terça-feira, 21 de março de 2023

Organizações nacionais e internacionais exigem o fim dos subsídios à queima de biomassa florestal nas fábricas de celulose em Portugal

 

O relatório divulgado no Dia Internacional das Florestas (dia 21 de Março) expõe os impactos das enormes quantidades de biomassa florestal primária que são queimadas todos os anos nas fábricas de celulose em Portugal

 

A queima de biomassa nas fábricas de celulose contribui cada vez mais para os lucros das duas grandes empresas de pasta e papel a atuar em Portugal, a The Navigator Company e a Altri. Apesar de afirmarem que a queima de biomassa para produção de energia ajuda a combater as alterações climáticas e a reduzir o risco de incêndios florestais, um novo relatório [1] publicado hoje por três ONGs portuguesas e duas internacionais [2] contesta estas afirmações, e destaca os impactos significativos para o clima e no ambiente que são escondidos pela indústria.

De acordo com Alexandra Azevedo, Presidente de Quercus, "As celuloses sempre queimaram parte dos seus resíduos industriais para produzir energia, mas nos últimos anos os lucrativos subsídios públicos às energias renováveis encorajaram a construção de grandes e ineficientes centrais termoelétricas dedicadas à queima de biomassa mesmo ao lado das suas fábricas de celulose e a substituição de centrais de cogeração a gás fóssil pela queima de biomassa. Essas centrais precisam de muito mais madeira do que é produzida como sobrantes florestais e resíduos industriais pelas fábricas de celulose, exigindo que grandes quantidades de madeira adicional sejam trazidas diretamente das operações de exploração florestal. A existência de subsídios desacoplou a queima de biomassa florestal na maioria destas fábricas dos fluxos de sobrantes industriais da produção de pasta celulósica. Os subsídios servem de base a uma nova área de negócio para estas empresas”

O relatório mostra como as celuloses estão a queimar mais madeira para produzir energia do que qualquer outro setor em Portugal. Em 2021, gerou 80% da eletricidade produzida a partir da queima de biomassa nas suas centrais de cogeração e termoelétricas, e possuía mais da metade da capacidade industrial de queima de biomassa dedicada à produção de eletricidade. Juntos, o setor queimou quase 3 milhões de toneladas de biomassa em 2021, quase 60% das quais provenientes diretamente de operações de exploração florestal, principalmente das extensas plantações de monoculturas de eucalipto em Portugal.

Sophie Bastable, da Environmental Paper Network, afirmou que: “Globalmente, os incentivos à eletricidade a partir da queima de biomassa, como os subsídios à energia renovável, abriram um novo fluxo de receita para a indústria de pasta e papel. Essa renda incentiva a intensificação da exploração florestal e a expansão das plantações de monoculturas de árvores, muitas vezes no lugar dos ecossistemas naturais. Estamos a ver esta tendência preocupante desenvolver-se, não só em Portugal, mas em todo o mundo – da América do Sul à África do Sul.”

Dois grandes empreendimentos são destacados no relatório como emblemáticos dos problemas causados pela queima em larga escala de biomassa para geração de energia. A primeira é a central eléctrica Figueira da Foz II, na fábrica de celulose CELBI da Altri (operada pela GreenVolt, uma subsidiária da Altri), que é totalmente dependente da biomassa florestal primária e que, segundo o relatório, funciona com uma eficiência alarmantemente baixa de cerca de 22%. A segunda é a nova caldeira de biomassa da The Navigator Company, também na Figueira da Foz, que substituiu uma central a gás fóssil e requer que quase metade da biomassa que queima seja proveniente diretamente das operações florestais.

Oliver Munnion, da Biofuelwatch, declarou: “Em vez da queima de biomassa nas fábricas de celulose ser um exemplo de economia circular, como a indústria afirma, é um processo destrutivo de sentido único. Mais e mais madeira está a ser queimada com eficiências muito baixas, o que emite cada vez mais carbono para a atmosfera. De acordo com o IPCC, a queima de biomassa resulta em emissões de carbono imediatas superiores às dos combustíveis fósseis, como gás, e essas emissões têm um impacto climático significativo por longos períodos de tempo, independentemente do tipo de biomassa que está a ser queimada. Isso não pode ser considerado verde ou renovável”.

As subscritoras do relatório também questionam as alegações de que a queima de biomassa florestal ajuda a reduzir o risco de incêndios florestais, um enorme problema social e ambiental a cada verão em Portugal. Paulo Castro, Presidente da Acréscimo, afirmou: “Na última década e meia houve um aumento crescente da quantidade de biomassa retirada das áreas florestais, tanto para queima em centrais termoeléctricas como para transformação em pellets de madeira. Mas, ao mesmo tempo, a quantidade de área ardida total a cada ano em Portugal mantém tendência de crescimento e as áreas ardidas em povoamentos florestais já ultrapassaram, no último quinquênio e em 2022, outros tipos de uso da terra como os matos. Esta pseudo-estratégia de redução de incêndio claramente não está a funcionar, muito pelo contrário”. Serafim Riem da Iris, realça: “A extração excessiva de biomassa está a reduzir o coberto arbóreo, a tornar os solos mais pobres, a provocar a perda de biodiversidade e a aumentar o risco de desertificação”.



