terça-feira, 31 de janeiro de 2017

5 curiosidades da análise na especialidade à “grande reforma da floresta”

A Acréscimo pronunciou-se recentemente quanto à avaliação, na generalidade, do pacote legislativo que o governo anunciou como a “grande reforma de floresta”. Em tempo, suscitou sérias dúvidas quanto à credibilidade deste pacote no combate à desflorestação em curso no país, com uma perda média anual equivalente à área de Lisboa, desde 1990.

Na apreciação na especialidade do pacote legislativo que compõe a “reforma” constaram-se cinco curiosidades:
  1. No sistema de defesa das florestas contra os incêndios, a “reforma” propõe a quinta alteração (ler 5.ª) a um diploma de 2006, ou seja, que não perfez sequer 10 anos de vigência, mas registou já quatro alterações. Talvez o facto explique a fiabilidade da estrutura nacional em matéria de defesa das florestas contra os incêndios. As estatísticas são elucidativas.
  2. Portugal, a nível europeu e mundial, regista das menores percentagens de área de florestas na posse publica, menos de 2% da área florestal nacional. O país evidencia uma elevada carência ao nível da investigação e da demonstração, com índices de produtividade muito baixas face ao potencial, seja na produção lenhosa ou de cortiça. Todavia, o Estado, por opção governamental, através da “reforma”, pretende reduzir ainda mais esse valor percentual. Com o banco de terras e o fundo de mobilização de terras, o governo pretende englobar num pacote as áreas do Estado (sob o seu domínio e de entidades públicas), para efeitos de transferência de responsabilidades de gestão. Para o efeito pretende criar mais um fundo, talvez para acrescer à falta de transparência da gestão dos já existentes.
  3. No regime jurídico das ações de arborização e de rearborização, intitulado no programa do governo de “lei que liberaliza a plantação de eucalipto”, em referência ao Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, o mesmo comprometeu-se no Parlamento com a sua revogação e criação de um novo regime jurídico, supostamente tendo em vista o aumento da produção e da produtividade do pinhal bravo e dos montados de sobro e de azinho. A “reforma” expressa, contudo, uma mera primeira alteração ao diploma de 2013. Acresce que, tal como o diploma de 2013, as decisões de autorização de (re)arborizações continuam isentas de análises financeira e de risco, ou seja, são aprovadas/autorizadas arborizações e rearborizações sem que esteja assegurada a viabilidade futura da sua gestão técnica e comercial. Mais um convite a incêndios no futuro?
  4. Nas sociedades de gestão florestal, para usufruírem de apoios públicos, sejam de âmbito nacional ou comunitário, fica a dúvida se terão o estatuto de micro, pequenas e médias empresas, e se, no âmbito da legislação comunitária vigente, estão submetidas aos conceitos de entidades autónomas, parceiras e associadas. Ou seja, como acontece nas zonas de intervenção florestal, um conceito nebuloso neste domínio, podem as grandes empresas industriais transferir as suas responsabilidades de gestão para efeitos de usufruto de fundos públicos de apoio às florestas, designadamente no âmbito do PDR2020?
  5. Não deixa de ser curioso constatar que, na proposta de terceira alteração (3.ª) ao diploma de 2009, referente ao regime jurídico dos planos de ordenamento, de gestão e de intervenção de âmbito florestal, surja um conceito de plano de gestão florestal (PGF) distinto do definido na Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, a Lei de Bases da Política Florestal. Esta alteração à Lei, aprovada por unanimidade no Parlamento, por um decreto governamental deve ser visto como um exercício de criatividade jurídica governamental, ou como uma menorização da Assembleia da República?

A Acréscimo suscita ainda as maiores dúvidas quanto às centrais de valorização de resíduos de biomassa florestal residual, seja do ponto de vista de manutenção do fundo de fertilidade dos solos, seja no que respeita ao combate à desflorestação, ou no impacto sobre o Orçamento, designadamente pelo recurso a financiamento público para custear parte ou a totalidade dos encargos com a concentração, extração e transporte dos resíduos de biomassa florestal residual, sobretudo os decorrentes de operações de silvicultura (limpezas intra e interespecíficas, desramações e desbaste sem valor comercial).

