quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Ciclos eleitorais e ciclos florestais

A tomada de posse do XXI Governo Constitucional marca o início de um novo ciclo eleitoral e o final de outro. Os ciclos florestais são mais longos e aportam hoje elevados riscos sociais, ambientais e económicos.


Luís Capoulas Santos, Ministro da Agricultura do XXI Governo Constitucional

O ciclo eleitoral que agora finda foi marcado pela fusão de dois organismos da Administração Pública, que haviam sido objeto de cisão há 40 anos atrás. Não se vislumbraram benefícios para a Sociedade desta fusão, nem ao nível da Conservação da Natureza, nem das Florestas. Depois de alguns “fogachos”, rapidamente “extintos”, como a conclusão do cadastro rústico, a alteração do Código do IRS, a fiscalidade verde (que de “neutra” não passou de um zero no que às florestas respeita) ou a mobilidade no mercado de solos florestais (a bolsa de terras resume-se praticamente ao refugo da EDIA e aos pedregulhos da Lazer & Floresta), muitas medidas ocorreram tardiamente e aos soluços, como o apoio às Zonas de Intervenção Florestais ou ao Programa de Sapadores Florestais. Não se vislumbrou qualquer estratégia digna desse conceito. O “desenho” dos apoios financeiros públicos seguiu o de programas anteriores, com as consequências destrutivas conhecidas. Não houve intervenção ao nível dos mercados de produtos florestais, lesando conscientemente a atividade silvícola. Muito pelo contrário, a legislatura foi sim marcada pela persistência na subserviência aos interesses egocêntricos da indústria papeleira, com a garantia, dada através do Decreto-Lei n.º 96/2013, de 17 de outubro, da manutenção dos preços baixos à porta da fábrica, pelo fomento de uma oferta de qualidade e segurança duvidosas, em especial em regiões de elevado risco de incêndio. A legislatura fica ainda marcada, embora sem responsabilidade politica direta, pela abertura de um processo por suspeita de “dumping” à principal exportadora nacional de produtos de base florestal.

O ciclo que agora finda ficou ainda marcado, no que à Acréscimo respeita, pela incapacidade em dar resposta a um conjunto de questões simples que haviam sido colocadas por esta associação aos responsáveis políticos do Ministério da Agricultura.

Se a herança era má, o ciclo eleitoral que agora finda não a alterou, piorou. Portugal é hoje o único país do continente europeu com perda líquida de área florestal. Esta situação de desflorestação, reconhecida pela FAO, coloca em causa a sustentabilidade das exportações de base florestal. As exportações florestais portuguesas estão hoje associadas a uma elevada depreciação dos recursos naturais e do Território.

A Acréscimo admite que as suas expetativas para o novo ciclo eleitoral não são elevadas, temendo a manutenção do processo de declínio progressivo da atividade silvícola. Importa ter em conta que, com a sua cota parte de responsabilidade, embora muito condicionada pela herança recebida, o anterior mandato do ministro Capoulas Santos, entre outubro de 1998 e abril de 2002, coincidiu, de acordo com as Contas Económicas da Silvicultura, publicadas anualmente pelo INE, com a mais abrupta queda no rendimento empresarial líquido na silvicultura. Ora, floresta privada sem rendimento é sinal de gestão florestal inadequada e, consequentemente, de maior risco de propagação de incêndios e proliferação mais facilitada de pragas e de doenças. Em todo o caso, temos presente o posterior desempenho politico, internacionalmente reconhecido, do futuro titular do Ministério que detém a tutela das Florestas. De momento, a Acréscimo saúda a nomeação de um novo secretário de Estado para as Florestas



Para o ciclo eleitoral que agora inicia e tendo por enfoque a sustentabilidade dos ciclos florestais atuais e futuros, a Acréscimo insiste, para uma mudança, verdadeiramente assumida e credível, na necessidade de acompanhamento pelo Estado dos mercados de produtos florestais, na carência de um serviço de extensão, de cariz público ou privado sob supervisão pública, bem como no esforço da Investigação na adaptação da formula do rendimento florestal às novas exigências sociais e ambientais, apostando em novos mercados, mais sustentáveis, e transferindo no tempo uma situação de subsidiodependência para outra de pagamento por serviços prestados pelos proprietários florestais à Sociedade. Num País essencialmente de floresta privada, as medidas e instrumentos de politica florestal não se podem centrar nas espécies vegetais ou em estratégias industriais, têm de ter na sua base as famílias e comunidades detentoras da maioria esmagadora dos espaços florestais em Portugal. Quanto à estratégia florestal, se não for definida no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento rural, ajustável aos programas públicos de apoio financeiro e fiscal, centrada nas pessoas e num plano político parlamentar, será sempre coxa.


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A “estória” do cadastro rústico e as florestas

O cadastro rústico não é diretamente um instrumento de politica florestal, é o sim de politica de ordenamento do território. Mas, como será possível desenvolver sustentada e sustentavelmente medidas e instrumentos de política florestal sem um conhecimento mínimo do seu principal grupo alvo?


Passou mais uma Legislatura, estamos no início de uma nova. Depois de na anterior um responsável governamental tem mencionado que seria um falhanço se o cadastro rústico não tivesse sido concluído até final do mandato, o facto é que não o foi. Falharam.


Pior. A problemática da conclusão (e já agora, da atualização) do cadastro rústico voltou a estar atribuída a uma comissão. Ou seja, é para adiar. Voltou-se à fase dos projetos piloto, outro embuste sinónimo de adiamento.

Enquanto isso, a prossecução de uma política florestal em Portugal continua coxa. O principal público alvo dos instrumentos e das suas medidas continua por caraterizar (e aqui há que ir além do cadastro).

