quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Plataforma pela Floresta: ponto de situação

Há um ano atrás, 20 organizações e 15 personalidades constituíram a Plataforma pela Floresta, exigindo a revogação do Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, que instituiu o novo Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização (RJAAR).

O diploma legal que tornou possível a massificação do eucaliptal em Portugal pode atualmente ser analisado face aos resultados disponibilizados pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).


Tendo em consideração os últimos dados tornados públicos pelo ICNF, o regime jurídico instituído pelo Decreto-lei n.º 96/2013, que entrou em vigor a 17 de outubro de 2013, registou 3.140 processos de arborização e rearborização, correspondentes a 9.165 hectares, representando o eucalipto cerca de 75% dos processos e mais de 92% da área envolvida.

Na análise por tipo de requerente, constata-se que do total de processos identificados como aprovados ou validados, 77% correspondem a proprietários privados (sobretudo particulares), 17% foram submetidos por organizações de proprietários florestais e só 6% correspondem a solicitações de empresas associadas à indústria papeleira. Mais de 97% destes processos correspondem á intervenções em áreas inferiores a 25 hectares, correspondentes a cerca de 50% da área total envolvida.

Já na análise regional, constata-se que a região Centro está associada a cerca de 42% da área associada ao eucaliptal, seguida de Lisboa e Vale do Tejo com cerca de 23% em área com eucalipto.

Os dados registados permitem evidenciar alguns dos perigos assinalados pela Plataforma pela Floresta.

Efetivamente, este novo regime está diretamente vinculado ao protecionismo governamental à indústria papeleira.

Como sempre mencionado pela Acréscimo, a aposta feita no eucaliptal está mais associada ao risco de um negócio loose-win-loose (produção-indústria-sociedade), do que a um esforço consequente de investimento da própria indústria papeleira no seu negócio específico.

O risco, num mercado a funcionar em concorrência imperfeita, fica do lado dos proprietários privados, da propriedade de menor dimensão, com acesso muito deficiente ou inexistente de acompanhamento técnico para uma gestão ativa, bem como a regiões (caso do Centro) de maior risco de incêndio. Em consequência, o risco fica também do lado da sociedade, do território e do ambiente, tendo presente que, em resultado de um negócio inviável na produção, a gestão não terá suporte financeiro e o risco de incêndio pode tornar-se incontrolável, mais ainda em resultado das alterações climáticas.

Por este motivo, passado um ano, a Acréscimo reforça a necessidade de ser tido em conta os considerados e as exigências formuladas pela Plataforma pela Floresta.

A floresta portuguesa é mais do que o sustento de negócios financeiros protegidos pelas governações. Este protecionismo é o suporte ao ciclo de depreciação a que está submetida nas últimas décadas, seja a nível social e ambiental, mas também a nível económico.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Persiste a aposta em “brinquedos caros e inúteis”

Apesar da crise social e económica, o governo persiste na opção pelo acessório em matéria de incêndios florestais.

A ministra da Administração Interna voltou a anunciar o empenho do governo na aquisição de dispendiosos aviões. Ou seja, apesar da situação a que o País foi conduzido, a classe dirigente insiste na compra de “brinquedos caros e inúteis”.


Nos últimos três anos, fica evidente a incapacidade do governo em definir uma estratégia de valorização das florestas nacionais e da sua defesa contra os incêndios. Persiste no acessório em contraponto ao essencial.

Em matéria de valorização das florestas, essencialmente privadas, e da sua defesa contra os incêndios, o essencial passa por uma intervenção séria e determinante no funcionamento dos mercados, bem como por uma aposta decisiva na prevenção.

A inadequada gestão de parte muito significativa da área florestal nacional é justificada por um inadequado funcionamento dos mercados, em concorrência imperfeita. A imposição de preços pela procura, sob proteção governamental, inviabiliza a adequada gestão dos espaços florestais, especialmente em áreas de maior risco de incêndio. Aqui, o atual governo, como os seus antecessores, opta pela salvaguarda dos interesses financeiros dos mais fortes, em detrimento do território, do ambiente e sobretudo das populações rurais.

A defesa da floresta contra os incêndios passa, em primeiro lugar, pelo ajuste de responsabilidades entre os diferentes agentes económicos envolvidos nas várias fileiras silvo-industriais. Todavia, os governos têm insistido em colocar o ónus nos contribuintes (nos fundos públicos que derretem sistematicamente nos incêndios).

Uma adequada gestão florestal carece de capacidade financeira, capacidade essa que é inviabilizada pelo atual funcionamento dos mercados nas três principais fileiras florestais. Sem rendimento não há gestão ativa, sem gestão está facilitado o caminho à propagação dos incêndios florestais (e também das gaffes de verão).

Em segundo lugar, a defesa da floresta contra os incêndios passa por uma estratégia governamental de aposta no rendimento dos detentores dos espaços florestais, opção essa que vá além dos tradicionais produtos, madeira e cortiça, mas que assente cada vez mais também numa aposta concomitante na produção de outros bens e de serviços, designadamente de serviços ambientais, associados à valorização da biodiversidade, do sequestro de carbono, ou da regulação dos regimes hídricos.

Em terceiro lugar, passa pela aposta em estratégia de redução da carga combustível nas florestas, seja através de programas assentes em técnicas de supressão do fogo, ou pelo recurso, com maior interesse social e económico, à pastorícia.

