quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Alerta para os perigos do aumento da capacidade de queima de biomassa florestal para energia

 

19 de outubro assinala o Dia Internacional contra o Uso de Biomassa em Larga Escala 

Em Portugal o aumento da capacidade do uso de biomassa para a produção de energia coincide com o aumento da área ardida em povoamentos florestais


O Governo aprovou recentemente em Conselho de Ministros um diploma para o lançamento de um concurso destinado à atribuição dos títulos de reserva de capacidade para a injeção na rede elétrica de serviço público da eletricidade produzida a partir da queima de biomassa florestal, para um total de 60 MW e um máximo de 10 MW por central, com financiamento de 2 milhões de euros e uma taxa de financiamento de 100%.


Embora as pequenas centrais termoelétricas a biomassa florestal, de pequena dimensão e base local, possam ter um contributo positivo na valorização energética dos sobrantes de silvicultura (de desbastes, desramações ou podas) e de exploração florestal (ramos e bicadas), apesar da baixa eficiência desta conversão, Portugal dispõe já de uma capacidade industrial instalada de queima de biomassa superior a 865 MW, com a necessidade de uma quantidade de biomassa florestal primária anual superior ao dobro do recomendado como disponível, no raras vezes constituída, não por sobrantes, mas por troncos de árvores. Os acréscimos na capacidade industrial neste domínio fizeram-se sentir sobretudo em 2006 e 2016, pela aprovação de licenciamentos.


A capacidade industrial de queima de biomassa para a produção de eletricidade em Portugal está associada a unidades com potências superiores a 10 MW, onde as empresas de celulose produzem quase 80% da eletricidade obtida pela combustão de material lenhoso (ver gráfico 1). As capacidades de produção de eletricidade pela queima de biomassa em larga escala foram objeto de um relatório publicado no presente ano pela BIOFUELWATCH, pela EPN (Environmental Paper Network), pela QUERCUS, ACRÉSCIMO e IRIS.


Gráfico 1



Perigos da queima de biomassa para energia:


  1. Perigo de potenciar incêndios (ver gráfico 2), particularmente em povoamentos florestais.


O aumento da capacidade industrial de queima de biomassa para energia, associada ao aumento da capacidade de produção de pellets de madeira, tem coincidido com a crescente tendência de envolvimento dos povoamentos florestais na área ardida total em Portugal. O argumento da redução do perigo de incêndio florestal pela valorização energética da biomassa florestal primária não passa de um perigoso mito propagandeado pelo sector industrial. O facto é que o material lenhoso ardido tem um custo de aquisição substancialmente mais baixo do que o material verde e possui ainda menor teor de humidade, fatores positivos para a sua utilização para “valorização energética”



Gráfico 2


  1. Perigo de aumento da perda de coberto arbóreo autóctone.


A pressão exercida por uma elevada capacidade industrial instalada, seja para queima direta de biomassa ou queima diferida pela produção de pellets, faz sentir particularmente em espécies arbóreas autóctones, sabendo que a utilização preferencial da rolaria de eucalipto está associada à produção de pasta celulósica. Nesta perda de coberto autóctone tem estado associada aos cortes em “faixas de gestão de combustíveis”. Após o registo de uma situação de desflorestação, ocorrida entre 1995 e 2010, entre 2010 e 2015 a inversão ocorreu sobretudo pela expansão de plantações de eucalipto. Lamenta-se que o próximo Inventário Florestal Nacional só esteja previsto para 2025


  1. Perigo de expansão de espécies exóticas e invasoras.


Por um lado, pelo rápido crescimento, o eucalipto tem uso potencialmente crescente para fins energéticos, associados a plantações de elevada e muito elevada densidade, na ordem dos 3 a 5 mil plantas por hectare (para a produção de celulose papel ronda as 1200 plantas/hectare). A pressão sobre o solo e o regime hídrico cresce substancialmente. Por outro lado, a “valorização energética” de espécies invasoras, como as acácias, a pretexto do seu controlo, tende a expandir a área ocupada por estas espécies, pela disseminação de sementes no processo de exploração e transporte para unidades fabris.


