentos, nem o acompanhamento dos mercados, nos quais existem fortes indícios de concorrência imperfeita, com a rentabilidade do negócio silvícola determinado por oligopólios industriais.

Em todo o caso, a aprovação do Decreto-Lei n.º 96/2013 vem assegurar, pela aposta do governo na produção em quantidade (em área), em prejuízo da qualidade, um acréscimo de oferta na atividade silvícola, em particular em áreas de minifúndio. Desta forma, fica a garantia, a médio prazo, da manutenção de preços mais favoráveis à procura, a indústria papeleira.

Na sequência, estão agora reunidas as condições, impostas publicamente pela Portucel, para a concretização, em Portugal, de um investimento de 2 mil milhões de Euros (resta saber quanto daqui será despesa pública), bem como a criação de 15 mil postos de trabalho (de acordo com um calendário que deverá ser do conhecimento do governo).


(Fonte: Jornal I, edição de 15 de maio de 2012)

Fica contudo por explicar a necessidade de novos 40 mil hectares de eucalipto, quando a indústria papeleira desinvestiu nos últimos dez anos em mais de 30 mil hectares com esta espécie. Será caso de desinvestimento florestal para reduzir encargos com a "boa" gestão florestal das celuloses, com transferência para uma gestão florestal minimalista pelas famílias, com reforço de ganhos financeiros para a indústria e assunção de riscos acrescidos para a Sociedade?).

Poder-se-à aqui também estranhar a postura de algumas estruturas federativas, que se afirmam de defesa dos interesses dos produtores florestais. Todavia, numa análise histórica fica evidente o desempenho destas entidades, concretamente no que respeita à evolução do rendimento empresarial líquido na atividade silvícola.

RENDIMENTO EMPRESARIAL LÍQUIDO NA SILVICULTURA
(Fonte: INE, Contas Económicas da Silvicultura 2010. Lisboa, 2012)

Para a Sociedade, o problema reside na forte probabilidade desta iniciativa de “desburocratização” vir a fomentar mais área florestais sujeitas a uma gestão de abandono. No caso, o impacto ao nível da propagação dos incêndios florestais é já conhecido, os custos serão, como até aqui, suportados pela Sociedade.

A estratégia para as florestas

O Ministério da Agricultura deu ênfase em 2013 ao processo de avaliação e redefinição da Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), aprovada em Resolução do Conselho de Ministros no ano de 2006.

Embora, que tenhamos conhecimento, o processo não tenha sido concluído, realça-se o conjunto de inconsistências graves que o processo aporta. Tais inconsistências não são de desprezar tendo em conta que a ENF poderá, a curto prazo, servir de base a definição dos apoios públicos da PAC e do Orçamento do Estado às florestas portuguesas no período 2014/2020. Erros neste domínio serão pagos pela Sociedade nas próximas décadas. Aliás, os dados históricos de períodos anteriores, desde 1989, são a este nível muito preocupantes, domínio onde a Acréscimo centrará a sua atenção em 2014.

Os incêndios florestais

O último período estival veio reforçar as fragilidades nacionais em matéria de defesa das florestas contra os Incêndios. Logo à partida, o que já se tornou habitual, no que concerne à eficiência de eficácia das medidas de política florestal, área tutelada pelo Ministério da Agricultura.

No ano passado assume especial destaque, apesar do acréscimo de despesa pública, o desnorte evidenciado ao nível das instituições que atuam e tutelam o combate a este flagelo. 

Nunca é de mais enfatizar a perda de vidas humanas e a necessidade da Sociedade em assegurar que a mesma não foi em vão, no mínimo, através da implementação de mudanças que defendam o trabalho dos combatentes em anos futuros.

No plano político, o governo regista uma clara derrota, permitiu que fosse ultrapassada a meta política máxima estabelecida nos 100 mil hectares ardidos por ano. Segundo os dados oficiais, registados até 15 de outubro, essa ultrapassagem foi superior a 40%.

A redescoberta das ZIF

Já no final do ano e após dois anos e meio de mandato, o governo vem anunciar a intenção de produzir alterações legislativas para fomento da criação e reforço à administração das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF).

Apesar das dúvidas que esta iniciativa governamental nos merece, não podemos deixar de manifestar o nosso regozijo por esta aposta recente do Ministério da Agricultura, aposta essa na gestão florestal que a Acréscimo tem sugerido ao governo desde que este entrou em funções. Poderá argumenta-se aqui que: água mole em pedra dura tanto dá até que fura.

Esperamos que esta alteração de postura governativa venha também a ser evidente no que respeita à criação de uma estrutura estatal para o acompanhamento dos mercados de produtos florestais. Temos fé.

7 comentários:

  1. Uma coisa é estar a favor ou contra um investimento, outra coisa é ampliar as coisas... 15 mil postos de trabalho? 2 mil milhões de Euros? Mas saberá do que está a falar? 15 mil postos de trabalho? Sabe quantos empregados tem a maior empresa empregadora em Portugal, EDP, PT, CGD, alguma delas tem 15 mil trabalhadores... por favor sejamos sérios. Porque não fala de 150 mil empregos e de 30 mil milhões de investimento. Alguma empresa anunciou tal coisa? Onde está anunciado pela empresa? Por favor...

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    1. Efetivamente, desta vez não fizemos referência à fonte (o que não é hábito sobre esta situação), mas a mesma pode ser consultada na edição de 15 de maio de 2012 do Jornal I, ou através do link abaixo: http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro/portucel-15-mil-novos-empregos-dependem-40-mil-hectares-eucaliptos

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    2. Registamos ainda que, apesar dos nossos contatos com a empresa e com o jornal mencionado, a notícia nunca foi desmentida.