Mesmo na atribuição de subsídios às florestas, o desempenho fica sempre muito aquém do planeado. Sempre. Entre o planeado e o executado fisicamente, no terreno, vão diferenças abismais. Pior, não há garantias de segurança para o financiamento público concretizado.

Portugal suporta hoje o único caso de desflorestação na Europa (na apenas na União Europeia). Este, mais do que um mero falhanço interno, é uma falha grave no plano internacional, face aos compromissos que o País assumiu a este nível.

Pior, esta situação de perda de área líquida de ocupação florestal ocorre após um período de máximo apoio dos contribuintes ao setor, seja através de subsídios às florestas, seja de benefícios fiscais às industrias florestais. Maior o apoio público, pior floresta?

A atividade silvícola em Portugal confronta-se com vários problemas graves, um de rendimentos, ou de mercados, outro decorrente da falta de assistência técnica, ou melhor, de extensão, outro de não se saber quem é quem numa mancha florestal que é em mais de 90% detida por privados, maioritariamente famílias e empresas familiares, e por comunidades rurais. Vivemos de estimativas.

Curiosamente, já antes haviam sido cabimentadas verbas, fundamentalmente em fundos comunitários, para a resolução do problema do cadastro rústico. Cabimentadas foram, concretizado o objetivo é que não. Mas, as verbas tiveram destino.


Em Portugal poderemos continuar a ter por enfoque as espécies florestais na definição de medidas e de instrumentos de política. Contudo, sem ter um adequado conhecimento dos detentores das áreas florestais, sobretudo nas regiões onde estas apresentam maior risco, dificilmente conseguiremos contrariar o fenómeno de desflorestação que hoje vivenciamos. Para uma mudança, a concretização do cadastro rústico é essencial. Este objetivo não é concretizável num curto espaço de tempo, mas há que lhe dar início, todavia sem subterfúgios de comissões e projetos piloto.


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Há na Europa um único país em desflorestação

De acordo com um recente relatório publicado pela FAO, Portugal é o único país da Europa com perda líquida de área florestal. Mas, será que é só o arvoredo que Portugal tem em perda?


O relatório da FAO revela a nível internacional a situação já conhecida através do último Inventário Florestal Nacional. Não há novidade portanto no plano interno, se bem que nada de concreto tenha resultado em termos de mudança de política. Mas, no plano externo fica ferida a sustentabilidade dos recursos florestais nacionais, com os impactos comerciais que daí possam resultar.

Associada na maior parte à perda de área de pinhal bravo, resultante sobretudo da fácil propagação dos incêndios e da incontrolada proliferação de pragas e doenças, a desflorestação em Portugal decorre de um inadequado modelo de gestão florestal, o abandono, o qual tem na base um declínio acentuado no rendimento da silvicultura.

A Acréscimo tem alertado para o facto de ser impossível assegurar a sustentabilidade de floresta privada sem rendimento, e este gera-se sobretudo nos mercados. Poderá o país continuar a derramar subsídios sobre as florestas, a demonstrar até a mais nobre das preocupações sobre as catástrofes estivais que sacrificam arvoredo, animais e as populações rurais, em muitos casos involuntariamente estimulados pelos próprios subsídios. Pode inclusive, e com razão, considerar que o modelo de gestão que vigora em grande parte das áreas florestais nacionais, sobretudo nas regiões de maior risco, não é o adequado. Todavia, o essencial do problema não tem sido posto em causa: os mercados e o seu funcionamento. Importa ter em consideração que existem no sul da Europa extensas áreas de pinhal que, apesar dos inconvenientes vários da monocultura, não arde. Não arde por uma razão de base, são áreas privadas submetidas a gestão profissional. São geridas por uma razão simples, geram rendimento que permite suportar os custos dessa gestão (e até o cofinanciamento de corpos profissionais de bombeiros florestais).

Não vale a pena continuarmos a enganar-nos com PDR2020 e outros financiamentos públicos. Nunca antes, como no período 1990-2015, as florestas nacionais usufruíram de tanto apoio dos contribuintes, também nunca ardeu tanto como neste período.

Mas não é só arvoredo que o país perde. O valor económico das florestas decresceu a pique, mas com ele contraiu ainda mais o emprego no setor, para não argumentar com o impacte ambiental resultante destas perdas.

Se o Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura sobre o VAB nacional contraiu dos 1,2% em 1990 para os 0,5% em 2013 (última publicação das Contas Económicas da Silvicultura pelo INE), o emprego no setor florestal (silvicultura, indústrias florestais e serviços) era avaliado em mais de 250 mil postos de trabalho em 1993, situando-se agora abaixo dos 100 mil.

Será sustentável a atual situação das florestas e do setor florestal em Portugal?

Fonte: FAO;Global Forest Resources Assessment 2015

A mudança, se o país a quiser verdadeiramente operar, não pode excluir, como até aqui, uma intervenção oficial nos mercados (e não é através de plataformas de acompanhamento). Não será o único tópico a ter em consideração, mas é o de base num país em que mais de 90% das áreas florestais estão na posse de entidades não públicas, essencialmente famílias, empresas familiares e comunidades rurais.

A Acréscimo, na sequência da publicação do relatório da FAO, vai insistir junto do Poder e dos Partidos Políticos para a necessidade de adequar a visão para as florestas portuguesas à sua realidade no meio rural nacional e às mais valias que a mesma pode e deve aportar às gerações futuras. Para o efeito, apresentará propostas concretas para uma mudança. Assim as queira ter em conta.

A atual realidade da floresta em Portugal não é sustentável. Os decisores políticos tem evitado tomar as medidas necessárias para garantir a sustentabilidade deste importante recurso natural renovável. A intervenção junto dos mercados é a medida de base. Sem rendimento não é possível gerir, sem gestão não haverá como proteger floresta privada. No final perdemos todos (ou quase todos).