Em conclusão, a atual “grande reforma da floresta”, para além de ser classificada como a “gaffe de verão” de 2016, não tem consistência suficiente para poder ser levada a sério. Importa, contudo, estar atento ao que a pode de facto motivar.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O Orçamento do Estado vai compensar a contração dos papeleiros na área de risco do seu negócio

Na última década, as empresas associadas na Celpa, Associação da Indústria Papeleira, fizeram contrair as áreas próprias de plantações de eucalipto em mais de 33.000 hectares. Não se tratou de substituição entre áreas de menor para maior produtividade, tratou-se efetivamente de uma redução assumida da presença destas empresas na vertente da produção de rolaria de eucalipto, apesar do aumento, em curso, da capacidade industrial instalada no País.

(Fonte: CELPA)

Apesar da contração de áreas próprias, a indústria papeleira tem demonstrado uma enorme assertividade na exigência de mais área de plantações de eucalipto em Portugal.

(Jornal I, 15/06/2012)

Com efeito, maior oferta, mesmo que de risco, assegura, a longo prazo, preços controladamente baixos à procura. Os riscos, como vimos em 2016, ficam por conta de terceiros.

A condicionante ao emprego a criar, em 2012, ano de forte pressão da taxa de desemprego, foi o elemento de pressão utilizado sobre o Governo à época. A resposta deste último traduziu-se na “lei que liberaliza as plantações de eucalipto” (conforme designação que consta no Programa do atual Governo).

Ao contrário do que consta no Programa do atual Governo, a revogação do diploma legal, que intitula de “lei que liberaliza as plantações de eucalipto”, converteu-se numa mera alteração ao Decreto-lei n.º 96/2013, 19 de julho. A promessa de criar um novo regime jurídico para as ações de arborização e rearborização (aprovada no Parlamento) ficou por aí, pela promessa.

No início de 2017, face a nova demonstração de força por parte da indústria papeleira, com ameaça pública, o Governo responde através da disponibilização do Orçamento para fazer face ao que, noutro tipo de negocio os agentes privados assumem, a garantia de uma adequada produtividade do seu negócio. Neste caso, o esforço será partilhado pelo erário público.

(Jornal de Negócios, 16/01/2017)

(Jornal Observador, 16/01/2017 )

Em conclusão, face a uma transferência de responsabilidades na produção de rolaria de eucalipto por parte da indústria papeleira, para agentes privados aos quais, com a permissão dos Governos, condiciona o rendimento, o atual Governo responde com um esforço acrescido por parte dos contribuintes. Em causa não parece estar a distribuição de dividendos aos acionistas das empresas papeleiras. A dúvida consiste em determinar em que tipo de modelo assenta o negócio papeleiro em Portugal: será uma parceria público-privado?


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A reforma da floresta: das paletes à pasta e papel

A efetiva reforma da floresta tem sido protagonizada desde o início da década passada, com uma verdadeira mudança de objetivos, de estratégia, protagonizada pelo declínio da produção de paletes e a opção pela pasta e papel. A “reforma” que o Governo colocou recentemente em fase de “roadshow”, na verdade, é um mero prolongamento da estratégia iniciada na primeira década do século XXI.

De acordo com os dados disponibilizados pelo Gabinete de Planeamento e Politicas (GPP) do Ministério da Agricultura, é possível fazer uma avaliação dessa reforma iniciada na década de 2000. Os dados disponibilizados parecem evidenciar um resultado claro na opção entre paletes e pasta e papel. Não que se defenda um modelo baseado na produção de paletes, muito pelo contrário, mas importa avaliar da opção, a partir deste modelo característico de uma fase económica de subdesenvolvimento, para um outro baseado na produção de pasta e papel, ou seja, no crescimento da área de plantações de uma espécie exótica invasora.

Assim, no que respeita à evolução do rendimento na silvicultura, os dados disponibilizados pelo GPP apontam para uma contração do mesmo na evolução de um modelo baseado em madeira serrada para o de madeira triturada. Entre 2000 e 2011, a contração regista foi de quase 33%.


Na sequência, a evolução do Valor Acrescentado Bruto da silvicultura, tendo por base o ano 2000, registou na mesma década um declínio em volume de 18% e em valor superior a 24%.


A evolução ao nível do emprego é também um dado a ter em conta na reforma em curso, iniciada no princípio da década passada. Assim os dados disponibilizados pelo GPP apontam para um decréscimo do número de postos de trabalho na silvicultura. Esse decréscimo, decorrente da reforma vigente, foi superior a 13%.


Em todo o caso, a apreciação feita ao nível da silvicultura pode e deve ser alargada à análise ao nível dos impactos desta reforma ao nível das indústrias florestais, à evolução do seu peso no Produto Interno Bruto, no peso nas exportações, bem como ao nível do emprego. Importa ainda analisar dos impactos desta reforma ao nível da sustentabilidade dos recursos naturais e do território.