  1. Perigo de mais emissões, poluição e doenças cardiorrespiratórias.


A queima de material lenhoso gera a emissão, entre outros, de monóxido e dióxido de carbono, de óxidos nitrosos e de material particulado, produzindo acréscimo de emissões de gases de efeito estufa, de poluição atmosférica e danos para a saúde pública, com particular ênfase nas doenças respiratórias e cardíacas.



Recomendações:

Se o Governo pretende efetivamente valorizar os sobrantes silvícolas e reduzir o perigo de incêndio florestal, a recomendação deve passar pela:

  • Valorização como fertilizantes, na produção de compostos orgânicos, designadamente através de sistemas de compostagem, de base residencial e local;

  • Aplicação da biomassa triturada em estilha para promover a fertilização e a regeneração da floresta.

  • Pela valorização energética, mas pela produção de calor, em unidades de base local, de cariz social ou industrial (p.e., no setor agroalimentar), onde a taxa de eficiência ronda os 80%, ao contrário da produção de eletricidade, onde nem atinge metade dessa eficiência (pouco mais de 30%), por vezes pouco passa de um quarto.



segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Embalagens descartáveis de papel têm forte impacto na biodiversidade e em futuros incêndios florestais em Portugal

A União Europeia (UE) está a rever o Regulamento de Embalagens e Resíduos de Embalagens (PPWR). Neste contexto, as embalagens de papel e cartão têm um forte destaque, sendo de prever um aumento da procura,  alicerçada na urgente necessidade de redução do uso do plástico e associado às características de renovação e biodegradação da madeira.

A revisão dessas regras pela UE é encarada pela indústria de celulose como uma oportunidade de expansão da sua área de negócio, associada às fibras da madeira, aos “biomateriais”. Em Portugal, essa oportunidade tem suscitado um aumento da pressão das celuloses sobre a governação para o aumento das áreas de plantações de eucalipto.

As embalagens de papel e cartão estão associadas à produção de madeira para triturar. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), na publicação das Contas Económicas da Silvicultura de 2021, em junho deste ano, a produção de madeira para triturar triturada representou em 2021 (dados provisórios) 41,4% da produção de madeira, cortiça e outros bens silvícolas, o vlor mais alto desde 2015. Já a produção de cortiça e de madeira para serração representaram apenas 24,4% e 20,2%, respetivamente. Face a 2020, em 2021 a produção de madeira para triturar aumentou 2,5%, ao contrário da produção de cortiça que contraiu 6,0%. Em 2021, o Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura registou uma contração de 1,8%, mantendo a tendência decrescente registada desde 2015. O VAB da silvicultura representa atualmente menos de metade do peso  registado em 2000. Ou seja, o aumento na produção de madeira para triturar ao longo deste período de tempo não tem peso económico significativo  para a silvicultura nacional. Os reflexos fazem-se sentir não só na economia, mas têm impacto social, no emprego, e ambiental, na perda de biodiversidade e em emissões de gases de efeito estufa decorrentes da tendência crescente dos incêndios, sobretudo em áreas de “povoamento florestal”.

A produção de madeira para triturar, essencial para a produção de embalagens, de papel de escritório e de “bio”energia, está associada em Portugal, sobretudo, às plantações de eucalipto, a extensas áreas de monocultura, a modelos de silvicultura intensiva, a crescente risco de incêndio. A expansão da área destas plantações, pelo peso crescente da área sob gestão de abandono nas últimas décadas em Portugal, acarretará significativos problemas sociais e ambientais no futuro, entre os quais os associados aos incêndios florestais e emissões decorrentes, como assistimos recentemente em Odemira, em Ourém/Leiria e em Coimbra.

O mito da aposta “verde” nos “biomateriais”, nas “forest fibers” tem consequências negativas, motivo pela qual a Acréscimo manifesta a sua preocupação face ao oportunismo associado à revisão do normativo da UE protagonizado por parte da indústria de celulose. No plano europeu, a Environmental Paper Network (EPN) e a Fern produziram e divulgaram um vídeo sobre os impactos do uso de embalagem descartáveis de papel e cartão, no caso, associados ao setor alimentar, nomeadamente ao “fast food” e ao “take away”.

