quarta-feira, 22 de março de 2017

Os contribuintes europeus vão continuar a financiar incêndios florestais em Portugal

No âmbito de mais um Dia Mundial das Florestas, o ministro da Agricultura anunciou que o Governo irá dispor de 550 a 600 milhões de euros para apoio às florestas até 2020. Mencionou ainda que as taxas de cofinanciamento público atingirão até 90 a 100% dos investimentos que venham a ser apoiados. Para o efeito, o Governo recorrerá a verbas da Política Agrícola Comum (PAC) e do Orçamento de Estado.


Os factos:

Entre o PEDAP e o PRODER, ou seja, de 1989 a 2013, os fundos da PAC e do Orçamento financiaram a (re)arborização de mais de 440 mil hectares e a beneficiação de mais de 730 mil hectares.


ÁREAS (RE)ARBORIZADAS E BENEFICIADAS COM APOIOS DA PAC E OE

Período
Instrumento
QCA/PDR
(Re)arborização
(103 hectares)
Beneficiação
(103 hectares)
1989-1993
PEDAP
113.562
211.004
1994-1999
PAMAF e Reg. 2080
226.637
166.458
2000-2006
AGRO e RURIS
92.067
202.773
2007-2013*
PRODER
9.059
152.774


441.325
733.009

(*) dados até dezembro de 2011
Fonte: ICNF e IFAP

Entre 1995 e 2010, as espécies que foram objeto de maior apoio financeiro da União Europeia e do Estado Português virão a sua área global contrair cerca de 300 mil hectares.


EVOLUÇÃO DA ÁREA DE FLORESTA POR ESPÉCIE

Ano
PINHEIRO BRAVO
Pinus pinaster
(103 hectares)
SOBREIRO
Quercus suber
(103 hectares)
AZINHEIRA
Quercus rotundifolia
(103 hectares)
1995
                            977.883
746.828
366.687
2010
714.445
736.775
331.179
Diferença
- 263.438
- 10.053
                             - 35.508

Fonte: ICNF (IFN6)

Na sua maioria estas áreas foram vítima de uma gestão de abandono e dos consequentes incêndios florestais, mas também de pragas e de doenças. Ou seja, apesar do “generoso” apoio público, o mesmo mostrou-se incapaz de contrariar os constrangimentos dos mercados e de concretizar o objetivo de conservação de espécies protegidas por legislação nacional, como é o caso da azinheira (Quercus rotundifolia).

No que respeita aos incêndios florestais, Portugal tem ocupado um lugar de relevo no seio do sul da Europa. No grupo dos cinco Estados Membros, Portugal detém apenas 6% da área territorial do conjunto, todavia apresenta anos com áreas ardidas que superam o total dos demais.


ÁREAS ARDIDAS NO SUL DA EUROPA
(valores em hectares)

Espanha
França
Grécia
Itália
Portugal
1990
203 032
72 625
38 594
195 319
137 252
1991
260 318
10 130
13 046
99 860
182 486
1992
105 277
16 593
71 410
105 692
57 011
1993
89 267
16 698
54 049
203 749
49 963
1994
437 635
24 995
57 908
136 334
77 323
1995
143 484
18 137
27 202
48 884
169 612
1996
59 814
11 400
25 310
57 988
88 867
1997
98 503
21 581
52 373
111 230
30 535
1998
133 643
19 282
92 901
155 553
158 369
1999
82 217
15 906
8 289
71 117
70 613
2000
188 586
24 078
145 033
114 648
159 605
2001
93 297
20 642
18 221
76 427
111 850
2002
107 464
30 160
6 013
40 791
124 411
2003
148 172
73 278
3 517
91 805
425 726
2004
134 193
13 711
10 267
60 176
129 539
2005
188 697
22 135
6 437
47 575
338 262
2006
155 345
7 844
12 661
39 946
75 510
2007
86 122
8 570
225 734
227 729
31 450
2008
50 322
6 001
29 152
66 329
17 244
2009
120 094
17 000
35 342
73 355
87 416
2010
54 770
10 300
8 967
46 537
133 090
2011
102 161
9 400
29 144
72 004
73 813
2012
226 125
8 600
59 924
130 814
110 231
2013
58 985
3 608
46 676
29 076
152 756
2014
46 721
7 493
25 846
36 125
19 929

Fonte: Pordata


A não existir uma alteração radical na atribuição dos “generosos” apoios às florestas, os contribuintes europeus irão, contra sua vontade, correr o risco de continuarem a financiar os incêndios florestais em Portugal. Relembra-se que os designados “projetos florestais” são aprovados oficialmente sem uma análise financeira ou de risco (designadamente o decorrente dos mercados funcionarem em concorrência imperfeita).

O Tribunal de Contas Europeu (TCE), de acordo com missiva enviada à Acréscimo, nunca auditou o uso de apoios europeus às florestas em Portugal, nem sequer no que respeita à atribuição de fundos da União Europeia à prevenção de incêndios no país.


segunda-feira, 6 de março de 2017

As florestas e os anúncios de milhões de euros

Em julho de 2014, o então secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural anunciava a existência de 540 milhões de euros de despesa pública para apoio às florestas até 2020.

Já em 2016, o atual ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, na comemoração do Dia Mundial da Floresta, anunciava a existência de 500 milhões de euros até 2020 para apoio ao desenvolvimento das florestas em Portugal, manifestando o Governo a intenção de, numa década, recuperar os 150 mil hectares de floresta perdidos entre 1995 e 2010 (de acordo com o 6.º Inventário Florestal Nacional).

Na passada semana, o ministro Capoulas Santos veio a público anunciar a existência de um “pacote florestal” de 700 milhões de euros até 2020.

Realça-se assim a variação de 540, 500 e 700 milhões de euros no apoio público para as florestas, só até 2020. Estando em 2017, importa saber quanto já chegou ao terreno.

Provavelmente, acrescerão aos 700 milhões de euros os 18 milhões anunciados recentemente pelo Primeiro Ministro, de apoio público à melhoria da produtividade das plantações de eucalipto, num quadro de desinvestimento, neste domínio, por parte da indústria papeleira, seja com a contração de áreas próprias de eucaliptal, seja pelo desmantelamento e redução de custos nos centros de investigação que possuem.

O histórico dos apoios públicos às florestas, nos últimos 25 anos, é dramático.

Entre 1989 e dezembro de 2011 (do PEDAP ao PRODER), foram contratualizados apoios para a (re)arborização de mais de 440 mil hectares e a beneficiação de mais de 730 mil hectares de floresta. Curiosamente, de acordo com a FAO e o Eurostat, a área de floresta em Portugal, entre 1990 e 2015, registou uma contração superior a 250 mil hectares.

Insistem os políticos num quadro de subsidiodependência, menosprezando um quadro de aposta no rendimento florestal (ou seja, a montante da indústria). Todavia, essa aposta em apoios públicos tem resultado em desflorestação.

No domínio da salvaguarda do rendimento, importa questionar se foi elaborado e operacionalizado algum plano de combate à desvalorização da madeira ardida em 2016?

As apostas governamentais em ciclos de atribuição de subsídios, descorando o rendimento silvícola, só pode ter explicação num favorecimento à manutenção de preços baixos de bens florestais à indústria. Chamam-se a terreiro os demais cidadãos, que passam assim a ser componente essencial nos negócios de bens silvícolas, “compensando” as perdas da produção. Todavia, parte muito significativa do retorno desse investimento dos cidadãos (nacionais e europeus) tem sido obtido através de incêndios, pragas e doenças nas florestas.