sexta-feira, 22 de maio de 2020

Nas florestas há uma novidade pós-2017


Antes dos grandes incêndios de 2017 e mesmo nesse ano, os pacotes legislativos sobre política florestal surgiam em período pós estival. Nalguns casos, há quem os tenha apelidado de “gaffes” de verão.

Nos dois recentes anos, os pacotes legislativos sobre política florestal surgem em período pré-estival.

Na sequência da sessão de ontem do Conselho de Ministros, veio a público mais um conjunto de medidas legislativas direcionadas para as florestas e para a atividade silvícola. A exemplo do ocorrido em 2019, o pacote de 2020 surge a dias de mais uma época estival.

No pacote ontem aprovado em Conselho de Ministros, há a destacar o Programa de Transformação da Paisagem (PTP). O PTP, de acordo com o comunicado do Governo, responde às orientações do Programa de Valorização do Interior (PVI) e às diretrizes do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR). Coloca-se a questão se o PVI responde às orientações do PNPOT, o Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território, recentemente revisto. Mas, em matéria de florestas e paisagem, nestas novas medidas de política, onde se irão situar os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF)? Afinal, não são os PROF, que condicionam os Planos de Gestão Florestal (PGF), “referenciais de uma nova economia dos territórios rurais ancorada numa floresta multifuncional, biodiversa e resiliente”? É certo que os PROF foram revistos em 2017/2018, mas para potenciar plantações lenhosas mono-específicas pelo território. Os PROF e os PGF têm enquadramento na Lei de Bases da Política Florestal (LBPF). Qual a relação entre o PTP, o PNGIGR e do PVI com a LBPF? Á primeira vista parece estarmos perante uma relação de “atrapalhamento”, de um ziguezaguear legislativo entre períodos críticos de incêndios.

A programas, planos, agências, missões e comissões (ontem foi anunciada mais uma estrutura de missão, “para o Conhecimento do Interior”), tem havido um anúncio sequencial de disponibilização de milhões para as florestas, de milhões de euros. Os valores são muito variáveis, desde pacotes de 700 milhões, passando pelos 500, até valores mais baixos, na ordem das dezenas. O que nunca se questiona é qual o resultado, em termos de operações físicas, da aplicação destes milhões. Se é que são aplicados. Há casos de taxas de 0%.

O facto, constatado em dados do Sistema Europeu de Informação Florestal (FISE, na sigla em inglês), é que Portugal tem perdido sucessivamente coberto florestal. Entre 2012 e 2018 essa perda foi na ordem dos 2,2%. Alargado o período, entre 2000 e 2018, a perda de coberto florestal foi de 7,9%. De longe, a maior perda de coberto florestal registada na União Europeia.


Entre programas, planos, missões, comissões, anúncios de milhões, de muitos milhões de euros, o facto é que Portugal perde coberto florestal a uma taxa que compromete o combate à perda de biodiversidade, ao despovoamento e à desertificação, às alterações climáticas. Com tantos pacotes, num país de floresta privada falta o essencial.


segunda-feira, 18 de maio de 2020

Estudo do Observatório Técnico Independente sobre biomassa para energia serve lóbi industrial


O Observatório Técnico Independente, criado na Assembleia da República, tornou público, em abril último, um “estudo técnico” intitulado “Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia”.

O documento, voluntária ou involuntariamente, presta-se a servir interesses do lóbi da bioenergia. Esta indústria é fortemente subsidiada, tem forte impacte na perda de biodiversidade, de solos, de postos de trabalho no sector silvo-industrial, e contribuiu para o acréscimo de emissões atmosféricas de dióxido de carbono.

Foi com estranheza que a Acréscimo tomou conhecimento desta iniciativa do Observatório Técnico Independente (OTI). Com efeito, ao contrário de relatórios anteriores, de análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios florestais e rurais que ocorram no território nacional, desta vez o OTI desenvolveu um documento indutor de uma área de negócio em concreto, num domínio onde várias intervenções técnicas são possíveis, em alternativa ou em complementaridade à queima.

Independente de uma análise e avaliação mais exaustiva, para a qual a Acréscimo já se disponibilizou junto da Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, a associação destaca três fragilidades maiores deste “estudo técnico”:
  1. O documento apresentado agora pelo OTI demonstra ignorar Relatório, de junho de 2013, desenvolvido no âmbito da Comissão de Agricultura e Mar, sobre a solução que agora privilegia para a redução do risco de incêndio, ou seja, a queima de biomassa florestal. Com certeza, todo o esforço desenvolvido pela Comissão, em múltiplas horas de redação e de audições, deveria merecer uma análise por parte do OTI, mais ainda, quando o documento de 2013 revela preocupações sobre a queima de material lenhos para a produção de energia.
  2. O documento do OTI, enquanto estudo técnico, falha na não justificação da opção que adota, pela ausência de comparação com medidas alternativas ou complementares, para o fim em causa – a redução do risco de incêndio florestal e rural. Isto, quer no que respeita a alternativas que envolvam outras áreas de negócio, nos sectores energético ou silvo-industrial, quer no que respeita a medidas complementares de política florestal, de desenvolvimento rural e de ordenamento do território, entre outras.
  3. O documento do Observatório, ao apresentar recomendações para a definição de medidas de política, evidencia uma enorme fragilidade. Com efeito, o estudo em causa não só não se faz acompanhar de uma análise financeira, mínimo essencial para consolidar uma tomada de decisão política, como carece ainda de análise nos domínios económico, ambiental, social e institucional.



Em resumo, não nos parece transparente, menos ainda justificada a independência deste estudo do Observatório, com a opção claramente direcionada que adota para a redução do risco de incêndio. Mesmo que seja mencionado respeitar ao tratamento da biomassa nas redes primária e secundária de faixas de gestão de combustíveis, estas últimas são hoje uma aberração em termos de política de desenvolvimento rural. Uma importação mal-adaptada.