Em comum, o início da reforma das paletes por pasta e papel foi protagonizada pelo XIV Governo Constitucional. Curiosamente, na altura como agora o titular da pasta da Agricultura coincide.

A “reforma” recentemente anunciada pelo Governo, em fase de “roadshow” protagonizada pelo Ministro da Agricultura, parece não ser mais do que um prolongamento da reforma iniciada em 2000. Pelo menos, parece ser essa a leitura a tirar da intervenção do Primeiro Ministro, a 16 último, segunda, na Leirosa, Figueira da Foz.

Como se pode deduzir dos dados oficiais, não é esta a reforma que defendemos.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O PS e o seu vício de ofertar fábricas de pasta e papel

De acordo com um diário do mesmo grupo empresarial, o Governo viabiliza hoje um investimento de mais de 85 milhões de euros para o sector industrial ligado ao eucalipto, desta vez ao grupo Altri.

Não que a Acréscimo se oponha a apoios de Estado à indústria, mas reserva-se o direito, e mesmo o dever, de contestar os critérios subjacentes a tais apoios, concedidos a partir do Orçamento viabilizado pelos impostos pagos em Portugal.

Assim, seria importante que o Governo esclarece a opção por esta via, em detrimento da utilização do mesmo capital público noutro tipo de investimentos, mesmo em sectores silvo-industriais, mas com maior empregabilidade, com menores rácios de volume de investimento por posto de trabalho criado (aqui na orem dos 8 milhões de euros por posto criado), ou mesmo de menores rácios de volume de negócios por posto de trabalho efetivo, com produtos de maior valor acrescentado, com maior impacto na economia nacional e menor risco para o território, incluindo os solos, os recursos naturais, bem como as emissões poluentes para a atmosfera e para o meio aquático.

Com efeito, ao mais alto nível, com a presença do Primeiro Ministro, não é a primeira vez que um Governo do Partido Socialista, em nome de todos nós, oferta fábricas de pasta celulósica e de papel a grupos empresariais que protege da concorrência externa e que revelam menosprezo pelo Território e pelas populações rurais.



quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

As florestas em 2016, o ano do inferno da Tasmânia

Em termos gerais, o ano de 2016 não foi um bom ano para as florestas, nem para o território, nem para as suas populações.

No plano político salienta-se tão só mais um déjà vu (“reforma da floresta”), num ano em que se comemoraram 20 anos sobre a aprovação, por unanimidade, da Lei de Bases de Política Florestal. Este facto, de 1996, constitui ainda hoje o mais amplo consenso politico atingido em matéria de política sectorial, mas que se tem esfumado com o tempo, ao sabor dos interesses que se manifestam a jusante das florestas e que têm contado com proteção governamental.


Apesar de constar no seu Programa, a manifestada intenção do Governo em proceder à revogação da “lei que liberaliza a plantação de eucalipto” cedeu, tudo aponta para que acabe numa simples primeira alteração do Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho. A subsequente intenção de criar um novo Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização, onde pudessem ser criadas medidas de discriminação positiva das espécies autóctones, hoje em manifesta situação de desvantagem face a uma espécie exótica invasora, ficou-se pela incapacidade, quiçá face a interesses, ou incompetência. Facto é que a autorização de intenções de arborização e de rearborização continua a ocorrer sem uma análise financeira e de risco, desconhecendo-se assim qual o seu contributo futuro para perpetuar a catástrofe associada aos incêndios florestais.

Em matéria de incêndios florestais, no ano que agora acabou, o país andou perto da fasquia dos 200 mil hectares de área ardida. Os números provisórios apontam para o facto de em Portugal ter ardido mais do triplo da área ardida em todo o território espanhol. Em 2016, no conjunto dos cinco Estados Membros do sul da União Europeia, onde Portugal dispõe apenas de 6% da área total, o nosso país registou 56% da área ardida total e 48% do número de incêndios (com área ardida igual ou maior do que 30 hectares).

 

No conjunto da área ardida em povoamentos florestais em Portugal, as plantações de eucalipto protagonizaram 70% da mesma, quase duplicou a média da última década, um verdadeiro inferno da Tasmânia.


Em conclusão, o ano de 2016 foi um ano de cedência aos que protagonizam o ciclo de declínio económico, ambiental e social do sector florestal em Portugal. Foi mais um ano de depreciação do território e de delapidação dos recursos naturais. Foi mais um ano zero no combate à desflorestação, apesar de Portugal registar, a nível mundial, uma das maiores perdas percentuais de coberto florestal na última década.