O embalamento em papel tem algumas vantagens sobre o uso de plástico no que diz respeito à sustentabilidade. São mais fáceis de reciclar e, por serem biodegradáveis, podem ser utilizados para fins como compostagem. No entanto, a produção de papel exige muitos recursos: p.e., fabricar um saco de papel consome mais energia do que a produção de um saco de plástico, e os produtos químicos e fertilizantes utilizados na produção de sacos de papel criam danos adicionais para o ambiente. Estudos demonstraram que, para um saco de papel neutralizar o seu impacto ambiental em comparação com o plástico, teria de ser utilizado entre três e 43 vezes. Como os sacos de papel são os menos duráveis de todas as opções de ensacamento, é improvável que um consumidor aproveite o suficiente de qualquer saco de papel para equilibrar o impacto ambiental. O facto de o papel ser reciclável tem as suas limitações. Como as fibras do papel ficam mais curtas e mais fracas cada vez que ocorre o processo de reciclagem, existe um limite de quantas vezes o papel pode ser reciclado.


Se qualquer material de embalamento tem o seu impacte ambiental, seja papel, plástico, tecido, vidro ou outro, o fundamental é optar por aquele material que garanta maior capacidade de reutilização. O embalamento à base do corte de arvoredo tem, a este nível, enormes limitações. Por outro lado, o uso de madeira para embalamento descartável gera menos emprego, menor valor acrescentado na silvicultura, tem maior impacto na perda de biodiversidade e está associado a bens que rapidamente libertam para a atmosfera o carbono antes sequestrado pelo arvoredo, carbono esse que contribui para o aquecimento global, o que acarreta fortes consequências em futuros incêndios florestais.


quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Quercus e Acréscimo alertam para grande presença do eucaliptal no incêndio de Odemira


Preocupante o impacte no Sítio da Rede Natura de Monchique

 

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO estão preocupadas com os grandes incêndios que têm afetado o território desde o final da semana passada, devido aos impactes sobre os ecossistemas florestais e afetação dos serviços ambientais, incluindo a degradação da qualidade do ar.

Este ano a área ardida em espaços rurais ultrapassou já os 25291 hectares, segundo dados do  Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) a 8 de agosto, com 57% em área de povoamentos florestais, num total de 5743 ocorrências.

O incêndio com início no Vale da Telha, freguesia de São Teotónio, no concelho de Odemira, no passado sábado, dia 5, já ultrapassou os 10 mil hectares de área ardida, sendo o maior do ano e tendo atingido áreas nos concelhos de Aljezur e Monchique.

Eucaliptais da The Navigator Company arderam - fica a nu o mito da “boa gestão”



O fogo tem afetado vastas áreas de eucaliptal da antiga Portucel (The Navigator Company), nos concelhos de Odemira e Monchique, mas também zonas de floresta mediterrânica na base da serra de Monchique, apesar do reforço de meios de combate que ultrapassaram os 1100 operacionais, 340 viaturas e até 15 meios aéreos alocados pelas autoridades.

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO, consideram que as plantações de eucalipto configuram grandes áreas contínuas de monocultura que devem ser reequacionadas. Isso é fundamental para reduzir o risco de propagação de incêndios devido a projeções de materiais incandescentes a grande distância, as quais dispersam focos secundários de fogo e, portanto, dificultam o controlo e extinção do incêndio como se está a verificar em várias áreas, nomeadamente em Odemira, Aljezur e Monchique.

Zona Especial de Conservação de Monchique da Rede Natura afetada

O incêndio de Odemira, está a destruir parte da Zona Especial de Conservação (ZEC) de Monchique da Rede Natura 2000, que integra também a Zona de Proteção Especial (ZPE) para a avifauna. Destaca-se a importante população de águia de Bonelli (Aquila fasciata) com estatuto de conservação ‘Em Perigo de extinção’. Ocorrem também alguns habitats relíquia como os adelfeirais sobretudo nas encostas e fundo dos vales da vertente norte da Serra de Monchique, mas também outras áreas de floresta mediterrânica biodiversa dominada por sobreirais.

