quinta-feira, 30 de maio de 2013

Governo aprovou novo regime de (re)arborização com eucalipto.

Quem pode manda, quem não tem juízo concretiza.

Exatamente 1 ano e 15 dias após a manifestação pública de intenção de investimento por parte do grupo Portucel Soporcel (Jornal I, de 15/05/2012)), o governo aprovou hoje, em Conselho de Ministros, a liberalização das ações de (re)florestação com eucalipto (e demais espécies florestais a reboque), sem garantir minimamente as condições para a concretização dos ciclos produtivos florestais, ou seja, sem assegurar as condições mínimas para que a madeira produzida entre no mercado e não sirva de pasto para os incêndios florestais.

Ao contrário do que ocorreu com a “campanha do trigo”, o governo não dá garantias de assistência técnica a produtores, nem assegura condições mínimas de mercado, onde se evidenciam situações de concorrência imperfeita. Sem estas garantias mínimas, a rentabilidade do negócio silvícola continua comprometido, o que inviabilizará a gestão de muitos dos povoamentos florestais (em ciclos que duram décadas), com as consequências económicas, sociais e ambientais dai decorrentes.

Povoamentos florestais sem garantia financeira para a sua gestão/administração, são fortes candidatos para a ocorrência de incêndios florestais.

Os impactos dos incêndios em Portugal são brutais:

·        Estimativa de 1.000 milhões de Euros de encargo anual para a economia nacional,
·        Cerca 24 milhões de toneladas de CO2 eq. emitidos para a atmosfera na última década; e,
·        A 1.ª posição percentual no ranking dos países do sul da Europa na última década.


Os argumentos apresentados para a justificação do diploma são absolutamente falíveis. Simplificação não pode ser sinónimo de simplicismo; acompanhamento administrativo sempre deveria ter havido, não houve, nem há garantias de que passará a haver; atribuições e competências estão definidas na Lei de Bases, publicada em 1996, não com o atual diploma.

A Acréscimo mantém e manterá, as críticas apresentadas desde o início deste processo, enquanto imperar o simplicismo, a falta de visão estratégica, a aposta financeira ao invés da económica e a incompetência política de que é exemplo o diploma hoje aprovado. Assim procederá quanto mais não seja por imperativo cívico, já que os riscos para os contribuintes em particular e para os cidadãos em geral têm forte probabilidade de se agravarem.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Os incêndios florestais e a gestão política do problema.

A gestão da problemática dos incêndios florestais em Portugal, no que respeita concretamente à sua propagação, já que as ocorrências aportam questões de outra índole, assemelha-se à gestão de uma equipa de futebol. Contudo, nesta equipa:

·       Os avançados são míopes, a estratégia florestal assenta nas árvores e não nas pessoas que detêm os terrenos que lhes servem de habitat (mais de 90% da área florestal portuguesa está inserida em propriedade privada);

·       O meio campo é coxo, assentando a estratégia na gestão das árvores, descora a necessidade de garantir a rentabilidade da atividade silvícola para assegurar o financiamento dessa gestão (não há acompanhamento dos mercados, onde a atividade silvícola se encontra em declínio progressivo e a indústria exporta valor sem ter em conta a depreciação dos recursos naturais, situação que contraria os princípios básicos de um negócio da Economia Verde); e,

·       A defesa está desnutrida, as ações de vigilância e de prevenção assentam exclusivamente no esforço dos contribuintes e não na economia dos setores silvo-industriais, ficando assim à mercê das disponibilidades do Orçamento de Estado, disponibilidades essas, hoje e no futuro próximo, bastante condicionadas.

Logo, parte demasiado significativa para o êxito da equipa assenta no guarda-redes – Bombeiros e Proteção Civil. Todavia, como no futebol, sem um esforço conjugado de toda a equipa, o último reduto, por mais eficiente que possa ser, tem sempre uma forte probabilidade de não conseguir, só por si, ter êxito – o fogo é um avançado exímio na concretização dos seus objetivos.

Na real dimensão do problema, o Ministério da Agricultura (agora também do Ambiente e do Ordenamento do Território) – responsável pelos avançados, pelo meio campo e pela defesa da equipa - tem publicamente passado entre as labaredas, facto que lhe tem permitido continuar a lançar as suas incapacidades e incompetências políticas (capacitação técnica existe) para os braços de outros, esses outros que, todavia não têm as competências necessárias para intervenção na origem do problema que têm de enfrentar em cada período estival (cada vez mais alargado).


Pior, da Agricultura são lançadas ainda mais achas para a fogueira, com propostas irresponsáveis de fomento das arborizações e rearborizações, sem que estejam asseguradas as mínimas condições que permitam a rentabilidade desses investimentos, ou seja, que esteja garantida a administração desses arvoredos (gestão florestal) ao longo de todo o ciclo silvícola. Condições essas que passam pelo reforço da pesquisa (desejavelmente desenvolvida por Institutos Públicos e Universidades), pela extensão florestal ou rural (preferencialmente de cariz privado – através de organizações associativas e empresas com capacidade técnica, com supervisão pública) e pelo imperioso acompanhamento dos mercados e regulação dos interesses que nestes marcam presença – já no tempo da “campanha do trigo” se sabia disto.

