terça-feira, 30 de maio de 2017

Motivos para fazer contrair a 5.ª maior área de plantações de eucalipto do mundo (1)

Na Assembleia da República estão em apreciação, pela Comissão de Agricultura e Mar, dois projetos de lei referentes às ações de arborização e rearborização, um de primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho, apresentado pelo Governo, e o outro para a sua revogação e estabelecimento de um novo regime, da autoria do Bloco de Esquerda.

O Programa do XXI Governo Constitucional, no que se refere ao Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho (pág. 179), que designa por Lei que liberaliza a plantação de eucaliptos, prevê a sua revogação e a criação de um novo regime jurídico para as ações de arborização e rearborização.

A 22 de janeiro de 2014, através da Plataforma pela Floresta, 20 organizações e 15 personalidades exigiram a revogação do Decreto-Lei . Entre as organizações signatárias consta a Acréscimo.


A par dos motivos apresentados pela Plataforma pela Floresta, reforçam-se os seguintes:

1.    A indústria papeleira reduziu em cerca de 33.280 hectares, entre 2002 e 2014, a sua capacidade de autoabastecimento. No decurso dos processos de privatização e concentração industrial, transferiu um seu encargo para uma oferta de risco crescente. Esta contração em áreas próprias, associada ao aumento do risco das plantações de eucalipto dos seus fornecedores, tende a aportar maiores encargos para a sociedade, seja no plano económico, mas sobretudo no social e ambiental.

2.    Entre 1995 e 2010, a área de plantações de eucalipto registou uma expansão de cerca de 105.000 hectares. Todavia, ao contrário do que dispõe a Lei de Bases da Política Florestal, essa expansão não foi acompanhada pelo aumento da produtividade, numa ótica de uso múltiplo e da sustentabilidade dos espaços florestais (ver alínea a) do Art.º 3.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto). A produtividade média anual das plantações de eucalipto em Portugal persistiu em cerca de 6 metros cúbicos por hectare.

3.    Entre 2000 e 2011, as plantações de eucalipto, que em 2010 ocupavam um quarto da superfície florestal nacional, foram responsáveis por 43% da área ardida em povoamentos florestais. Fica assim evidente o risco ambiental, social e económico associado a estas plantações.

4.    Pior, o risco de incêndios associado às plantações de eucalipto tende a aumentar significativamente (mais ainda quando associado ao fenómeno do aquecimento global). Em 1996, as plantações de eucalipto foram responsáveis por 3% da área ardida total e 13% da área ardida em povoamentos florestais. Em 2016, esses valores percentuais passaram, respetivamente, a 40% e 70%.

5.    A jusante das plantações de eucalipto, a indústria papeleira detém posição de destaque nos indicadores de poluição a nível nacional. Três das unidades fabris associadas a esta indústria ocupam a 2.ª, a 3.ª e a 7.ª posição do ranking das 10 unidades com maiores emissões para a atmosfera. Já para o ranking das emissões para o meio aquático, esta indústria mantém destaque com duas unidades na 6.ª e na 9.ª posições, a par do destaque nacional que uma unidade detém em descargas de resíduos industriais para o rio Tejo.


Estes cinco indicadores, a par de outros sobejamente identificados, devem merecer uma análise responsável por parte dos dirigentes políticos. Os valores em causa são muito superiores a um peso nas exportações, peso esse que pode ser mantido por uma estratégia responsável e sustentável por parte da indústria papeleira, ou com base noutras atividades e ocupações do Território.

A Acréscimo considera que o projeto de lei apresentado pelo Governo contraria o disposto no respetivo Programa, sendo manifestamente insuficiente para acautelar os motivos expostos, bem como para salvaguardar a sustentabilidade da floresta portuguesa.

Para os dois projetos em apreciação pelo Parlamento, a Acréscimo considera que os critérios utilizados para o licenciamento de ações de arborização e rearborização com espécies exóticas são manifestamente insuficientes para uma análise responsável, seja no plano financeiro, seja no comercial. Por outro lado, a ausência de critérios de cariz ambiental, social e económico é manifestamente penalizadora para o licenciamento de ações de arborização e rearborização com espécies autóctones, bem como para a salvaguarda dos valores a estas associados.

No plano da fiscalização, as duas propostas evidenciam igualmente uma forte carência. A utilização de procedimentos de natureza fiscal, já em vigor, para o controlo e rastreio da comercialização de sementes e plantas produzidas em viveiros certificados tem de ser inscrito como procedimento de fiscalização documental. Teme-se que parte considerável de material de reprodução florestal possa estar associado a investimentos sem licenciamento.


(1)    Fonte: SEMAPA, 2006


GRÁFICOS DE SUPORTE:

Através do Youtube, em: https://youtu.be/XXt2x13Oa-g


quinta-feira, 25 de maio de 2017

“Melhor Eucalipto”: campanha de marketing empresarial

Em resposta à pressão social pela desastrosa expansão das plantações de eucalipto em Portugal, em clara violação de princípios orientadores inscritos na Lei de Bases da Política Florestal, a indústria papeleira respondeu com uma campanha de marketing designada “Projecto Melhor Euicalipto”.

No conjunto de atividades inseridas nesta campanha, são notórias a deficiente abordagem técnica e a ausência de abordagem comercial.


Para além das sessões de âmbito regional, inseridas nesta campanha de marketing empresarial, financiada por fundos públicos (PDR 2020), está ainda a divulgação de simuladores, entre eles um simulador designado “Modelos de investimento”.

Para este simulador de modelos de investimento em plantações de eucalipto, a organização que representa a indústria papeleira alerta para o caráter deficiente do mesmo, eximindo-se de qualquer responsabilidade sobre a sua utilização por potenciais investidores.