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO apelam à necessidade de reconverter antigos eucaliptais que tinham sido plantados em áreas de floresta mediterrânica, apostando em espécies mais resilientes ao fogo, o que é essencial para uma resposta estrutural aos problemas que enfrentamos, sobretudo em áreas sensíveis vocacionadas para conservação da natureza, como é a ZEC de Monchique da Rede Natura 2000.

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO reforçam que manter o eucalipto revela falta de visão estratégica ao comprometer o futuro do território e a própria economia rural devido à maior vulnerabilidade aos incêndios, pela perda de serviços dos ecossistemas e afetação da atividade de turismo nesta área do Litoral Alentejano e Algarve.

Esperamos que a The Navigator Company se comprometa com verdadeiras medidas de conservação, reconvertendo os eucaliptais, reduzindo a sua área conforme o disposto na legislação, nomeadamente na Estratégia Nacional para as Florestas, o que contrasta com a pressão da indústria de celulose para novas plantações de eucalipto.

 

Lisboa, 9 de agosto de 2023


A Direção Nacional da QUERCUS, Associação Nacional de Conservação da Natureza

A Direção da ACRÉSCIMO, Associação de Promoção ao Investimento Florestal


terça-feira, 27 de junho de 2023

Quercus e Acréscimo alertam para ausência de medidas estruturais para reduzir o perigo de incêndio em Pedrógão Grande

No dia da inauguração do Memorial às Vítimas do incêndio de Pedrógão, passado 6 anos a Quercus e a Acréscimo divulgam vídeo:

Nunca esqueceremos Pedrógão



 

Na anunciada inauguração do Memorial às Vítimas do grande incêndio de Pedrógão Grande, em junho de 2017, do qual resultaram mais de seis dezenas de vítimas mortais, a QUERCUS e a ACRÉSCIMO relembram, seis anos passados, a ausência de medidas estruturais para a redução do perigo de incêndios, sobretudo ao nível da paisagem.


Para que seja possível realizar ações de transformação à escala da paisagem, atualmente em colapso, é necessário adaptar instrumentos financeiros de apoio à realidade local, concretamente dos fundos da Política Agrícola Comum (PAC) previstos para o período 2023/2027, adequando esses apoios a modelos agroflorestais sustentáveis, compensando perdas de rendimento durante o período de alteração da paisagem. Os territórios dominados pelo minifúndio em Pedrógão Grande, como em outras áreas, tem sido excluídos dos apoios da PAC, o que levou ao abandono rural com as consequências desastrosas para as pessoas e floresta, considerando a necessidade de preservar o solo e os recursos hídricos, face à nova realidade climática.


A QUERCUS e a ACRÉSCIMO constatam, para além da desadequação de meios financeiros, a ausência de suporte técnico local para a necessária alteração da paisagem, a omissão do Estado potencia a intervenção dos setores industriais que contribuíram para a atual situação de colapso.


A QUERCUS e a ACRÉSCIMO denunciam ainda o aparente “engavetamento” dos Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGP), em concreto o relativo às Serras do Açor e Lousã, com incidência direta na região de Pedrógão Grande. É pública a oposição da indústria papeleira ao surgimento para discussão pública deste instrumento de gestão territorial. Estará o Governo subordinado a estes interesses específicos?





 

quinta-feira, 4 de maio de 2023

2022 foi o segundo pior ano na União Europeia em área ardida. Portugal teve o terceiro pior registo do ano na EU

O mais recente relatório disponibilizado no âmbito dos Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS, na sigla em inglês), aponta 2022 como o segundo pior ano na Europa em termos de áreas ardidas e número de incêndios desde 2006. A área ardida na União Europeia (UE) foi a segunda maior de sempre, apenas atrás do ano de 2017. A área ardida na EU foi estimada em 881.275 hectares. Os estados-membros mais atingidos foram, por ordem decrescente de área ardida, a Espanha, a Roménia e Portugal. De acordo com o relatório, a análise preliminar dos prejuízos económicos decorrentes dos incêndios florestais na UE estima perdas de cerca de 2,5 mil milhões de euros.