Com a atual estratégia, os responsáveis políticos na Agricultura, no Ambiente e no Ordenamento do Território, para além de continuarem a sacrificar os bombeiros, as populações rurais e o desenvolvimento rural, sacrificarão mais os contribuintes e toda a Sociedade, com avultadas perdas financeiras (1.000 M€/ano) e desmesuradas emissões de dióxido de carbono para a atmosfera (que podem ter atingido os 20 milhões de toneladas de CO2 eq. só na última década).

Infelizmente, os atuais problemas de Portugal não se circunscrevem apenas à redução da austeridade e à necessidade de crescimento económico, englobam também uma maior responsabilidade e competência política.

(texto redigido de acordo com o AO)


terça-feira, 14 de maio de 2013

A Estratégia Nacional para as Florestas: inconsistências.

A Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 114/2006, de 17 de agosto, encontra-se em processo de avaliação. Para o efeito, o Ministério da Agricultura (MAMAOT) contratou em 2012 um Estudo de Avaliação da Concretização da ENF.

Na apreciação genérica da Estratégia e do Estudo de Avaliação são notórias várias inconsistências diagnosticadas pela Acréscimo:

1)     Inconsistência política:

Na ENF e na sua avaliação, não é evidente qualquer esforço de aproximação entre os ciclos eleitorais e os ciclos florestais. Desenvolvendo-se os segundos em períodos de várias décadas, importa que as mudanças políticas ocorridas, previsivelmente a cada meia década, permitam uma segurança e consistência estratégica no que respeita às opções políticas com incidência nas florestas e na atividade florestal, esta última assente quase exclusivamente em centenas de milhares de entidades privadas. Desta forma, defende-se que um plano estratégico sobre as florestas pressuponha um Acordo de Regime, preferencialmente desenvolvido ao nível do Poder Legislativo, onde o histórico de consensos sobre estas matérias tem sido profícuo. Vincular a ENF apenas ao Poder Executivo é insuficiente para a aproximação entre estes diferentes ciclos temporais. A questão é de tal forma pertinente, porquanto um responsável de um grupo empresarial da indústria florestal veio a público afirmar que o ciclo eleitoral é ”o maior inimigo” da floresta em Portugal (fonte: Lusa, 20 de novembro de 2012). Todavia, essa aproximação entre ciclos foi possível consumar em países com maior desenvolvimento sustentável das suas florestas, coincidindo com regimes democráticos.

2)     Inconsistência estrutural:

Na ENF, persistindo na sua avaliação, é notória a confusão entre causa, sinteticamente ignorada, efeito e consequência. A documentação evidencia um enfoque sistemático nos riscos (a consequência), reconhecendo que a gestão florestal (e o efeito é a sua ausência) é aqui determinante, ou seja, a administração ativa das matas segundo critérios comerciais e princípios técnicos, respeitando a sustentabilidade dos ecossistemas. Ignora contudo o sustento financeiro para essa mesma gestão ativa e sustentável (no caso, a causa é a falta de expectativa de negócio silvícola). Ou melhor, revela por diversas vezes fazer assentar esse esforço financeiro nos contribuintes, nos fundos públicos, ignorando as opções de mercado.

3)     Inconsistência estratégica:

A Estratégia e o Estudo de Avaliação mencionam, mas desprezam os seus efeitos: as superfícies florestais portuguesas são detidas por centenas de milhares de proprietários privados. Portugal assume neste domínio posição impar a nível mundial. Ora a visão tecnocrática visível na Estratégia e no Estudo de Avaliação remetem estes atores para um plano secundário. Todavia, a capacidade profissional e empresarial destes agentes é e será sempre determinante para qualquer Planeamento Estratégico. Os indicadores inscritos e as sugestões de melhoria são manifestamente insuficientes para o envolvimento e incentivo destes agentes e assim inverter a queda do peso da silvicultura e do setor florestal na economia rural em particular e na nacional em geral.

4)     Inconsistência financeira:

A Estratégia e o Estudo de Avaliação não incorporam um plano de investimento, mesmo que para um período de tempo próximo, p.e. 2014/2020, nem o correspondente plano de financiamento. Muito embora a ENF tenha sido elaborada antes da crise internacional de 2008, a sua avaliação já deveria comportar a informação necessária para apoio aos decisores sobre os encargos previsionais inerentes à prossecução das medidas constantes na Estratégia, bem como as fontes previsionais de financiamento advogado. Esta inconsistência pressupõe um elevado risco de derrapagem do realizável face ao previsto, situação que pode descredibilizar a ENF.

No domínio do planeamento florestal, a Acréscimo defende a necessidade de desenvolver um instrumento simples mas consistente, quer ao nível político, quer nos planos técnico, económico, social e ambiental. Plano esse que atue sobre as causas da sobre-exploração e do subaproveitamento dos recursos florestais nacionais, que permita gerar riqueza, em especial junto das populações rurais, e valor para a indústria e para a Economia, assente preferencialmente mais em regras de mercado e menos subsídio-dependente.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

O paradigma das florestas em Portugal: sem negócio, não há gestão nem proteção das florestas.