Tem, efetivamente, motivos de sobre para se desresponsabilizar por esta iniciativa:

Por um lado, o modelo está dependente da fixação, pelo potencial investidor, do preço de venda da madeira (valor da madeira). Importa alerta que, este é, unilateralmente, fixado pela procura. Assim sendo, o risco de utilização do simulador recai integralmente do lado do potencial investidor. Nos testes efetuados, numa ação de arborização, para se alcançar uma taxa interna de rentabilidade (TIR) de 5%, com um valor atual final líquido positivo, o valor da madeira, antes de corte, pode variar entre 11,70 e 37,00 Euros por metro cúbico.

Para a fixação de tal preço, o modelo ignora ainda itens essenciais, entre eles a dimensão da propriedade (a dimensão da área a corte), o declive, o diâmetro das árvores, os obstáculos existentes na área a corte, o tipo de vegetação existente no subcoberto (se herbácea ou arbustiva), bem como do grau de pedregosidade do terreno. Curiosamente, estes itens constam de uma matriz de operações publicada pelo Ministério da Agricultura, que parece ser aqui ignorada. Não entra ainda em linha de conta com a distância de transporte da rolaria de eucalipto.

Por outro lado, os resultados das simulações mantêm fixos os encargos de instalação das plantações, bem como das operações de manutenção e de adubação. Ou seja, não entra em linha de conta com os itens acima descritos. Os valores considerados são idênticos para uma grande propriedade do Ribatejo, como para o minifúndio do Centro ou Norte.

Pior, os custos considerados são extraordinariamente baixos, seja nas operações de (re)arborização, seja nas de beneficiação das plantações, em clara dessintonia com as matrizes publicadas pelo Ministério da Agricultura e referentes aos custos de referência das operações florestais. Saliente-se o facto de, no custo de instalação (de 1.350,00 €/há), se poder estar a praticar valores abaixo do custo real. Não se registaram, contudo, referências a este respeito por parte das organizações que representam os empreiteiros florestais.


A ausência de uma abordagem comercial no seio desta campanha de marketing aporta riscos sociais muito consideráveis. O abandono da gestão das plantações de eucalipto é um problema com impacto exponencial. Se as plantações de eucalipto eram, em 1996, responsáveis por 3% da área ardida total no país, em 2016, essa percentagem atingiu os 40%. Na área ardida em povoamentos florestais, essas percentagens são de, respetivamente, 13% para 70%.


Existem fatores que, num futuro muito próximo, tendem a agravar consideravelmente este problema. Não se regista, por parte do Governo, a tomada de medidas credíveis para atenuar um risco exponencial para a sociedade. Portugal tende a tornar-se a Indonésia europeia no que respeita ao impacto das plantações nos incêndios rurais.

Importa ainda ter em conta que, estas iniciativas de promoção do investimento em plantações de eucalipto eram, no final do século passado, financiadas exclusivamente por fundos empresariais. Nota-se hoje o recurso ao Orçamento do Estado para o mesmo fim.


terça-feira, 9 de maio de 2017

Certificação da gestão florestal ou certificação de corte?

Em Portugal atuam dois sistemas que asseguram comprovar a gestão sustentável nas explorações florestais, concretamente o FSC e o PEFC, este último líder a nível mundial, isto através de auditorias e pela emissão de certificados.

Tais sistemas seriam financiados por donativos ou pelo acréscimo no preço de bens com certificado, quando voluntariamente escolhidos, face aos demais, pelos consumidores finais, no âmbito de uma estratégia de responsabilidade social.

Sobre estes sistemas têm recaído várias dúvidas e denúncias. No primeiro caso, protagonizado pela Acréscimo, está a deposição de resíduos industriais em áreas florestais certificadas, cujo processo de monitorização se desconhece. No segundo, recentemente ocorrido em França, o facto de um destes sistemas ter estado envolvido na emissão de certificados para suiniculturas, supermercados, discotecas e, mesmo, para reatores em centrais nucleares (1).


Todavia, acrescem outras questões:

No processo de certificação em floresta, do ponto de vista teórico, nada impede que, numa exploração a corte, por exemplo numa plantação de eucaliptos entre o 10.º e o 12.º ano, se opte pela certificação em final de vida do arvoredo para, assim, se beneficiar do acréscimo em preço de um bem com certificado, muito embora, no período de tempo que deu origem ao seu crescimento e desenvolvimento não se tenham adotado boas praticas silvícolas. De outro modo, qual o número de auditorias de acompanhamento que são necessárias para certificar uma plantação de eucaliptos antes de um corte? Ou, ainda de outro modo: Na certificação de um povoamento a corte imediato, que garantias são exigidas para que futuramente, numa nova rotação ou rearborização, este será sujeito a uma gestão florestal sustentável? Não e possível que um certificado emitido prévio a um corte seja depois perdido, iniciando-se novo processo de obtenção de um novo certificado, novamente em momento prévio a um corte posterior?

Tendo passado, em Portugal, tais sistemas a beneficiar de apoio público (ou seja, para além de serem financiados, voluntariamente, pelos consumidores, passaram a ser financiados pelos contribuintes nacionais e europeus, neste caso, mesmo que involuntariamente), quais os mecanismos que o Estado dispõe de acompanhamento a estes sistemas? Este é um aspeto desconhecido. Realça-se o facto de um consumidor que voluntariamente opte por um produto certificado poder estar a pagar novamente o que já financiou como contribuinte.

Para a credibilidade destes sistemas junto dos consumidores, bem como do esforço responsável de muitos proprietários florestais privados na adoção de praticas de gestão florestal sustentável, é de toda a conveniência uma resposta às questões ora colocadas.


(1) Ver: http://www.francetvinfo.fr/france/video-cash-investigation-des-labels-en-bois_2012290.html