Em 2022, Portugal manteve-se no “pódio” da área ardida na EU, com 112.063 hectares, o pior registo desde 2017. A área ardida no nosso país foi apenas ultrapassada pela área ardida em Espanha, com 315.705 hectares mapeados, e na Roménia, com 162.518 hectares. Em 2023, de 1 de janeiro até ao momento já arderam 7.590 hectares, o equivalente a 3/4 da superfície do concelho de Lisboa.

Importa ter presente a presença sistemática de Portugal no “pódio” da área ardida na União Europeia, em termos absolutos. Mesmo sem ter em consideração os fenómenos associados às alterações climáticas, o território nacional foi predisposto a um elevado perigo de incêndios, fruto da ausência de medidas políticas de combate ao êxodo rural e, pelo contrário, à aposta política na massificação da produção de madeira associada ao minifúndio, ao desmantelamento de serviços de apoio técnico no terreno (extensão florestal) e de regulação de mercados, claramente a funcionar em concorrência imperfeita. A manutenção desta aposta, associada às alterações climáticas e ao avanço da desertificação, tornam cada vez mais apertada a janela de oportunidade para a adoção de medidas, necessariamente musculadas, de alteração do status quo em parte muito significativa do território continental português.



A Acréscimo tem forte convicção da perda de oportunidade associada ao que vendo sendo conhecido do desempenho do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e do que se perspetiva para o próximo PDR (Programa de Desenvolvimento Rural 2030).

É evidente para a Acréscimo a falta de medidas estruturais para enfrentar o problema dos incêndios florestais no pós-2017 em Portugal. Atribuímos ponto positivo à evacuação de populações durante as ocorrência para evitar mortalidade humana. Todavia, este ponto positivo não é mais do que uma medida de recurso. Por outro lado, as “portas giratórias” continuam a condicionar o Estado a medidas políticas para o colapso.


terça-feira, 21 de março de 2023

Organizações nacionais e internacionais exigem o fim dos subsídios à queima de biomassa florestal nas fábricas de celulose em Portugal

 

O relatório divulgado no Dia Internacional das Florestas (dia 21 de Março) expõe os impactos das enormes quantidades de biomassa florestal primária que são queimadas todos os anos nas fábricas de celulose em Portugal

 

A queima de biomassa nas fábricas de celulose contribui cada vez mais para os lucros das duas grandes empresas de pasta e papel a atuar em Portugal, a The Navigator Company e a Altri. Apesar de afirmarem que a queima de biomassa para produção de energia ajuda a combater as alterações climáticas e a reduzir o risco de incêndios florestais, um novo relatório [1] publicado hoje por três ONGs portuguesas e duas internacionais [2] contesta estas afirmações, e destaca os impactos significativos para o clima e no ambiente que são escondidos pela indústria.

De acordo com Alexandra Azevedo, Presidente de Quercus, "As celuloses sempre queimaram parte dos seus resíduos industriais para produzir energia, mas nos últimos anos os lucrativos subsídios públicos às energias renováveis encorajaram a construção de grandes e ineficientes centrais termoelétricas dedicadas à queima de biomassa mesmo ao lado das suas fábricas de celulose e a substituição de centrais de cogeração a gás fóssil pela queima de biomassa. Essas centrais precisam de muito mais madeira do que é produzida como sobrantes florestais e resíduos industriais pelas fábricas de celulose, exigindo que grandes quantidades de madeira adicional sejam trazidas diretamente das operações de exploração florestal. A existência de subsídios desacoplou a queima de biomassa florestal na maioria destas fábricas dos fluxos de sobrantes industriais da produção de pasta celulósica. Os subsídios servem de base a uma nova área de negócio para estas empresas”

O relatório mostra como as celuloses estão a queimar mais madeira para produzir energia do que qualquer outro setor em Portugal. Em 2021, gerou 80% da eletricidade produzida a partir da queima de biomassa nas suas centrais de cogeração e termoelétricas, e possuía mais da metade da capacidade industrial de queima de biomassa dedicada à produção de eletricidade. Juntos, o setor queimou quase 3 milhões de toneladas de biomassa em 2021, quase 60% das quais provenientes diretamente de operações de exploração florestal, principalmente das extensas plantações de monoculturas de eucalipto em Portugal.