Na última década, o rendimento empresarial líquido (REL) na silvicultura (produção florestal), de acordo com as estatísticas do INE (CES, 2010P), decresceu mais de 250 milhões de euros. Nos últimos 20 anos, o peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura no VAB nacional decresceu de 1,2% em 1990, para 0,8% em 2000 e 0,4% em 2010 (provisório). O peso d o setor no Produto Interno Bruto desvalorizou de 3,0% em 2000 para 1,8% em 2010.

No início dos anos 90, numa aula de mestrado em Economia Agrária, no Instituto Superior de Agronomia, o Prof. Eugénio Castro Caldas fez uma breve referência à gestão das florestas, alertando que a sua alegada ausência não era mais do que uma adaptação das práticas silvícolas e comerciais à inexistência de expectativas de negócio.

Em Portugal, numa situação ímpar a nível mundial, mais de 90% dos espaços florestais estão na posse de centenas de milhares de proprietários privados.

Durante décadas o discurso oficial tem associado o principal problema dos espaços florestais em Portugal à alegada ausência da sua gestão. Facilmente é reconhecido que a jusante e em resultado dessa “ausência” advém uma mais fácil propagação dos incêndios florestais, flagelo que tem tido impactos catastróficos aos níveis social, ambiental e económico, bem como uma mais fácil proliferação de pragas e de doenças (casos do pinhal bravo e montado de sobro).

O discurso tradicional tem sido recorrente entre florestais e políticos, todavia enferma da simplicidade de uma visão meramente tecnocrática: ambos associam as florestas apenas às árvores e não às pessoas que as detêm. Será essa uma das justificativas para o sistemático adiamento da conclusão do cadastro rústico, ou mesmo de um parcelário florestal? Conhecidas minimamente as árvores, através do Inventário Florestal Nacional, quem são os donos dos espaços que estas ocupam em parte significativa do território (mais de 1/3)? Quem são aqueles que têm efetivamente a responsabilidade de aplicar métodos comerciais e princípios técnicos florestais na administração desses espaços (conceito de gestão florestal de 1958 da Society of American Foresters)? Mais ainda em espaços de produção lenhosa, associados ao regime de minifúndio, onde são mais evidentes os efeitos dos incêndios florestais. Quais são as expectativas destes proprietários rústicos e quais os mecanismos mais adequados de intervenção em termos de política setorial? Neste domínio, o País tem andado “às cegas”.


O discurso tradicional tem de ser ajustado também a montante: só é possível concretizar uma gestão florestal ativa, hoje necessariamente sustentável, se existir rentabilidade no uso dos solos ocupados por florestal, ou seja, se houver perspetivas para o negócio florestal, negócio esse enquadrado pelos princípios que suportam a Economia Verde, à qual as florestas dão aliás a cor, pela adoção de métodos comerciais condizentes com as melhores técnicas conhecidas, suportadas por adequados instrumentos de formação de preços na produção. Ora, hoje isso não acontece: a silvicultura evidencia um declínio progressivo, a par de um negócio florescente, em valor, para certos setores da indústria florestal, a de menor peso económico e social (por muitas certificações ambientais que possam evidenciar).

Mas, será este um assunto que deverá merecer mais atenção por parte da Sociedade?

A par da importância económica das várias fileiras florestais, sempre presente nos discursos, do relevo ambiental e social das florestas para o País, os encargos suportados pela Sociedade decorrentes da ausência de expectativas de negócio nas florestas, sobretudo em minifúndio, têm sido elevadíssimos. Atente-se aos números. De acordo com a estimativa “simplificada” do Manifesto Pela Floresta Contra a Crise (Expresso, Economia, ed. 10/11/2012), que reúne como subscritores um ex-Presidente da República, ex-ministros e ex-secretários de Estado, de diferentes quadrantes políticos, o prejuízo anual decorrente dos incêndios florestais, que só serão atenuados por mecanismos de defesa associados à redução do risco do negócio florestal, é superior a mil milhões de euros. Por outro lado, a Plataforma para o Crescimento Sustentável, no seu Relatório para o Crescimento Sustentável: uma visão pós-troika, publicado em dezembro de 2012, alerta para o facto de, só na última década (pág. 122), terem sido emitidas mais de 2,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2 eq.), desperdiçando-se mais do que o equivalente a 5,7 milhões de barris de petróleo (estudos científicos desenvolvidos pelo ISA/UTL e pela UTAD estimam valores de emissões 10 vezes superiores aos apontados no Relatório).

Mais apoio ao fomento florestal, em novas arborizações ou rearborizações, com eucalipto ou quaisquer outras espécies, descorando o estímulo ao negócio silvícola, ou seja não criando mecanismos credíveis para o apoio técnico e de mercado à produção florestal, pode perspetivar uma ajuda no curto prazo à indústria, mas não será mais do que lançar mais achas para a fogueira, ou melhor, queimar mais dinheiro público.