Na área do combate, a aposta tem de passar pelo reforço da operacionalidade e segurança dos meios terrestres. Aqui, o processo de fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI) aos bombeiros tem-se revelado um autêntico desastre.

Ao invés da aposta no essencial, o governo, alguns dizem que por “orgulho”, prefere fazer incidir a sua atenção em “brinquedos caros e inúteis”, mas que tem visibilidade mediática (e quiçá, pode ser mais suscetível a interesses específicos).

A Acréscimo insiste todavia que, o problema dos incêndios florestais passa fundamentalmente pela capacidade em criar riqueza e emprego nos espaços florestais. Florestas capazes de gerar negócio (verde) e de suster pessoas dificilmente ardem. As alterações climáticas vêm acentuar a necessidade de gerar rendimento nos espaços florestais e silvestres (e assim assegurar sua defesa), e de inverter a atual tendência de êxodo rural. Os cidadãos têm assim de controlar os interesses financeiros que se afastem destes objetivos.


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Florestas: balanço de 2014

Os incêndios florestais

No ano transato foi evidente um atípico período estival. O verão frio foi o grande responsável pela significativa redução na área ardida registada face ao histórico mais recente. Todavia, não ocorreram alterações estruturais que, independentemente do clima, possam sustentar no futuro os números registados em 2014.


A Estratégia Nacional

A atualização da Estratégia Nacional para as Florestas resultou num flop (quiçá propositado), ainda por cima baseado num diagnóstico de 2007. Trata-se de um documento inútil que não terá efeitos práticos na alteração ao processo de destruição dos ecossistemas florestais em Portugal.


O investimento florestal

De acordo com os dados fornecidos no âmbito do novo Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização (RJAAR), ficam evidentes os resultados almejados pelo governo e pela indústria papeleira, a materialização de uma aposta inconsequente no eucalipto, em minifúndio, sem garantia financeira e técnica de gestão.

Distribuição das arborizações autorizadas ou validadas, por ocupação florestal (em percentagem da área)
Fonte: ICNF, junho 2014

O objetivo é claro, passa por incentivar a oferta, mesmo que inconsequente, para assegurar a manipulação de preços baixos durante décadas à procura, a indústria papeleira. Os potenciais incêndios, que possam decorrer do comprometimento da gestão florestal por esta estratégia governamental e industrial, serão custeados pela Sociedade.


Os apoios públicos

Conforme o anúncio do governo, arrancou na segunda quinzena de novembro o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020). O novo “pacote” de apoios públicos está disponível para financiar ações de investimento florestal no período 2014 a 2020. Foi publicamente anunciada a afetação de 540 milhões de euros de apoio público às florestas. Mas, qual a mudança na atribuição destes apoios públicos para 2014 a 2020 face ao histórico de 1986 a 2013? No fundamental, nenhuma!

A Acréscimo colocou 12 questões á ministra da Agricultura sobre a eficiência e eficácia dos apoios concedidos entre 1986 e 2013, por forma a otimizar o esforço da Sociedade no período de 2014 a 2020. A ministra não consegue ou não quer elaborar as respostas, parece que prefere apostar na discurso demagógico do anúncio de milhões (sem garantias de retorno social, económico e ambiental).


A fiscalidade

A fiscalidade verde revelou-se nas florestas um filme do passado, com uma aposta minimalista no IMI e IMT.

A fundamental alteração ao Código do IRS, adequando-o às especificidades da atividade florestal, onde se enquadra a esmagadora maioria dos proprietários florestais, não passou de uma promessa eleitoral para outubro de 2015. A alteração isolada ao Código do IRC veio agravar a injustiça fiscal entre os detentores e gestores florestais industriais e os proprietários florestais familiares.


Os mercados

No final do ano foi formalizada uma plataforma de acompanhamento dos mercados de produtos florestais. Será um embuste?
Durante anos, os três últimos incluídos, foi patente a proteção governamental a interesses financeiros de alguns grupos industriais. Será diferente em 2015? Será apenas por conveniência partidária?

A Acréscimo sustenta a necessidade da criação de uma entidade reguladora formal, a par do que aconteceu até 1989, quando os fenómenos de sobre-exploração e subaproveitamento dos recursos florestais estava longe da situação de catástrofe a que hoje se assiste (centenas de milhões de euros de fundos públicos entretanto afetados as florestas).

Em conclusão

Em 2014 o governo persistiu no enfoque (empenhado) do acessório, fugindo ao essencial. Manteve a proteção aos interesses financeiros, em detrimento das populações, do território, da economia e do ambiente.

Sem um regular funcionamento dos mercados, são subtraídos à produção os rendimentos que permitem custear uma adequada gestão de parte significativa da área florestal nacional, sobretudo a de maior risco face aos incêndios, às pragas e às doenças. Neste contexto, serão sempre inúteis quaisquer apoios financeiros, incentivos fiscais, muito menos gaffes estivais repressivas sobre os detentores da floresta nacional.

Sem negócio nas florestas, continuará o ciclo de depreciação dos recursos naturais associados e de empobrecimento do mundo rural. Os próprios interesses financeiros que se possam vangloriar do protecionismo governamental terão forçosamente de se deslocalizar no curto/médio prazo, contudo o território não se deslocaliza, alguém sairá a perder, e não serão apenas os que são proprietários florestais.

Convictamente discordante da atuação política seguida nos últimos anos nas florestas em Portugal, a Acréscimo expressou em 2014 as suas propostas de intervenção.