quarta-feira, 15 de abril de 2015

Certificação florestal: negócio privado transparente?

A gestão florestal consiste na aplicação de princípios e metodologias de caráter técnico, comercial, ambiental e social a uma determinada superfície florestal, seja uma propriedade ou um conjunto de propriedades. O objetivo de concretização de uma adequada gestão florestal é determinado, mais ainda em floresta essencialmente privada, pelas expetativas de rentabilidade que, ao longo do tempo, a produção de bens e a prestação de serviços possa gerar a partir dessa superfície. O negócio privado da certificação florestal não garante uma adequada gestão florestal, é tão só um elemento que, a par de outros, muitos da responsabilidade do Estado, evidencia que uma determinada superfície é adequadamente gerida, sobretudo no plano ambiental. Mas, será essa evidenciação transparente?

A Acréscimo tem vindo desde 2013 a suscitar a visita a locais de floresta certificada, especificamente onde são aplicados resíduos industriais. Em causa estão áreas certificadas de um operador silvo-industrial nacional. Até agora não teve sucesso.

A aplicação de resíduos industriais em áreas florestais pode aportar, se inadequadamente gerida, problemas vários, incluindo de Saúde Pública.

A certificação florestal assenta na realização de auditorias periódicas às entidades que voluntariamente recorreram à certificação. A par do que aconteceu na banca ou com grandes grupos empresariais, também na certificação florestal se pode assistir ao mesmo tipo de ineficiências por parte dos auditores, sobretudo quando está em causa a certificação de grandes “players” industriais. Este é um dos motivos que levou a Acréscimo a sugerir maior transparência do processo, incluindo a visitação por terceiros de áreas florestais certificadas, sobretudo as que estão na posse ou são geridas por grandes operadores silvo-industriais.

Na sequência dos pedidos de esclarecimento sobre a aplicação de resíduos industriais em áreas florestais certificadas, temos tido conhecimento que, da parte do Ministério da Agricultura não existem manuais específicos para a aplicação destes resíduos em culturas florestais. Não são conhecidos estudos científicos independentes, que tenham por base áreas e culturas florestais nacionais, e que suportem tal aplicação.

Mais, estamos em crer que, nalgumas áreas sugeridas para visitação pela Acréscimo, terão decorrido entretanto visitas por parte de responsáveis de algumas Associações Ambientais. Mas, poderão ser estas últimas consideradas independentes neste domínio se, nas suas receitas, constarem apoios financeiros periódicos oriundos das entidades certificadas cujas áreas visitaram?

Importa ter presente que, nos dois principais sistemas de certificação florestal existentes em Portugal, nos seus órgãos dirigentes nacionais, se encontram a par representantes de grandes operadores industriais e das Associações Ambientais.

A fiscalização da aplicação de resíduos industriais em culturas agrícolas e florestais compete a organismos do Ministério da Agricultura. Essa fiscalização, sobretudo em áreas de grandes operadores silvo-industriais, tem sido efetiva e eficiente? Estão disponíveis relatórios respeitantes a estas ações?


A certificação florestal, sobretudo em áreas de grandes operadores silvo-industriais carece de transparência. Essa transparência, quando está em causa a gestão de centenas de milhares de hectares de floresta, tem de envolver entidades que estão para lá das que integram os sistemas de certificação, sejam organizações cívicas, organismos técnicos e autarquias, estas últimas na qualidade de representantes das populações locais, as que correm maiores riscos de serem afetadas por deficiências do processo de certificação florestal, sobretudo no que respeita à aplicação de resíduos industriais.


segunda-feira, 6 de abril de 2015

Verão e incêndios florestais 2015

No início de abril foi anunciado pelo Governo o dispositivo de combate aos incêndios florestais para 2015. Mas, será que a solução para diminuir os efeitos causados por esta catástrofe estival nacional passa pelo seu combate, ou será que estamo-nos / estão-nos a enganar?

Hoje em dia, parece consensual a associação entre os riscos associados aos incêndios florestais, no que respeita à sua propagação, medida em área ardida, com a gestão dos espaços florestais. Ou seja, todos associam um maior risco de incêndio à ausência de gestão florestal.

Mas, o que é a gestão florestal? O conceito data de 1958 e corresponde à aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos florestais na administração de uma propriedade florestal. Às componentes comercial (sempre esquecida na aplicação do conceito) e técnica, associaram-se mais recentemente, a componente ambiental, para garante do respeito pelos mecanismos de sustentabilidade dos ecossistemas, e social, vinculada às condições de trabalho, de combate à escravatura, e ao bem estar das populações.

Não será difícil de aceitar, mesmo por aqueles que têm um maior afastamento ao meio rural, que a concretização de operações e técnicas de gestão florestal acarreta encargos. Será também fácil pressupor que tais encargos, em floresta privada, são suportados pelos rendimentos auferidos pela produção de bens, seja madeira, cortiça, frutos secos ou outros, ou pela prestação de serviços, como recreio, caça, paisagem, e mesmos os serviços ambientais, na proteção do solo, no controlo de cheias, no sequestro de carbono, entre outros.

O abandono ou ausência de gestão acaba por ser um modelo de gestão, sendo este adaptado às expetativas de rendimento de uma propriedade florestal.

O que talvez muitos não saibam é como funcionam os mercados de bens florestais, como funciona o mecanismo de formação dos preços dos mais expressivos bens de base florestal, e de qual a evolução histórica desses preços. Se os mercados funcionam em concorrência imperfeita, com o domínio por oligopólios protegidos pelo poder político, se os preços são unilateralmente impostos pela indústria, sem ter em conta os encargos de uma adequada gestão florestal, e se a evolução histórica dos preços à floresta privada tem gerado um declínio progressivo da atividade florestal, será que uma mera aposta em combate é racional? É-o em parte, mas numa ínfima parte. Contudo, caso não se mude de paradigma na visão sobre a floresta privada, o negócio do combate (a que alguns apelidam de “indústria do fogo”) terá sucesso assegurado no futuro.


Tendo por base o histórico de outros países do sul da Europa, sabe-se que:

Se a floresta privada gera rendimentos que permitam suportar uma gestão profissional, economicamente sustentada, ambientalmente sustentável e socialmente responsável, mesmo em situações extremas de monocultura, os riscos associados aos incêndios são substancialmente diminutos.

Se a floresta privada gera riqueza que serve de suporte, a par de outras atividades rurais, a subsistência digna das populações locais, mesmo em situações extremas de monocultura, os riscos associados aos incêndios diminuem substancialmente.

Logo, a solução parece ser simples: com negócio (verde) e pessoas, a floresta terá garantida a sua proteção. Sem a regulação dos interesses que inviabilizam esse negócio e sem um combate efetivo ao êxodo rural, as florestas continuarão a arder, e cada vez mais. Isto apesar de se aumentarem continuamente os dispositivos de combate aos incêndios florestais.