Sophie Bastable, da Environmental Paper Network, afirmou que: “Globalmente, os incentivos à eletricidade a partir da queima de biomassa, como os subsídios à energia renovável, abriram um novo fluxo de receita para a indústria de pasta e papel. Essa renda incentiva a intensificação da exploração florestal e a expansão das plantações de monoculturas de árvores, muitas vezes no lugar dos ecossistemas naturais. Estamos a ver esta tendência preocupante desenvolver-se, não só em Portugal, mas em todo o mundo – da América do Sul à África do Sul.”

Dois grandes empreendimentos são destacados no relatório como emblemáticos dos problemas causados pela queima em larga escala de biomassa para geração de energia. A primeira é a central eléctrica Figueira da Foz II, na fábrica de celulose CELBI da Altri (operada pela GreenVolt, uma subsidiária da Altri), que é totalmente dependente da biomassa florestal primária e que, segundo o relatório, funciona com uma eficiência alarmantemente baixa de cerca de 22%. A segunda é a nova caldeira de biomassa da The Navigator Company, também na Figueira da Foz, que substituiu uma central a gás fóssil e requer que quase metade da biomassa que queima seja proveniente diretamente das operações florestais.

Oliver Munnion, da Biofuelwatch, declarou: “Em vez da queima de biomassa nas fábricas de celulose ser um exemplo de economia circular, como a indústria afirma, é um processo destrutivo de sentido único. Mais e mais madeira está a ser queimada com eficiências muito baixas, o que emite cada vez mais carbono para a atmosfera. De acordo com o IPCC, a queima de biomassa resulta em emissões de carbono imediatas superiores às dos combustíveis fósseis, como gás, e essas emissões têm um impacto climático significativo por longos períodos de tempo, independentemente do tipo de biomassa que está a ser queimada. Isso não pode ser considerado verde ou renovável”.

As subscritoras do relatório também questionam as alegações de que a queima de biomassa florestal ajuda a reduzir o risco de incêndios florestais, um enorme problema social e ambiental a cada verão em Portugal. Paulo Castro, Presidente da Acréscimo, afirmou: “Na última década e meia houve um aumento crescente da quantidade de biomassa retirada das áreas florestais, tanto para queima em centrais termoeléctricas como para transformação em pellets de madeira. Mas, ao mesmo tempo, a quantidade de área ardida total a cada ano em Portugal mantém tendência de crescimento e as áreas ardidas em povoamentos florestais já ultrapassaram, no último quinquênio e em 2022, outros tipos de uso da terra como os matos. Esta pseudo-estratégia de redução de incêndio claramente não está a funcionar, muito pelo contrário”. Serafim Riem da Iris, realça: “A extração excessiva de biomassa está a reduzir o coberto arbóreo, a tornar os solos mais pobres, a provocar a perda de biodiversidade e a aumentar o risco de desertificação”.



As signatárias fazem três exigências principais ao governo português. Em primeiro lugar,  estão a pedir a introdução de uma moratória imediata sobre a nova capacidade de produção de eletricidade a partir de biomassa, e terminar a sua elegibilidade para subsídios de energia renovável. Em segundo, estão a pedir limites para a queima de biomassa nas fábricas de celulose, de modo que nenhuma biomassa florestal primária seja usada como matéria-prima para a geração de energia. Por fim, pedem que os subsídios à geração de eletricidade a partir da biomassa sejam redirecionados para a geração de energia genuinamente renovável, medidas de eficiência energética e técnicas de redução do risco de incêndio que incentivem a conservação e regeneração dos solos e das florestas autóctones.