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    3. Os senhores vão desculpar-me mas de facto há aqui uma visão muito focada.

      Pois se lermos esta notícia que indica:
      http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro/portucel-15-mil-novos-empregos-dependem-40-mil-hectares-eucaliptos

      Em lado algum se diz que a empresa anunciou esse investimento ou esses postos de trabalho.

      Mais, a notícia refere que a empresa tem 2300 trabalhadores com 3 fábricas, e o jornal refere que uma nova fábrica vai criar 15 mil postos de trabalho.

      Os senhores sabem quantas fábricas no mundo deste sector têm mais de 5.000 trabalhadores, não sabem pois não? Pois não. Nenhuma. Mas vai ser criada uma com 15 mil postos de trabalho. Que nos dera meus caros.

      Esta notícia tem mais de um ano. Onde está a fábrica? Onde estão os 15 mil postos de trabalho?

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    4. Sou a favor de uma floresta saudável, reconheço que já têm feito alguns textos com que eu concordo, mas quando têm razão têm, agora estar a dizer mal por dizer não vos fica bem. Daqui a um mês, três meses, um ano, três anos volto aqui para vos perguntar onde estão os 2 mil milhões de investimento e os 15 mil postos de trabalho, é que o meu neto está quase a entrar no mercado de trabalho e eu gostava que ele ficasse por Portugal!

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    5. Confirmamos o enfoque do ponto comentado. Esse enfoque ocorre desde 2012 e permanecerá pelo menos até ao desmentido ou esclarecimento público sobre a notícia do Jornal I por parte dos responsáveis da empresa.

      http://expresso.sapo.pt/florestasproposta-sobre-arborizacao-feita-a-medida-de-interesses-empresariais-especificos-associacao=f735147

      Os números apontados são irreais, mas isso é o menos importante, o mais importante é que os mesmos serviram para condicionar o desempenho da política florestal desde as últimas décadas, visando gerar mais valias financeiras à empresa, mas duvidamos que, sem as devidas contrapartidas, gerem mais valias económicas ao País. O mais importante não se insere no domínio técnico, mas sim no político, são diferentes visões sobre como se deve conduzir a política florestal em Portugal (na qual a Portucel é um dos agentes importantes, contudo não é o agente mais importante). Do nosso ponto de vista, os agentes mais importantes são as centenas de milhares de famílias que detêm a quase totalidade das florestas nacionais. Estes últimos têm sido desprezados nas últimas décadas, isto com fortes impactos negativos nos planos económico, social e ambiental, impactos esses assumidos por todos nós, Sociedade.

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  2. O notícia do Jornal I de 15/05/2012 é muito curiosa. É referido que um investimento de 2 mil milhões de Euros numa nova unidade fabril, suscetível de criar 15 mil postos de trabalho, está condicionado ao fornecimento de matéria prima nacional, indicando o valor de 40 mil hectares de eucalipto. Os números apontados não serão com certeza da autoria do Jornal, mais parecem vir de um vendedor da banha da cobra.

    O investimento é atribuído à Portucel, a matéria prima pretendida virá então de superfícies florestais, constituídas ou a constitui, maioritariamente pertença de milhares de famílias. Seria assim de supor que a empresa estabelece com os seus fornecedores condições atrativas que permitissem viabilizar um negócio necessariamente win-win, ou providenciasse à aquisição ou ao arrendamento da área necessária para a obtenção de parte ou do todo de matéria prima necessária. Todavia, a notícia dá nota do pedido de ajuda por parte da empresa ao governo.

    O governo respondeu nesse mesmo mês com uma proposta de alteração legislativa ao regime de arborização e rearborização com espécies de rápido crescimento. Por outras palavras, aquilo que deveria suscitar uma relação de mercado entre fornecedores e um cliente industrial é alargado a toda a Sociedade.

    Curiosamente, se o pedido de alteração legislativa fosse suscitada pelas milhares de famílias com superfícies ocupadas por eucalipto, designadamente através das estruturas que as representem, talvez a iniciativa do governo ficasse em banho-maria. Mas, como foi quem foi, a resposta foi imediata.

    Importa contudo referir que, o peso da empresa nas exportações ou no PIB é fruto do desempenho e do risco assumido também e cada vez mais pelos seus fornecedores. Mais, quando o negócio não lhes permite assumir uma adequada gestão, mas os empurra para o abandono das suas propriedades, o risco passa a ser assumido pela Sociedade.

    De notar também que, a empresa que agora parece reivindicar mais área de eucaliptal, está enquadrada num setor que na última década abdicou de mais de 30 mil hectares de “boa” gestão de eucaliptal, em áreas sob a sua responsabilidade, onde assumia os seus encargos, encargos esses de que porventura se quis livrar. Os seus fornecedores gerem mais barato. Cada vez mais, tão barato, tão barato que os contribuintes são chamados a intervir.

    Isto tudo para dizer que, a expansão do negócio da empresa deveria sustentar-se em saudáveis relações de mercado, não no aumento do risco de mais encargos para a Sociedade. Mas, o governo tem outro entendimento, prefere proteger oligopólios, com risco de maior declínio para a Lavoura e potenciação de mais encargos futuros para a Sociedade. Sem negócio lenhícola viável não é possível financiar uma adequada gestão florestal, os riscos de agravamento da propagação dos incêndios florestais podem aumentar consideravelmente. Em todo o caso, se e quando tal for evidente os atuais governantes serão já ex-governantes, todavia alguém estará cá para liquidar as contas.

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