As signatárias fazem três exigências principais ao governo português. Em primeiro lugar,  estão a pedir a introdução de uma moratória imediata sobre a nova capacidade de produção de eletricidade a partir de biomassa, e terminar a sua elegibilidade para subsídios de energia renovável. Em segundo, estão a pedir limites para a queima de biomassa nas fábricas de celulose, de modo que nenhuma biomassa florestal primária seja usada como matéria-prima para a geração de energia. Por fim, pedem que os subsídios à geração de eletricidade a partir da biomassa sejam redirecionados para a geração de energia genuinamente renovável, medidas de eficiência energética e técnicas de redução do risco de incêndio que incentivem a conservação e regeneração dos solos e das florestas autóctones.

 

Notas

[1] https://www.biofuelwatch.org.uk/wp-content/uploads/pulp-biomass-portugal-2023-PT.pdf

[2] Os signatários do relatório são: Quercus, Acréscimo, IRIS, Biofuelwatch e Environmental Paper Network (EPN)

 

quinta-feira, 16 de março de 2023

Quercus e Acréscimo denunciam a persistência de ilegalidade em iniciativa promovida pelas celuloses em Pedrógão Grande

 

Na sequência da denúncia pela QUERCUS e pela ACRÉSCIMO, em agosto último, da adulteração do projeto de reflorestação aprovado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e promovido pela CELPA, Associação da Indústria Papeleira, agora com a designação BIOND, Forest Fibers from Portugal, com a plantação ilegal de eucaliptos em área aprovada para medronheiros, o instituto público anunciou ter averiguado a situação e, mais tarde, ter notificado a entidade promotora do projeto “para o arranque e remoção dos eucaliptos ilegalmente instalados na parcela onde apenas estava autorizada plantação de medronheiros”.

 

Em recente vistoria realizada pela equipa da QUERCUS e da ACRÉSCIMO à parcela integrante do projeto de (re)arborização identificado com o código P_ARB_047406, com ponto de observação com as coordenadas GPS 39.876717°N -8.170733°W, foi constatada a suspeita de ter sido apenas uma parte da mesma sujeita a regularização, permanecendo eucaliptos na parcela aprovada para medronheiros.

 

Na mesma vistoria, a equipa da QUERCUS e da ACRÉSCIMO suspeita de potencial adulteração do projeto, neste caso em parcela também destinada e aprovada para a instalação de medronheiros, integrada em projeto de (re)arborização identificado com o código P_ARB_0470421, em ponto com as coordenadas GPS 39.880117°N -8.177283°W. A base da suspeita reside na ocupação anterior à mobilização do solo, por matos mediterrânicos, e ao tipo de preparação do solo, em terraços, tipicamente para eucaliptal.

 

No início de junho do ano passado, a associação da indústria papeleira, agora designada BIOND, Forest Fibers from Portugal, anunciou em vídeo ter promovido a iniciativa demonstrativa “ReNascer Pedrógão”. Apresentou-o como uma iniciativa emblemática no país, de “gestão florestal exemplar”, baseado num processo “rigoroso” e com “apoio técnico continuado”. Um “projeto que tem por objetivo a certificação florestal”, que pretende “contribuir para a reposição dos serviços do ecossistema”.

 

Todavia, a realidade difere do anunciado. Nos projetos acima identificados e em adjacentes, a QUERCUS e a ACRÉSCIMO reforçam a constatação que, na anunciada intervenção de construção e beneficiação de caminhos e aceiros, tendo em vista uma “maior resiliência aos incêndios”, os eucaliptos só não se visualizam nas faixas de rodagem. Foram plantados até aos limites de caminhos e aceiros.

 

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO reforçam a denúncia sobre os fortes impactos decorrentes da extrema mobilização dos solos. A mobilização em causa, com a construção de terraços em plena margem direita do rio Zêzere, gerou um enorme volume de emissões de carbono para a atmosfera, bem como produz um significativo acréscimo do risco de erosão. Esta injustificável mobilização do solo ocorreu em plena Reserva Ecológica Nacional (REN) e no enquadramento do Plano de Ordenamento das Albufeiras de Cabril, Bouçã e Santa Luzia (POAC).

 

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO reforçam que esta insistência no eucalipto revela falta de visão estratégica e compromete o futuro do território pela maior vulnerabilidade aos incêndios e pela perda de serviços dos ecossistemas. A aposta em espécies mais resilientes ao fogo é essencial para uma resposta estrutural aos problemas que enfrentamos.



Em conclusão:

 

A QUERCUS e a ACRÉSCIMO, têm sérias dúvidas quanto aos projetos que as celuloses elaboram ou promovem e o que é efetivamente instalado no terreno. Desafiam assim a BIOND a comprovar a inexistência de mais ilegalidades noutros projetos da sua responsabilidade ou por si promovidos, bem como pelas suas associadas.

 

Mais, a QUERCUS e a ACRÉSCIMO denunciam a incapacidade do Estado, nomeadamente do ICNF, na fiscalização das ações de (re)arborização que autoriza. Essa incapacidade converte-se num prémio à especulação e à infração, com a consequente expansão da área de eucalipto ilegal.