 

Notas

[1] https://www.biofuelwatch.org.uk/wp-content/uploads/pulp-biomass-portugal-2023-PT.pdf

[2] Os signatários do relatório são: Quercus, Acréscimo, IRIS, Biofuelwatch e Environmental Paper Network (EPN)

 

quinta-feira, 16 de março de 2023

Quercus e Acréscimo denunciam a persistência de ilegalidade em iniciativa promovida pelas celuloses em Pedrógão Grande

 

Na sequência da denúncia pela QUERCUS e pela ACRÉSCIMO, em agosto último, da adulteração do projeto de reflorestação aprovado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e promovido pela CELPA, Associação da Indústria Papeleira, agora com a designação BIOND, Forest Fibers from Portugal, com a plantação ilegal de eucaliptos em área aprovada para medronheiros, o instituto público anunciou ter averiguado a situação e, mais tarde, ter notificado a entidade promotora do projeto “para o arranque e remoção dos eucaliptos ilegalmente instalados na parcela onde apenas estava autorizada plantação de medronheiros”.

 

Em recente vistoria realizada pela equipa da QUERCUS e da ACRÉSCIMO à parcela integrante do projeto de (re)arborização identificado com o código P_ARB_047406, com ponto de observação com as coordenadas GPS 39.876717°N -8.170733°W, foi constatada a suspeita de ter sido apenas uma parte da mesma sujeita a regularização, permanecendo eucaliptos na parcela aprovada para medronheiros.

 

Na mesma vistoria, a equipa da QUERCUS e da ACRÉSCIMO suspeita de potencial adulteração do projeto, neste caso em parcela também destinada e aprovada para a instalação de medronheiros, integrada em projeto de (re)arborização identificado com o código P_ARB_0470421, em ponto com as coordenadas GPS 39.880117°N -8.177283°W. A base da suspeita reside na ocupação anterior à mobilização do solo, por matos mediterrânicos, e ao tipo de preparação do solo, em terraços, tipicamente para eucaliptal.

 

No início de junho do ano passado, a associação da indústria papeleira, agora designada BIOND, Forest Fibers from Portugal, anunciou em vídeo ter promovido a iniciativa demonstrativa “ReNascer Pedrógão”. Apresentou-o como uma iniciativa emblemática no país, de “gestão florestal exemplar”, baseado num processo “rigoroso” e com “apoio técnico continuado”. Um “projeto que tem por objetivo a certificação florestal”, que pretende “contribuir para a reposição dos serviços do ecossistema”.

 

Todavia, a realidade difere do anunciado. Nos projetos acima identificados e em adjacentes, a QUERCUS e a ACRÉSCIMO reforçam a constatação que, na anunciada intervenção de construção e beneficiação de caminhos e aceiros, tendo em vista uma “maior resiliência aos incêndios”, os eucaliptos só não se visualizam nas faixas de rodagem. Foram plantados até aos limites de caminhos e aceiros.

 

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO reforçam a denúncia sobre os fortes impactos decorrentes da extrema mobilização dos solos. A mobilização em causa, com a construção de terraços em plena margem direita do rio Zêzere, gerou um enorme volume de emissões de carbono para a atmosfera, bem como produz um significativo acréscimo do risco de erosão. Esta injustificável mobilização do solo ocorreu em plena Reserva Ecológica Nacional (REN) e no enquadramento do Plano de Ordenamento das Albufeiras de Cabril, Bouçã e Santa Luzia (POAC).

 

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO reforçam que esta insistência no eucalipto revela falta de visão estratégica e compromete o futuro do território pela maior vulnerabilidade aos incêndios e pela perda de serviços dos ecossistemas. A aposta em espécies mais resilientes ao fogo é essencial para uma resposta estrutural aos problemas que enfrentamos.



Em conclusão:

 

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO, têm sérias dúvidas quanto aos projetos que as celuloses elaboram ou promovem e o que é efetivamente instalado no terreno. Desafiam assim a BIOND a comprovar a inexistência de mais ilegalidades noutros projetos da sua responsabilidade ou por si promovidos, bem como pelas suas associadas.

 

Mais, a QUERCUS e a ACRÉSCIMO denunciam a incapacidade do Estado, nomeadamente do ICNF, na fiscalização das ações de (re)arborização que autoriza. Essa incapacidade converte-se num prémio à especulação e à infração, com a consequente expansão da área de eucalipto ilegal.