quarta-feira, 30 de março de 2016

O urgente combate à desflorestação em Portugal

Portugal, desde 1990 e de acordo com relatórios da FAO e do Eurostat, perdeu mais de ¼ de milhão de hectares de floresta. A cada ano, em termos médios, perde em floresta uma área similar à do concelho de Lisboa. O país revela a mais grave situação de desflorestação no continente europeu. Apesar disso, muitos no sector vão mantendo a aposta em estratégias de contínuo faz de conta.



O anúncio governamental de aposta na florestação a 15 mil hectares ao ano durante uma década, aos quais está historicamente associada uma posterior gestão florestal condicionada por mercados em concorrência imperfeita, ou a substituição dos proprietários florestais privados pelas autarquias, em nada ajudam à credibilidade dos governos.

Por um lado, o país nunca obteve recentemente registos de florestação a um ritmo de 15 mil hectares ao ano, nem mesmo com o financiamento pela PAC ou em áreas de floresta industrial, por motivos vários, sobretudo por condicionalismos de mercado;

Por outro, a substituição por parte das autarquias de gestores florestais sem adequada capacitação já ocorre e em Matas Nacionais. Ou seja, em áreas públicas sob a tutela do Ministério da Agricultura. Neste caso, apesar dos excelentes resultados obtidos com a cogestão autárquica, o facto é que esta operação, pela expressão territorial, fragmentação da propriedade e ausência de cadastro rústico é inviável em áreas de floresta privada sob gestão de abandono e em regiões de maior risco social, ambiental e económico.

A aposta na florestação, sem ligação com medidas e instrumentos de desenvolvimento rural sustentável, de política social rural, de economia agrária e de conservação da Natureza, pode vir a servir apenas os interesses associados à indústria do fogo.

Com efeito, este tem sido o resultado histórico da aposta no fomento florestal associado ao financiamento público ou, ultimamente mais evidente, ao associado às plantações industriais.


Embora aparentemente menos ambicioso no plano politico, o travar da desflorestação é já em si um desígnio de muito difícil concretização. Este não passa tanto pela florestação, mas pela viabilização dos atuais povoamentos florestais, mais especificamente dos associados a espécies autóctones.

Travar a desflorestação é de extrema urgência, pelos seus impactos no despovoamento, na desertificação e no aumento dos riscos associados às alterações climáticas. As florestas são essenciais para à biodiversidade, a proteção do solo, a regulação dos regimes hídricos e a qualidade da água, o emprego e para a atividade agrícola sustentável.


Em Portugal, as intervenções políticas associadas às florestas são muito suscetíveis à hipocrisia e ao populismo.

Na Acréscimo optamos por uma mudança de paradigma, com uma aposta clara na regulação dos mercados, na investigação e desenvolvimento, na criação de um serviço de extensão florestal e na abertura de novos mercados.

Num país essencialmente de floresta privada, sem negócio silvícola viável e sustentável, não é gerada receita para uma gestão profissional, as consequências são devastadoras para a Sociedade.


segunda-feira, 21 de março de 2016

DIA MUNDIAL DA FLORESTA 2016 - O que há a comemorar em Portugal?

O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo levanta vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O quarto conjunto respeita à comemoração do Dia Mundial das Florestas e da sua situação em Portugal.

O que há para comemorar a 21 de março?


os incumprimentoS à LEI DE BASES?

As suspeitas e os incumprimentos à Lei de Base da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto), aprovada há cerca de 20 anos, por unanimidade, pela Assembleia da República, são múltiplos. O poder executivo é o principal foco dessas suspeitas e dos incumprimentos.

Entre as várias situações em causa, destaca a expansão da área das plantações de eucalipto.

O aumento da área, sem o consequente aumento da produtividade, perspetiva uma violação ao disposto na Lei. Ora, sem que tenha ocorrido aumento na produtividade, talvez pelo contrário, o aumento da área de plantações de eucalipto, após a publicação da Lei, concretizou-se em quase 100 mil hectares, mais de 13% em 2010 face a 1995, segundo dados do Inventário Florestal Nacional (embora os dados oficiais apontem para 812 mil hectares de eucalipto em Portugal, documento da Semapa considerava, em 2006, essa área em 817 mil hectares).



a mais grave situação de DESFLORESTAÇÃO NA EUROPA?

Portugal perde em área de floresta, desde 1990 e em média, uma área similar à da sua capital, ou seja, perde em floresta uma cidade de Lisboa a cada ano que passa.


De acordo com os dados do mais recente Inventário Florestal Nacional, entre 1995 e 2010, a desflorestação contabiliza-se em mais de 150 mil hectares. Outra documentação oficial, publicada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, menciona uma desflorestação na ordem dos 250 mil hectares, ocorrida entre 1990 e 2015.


As causas, os efeitos e as consequências foram já apontados pela Acréscimo.


os desastrosos resultados dos APOIOS DA PAC?

Desde a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, foram anunciados para as florestas mais de mil milhões de euros de apoio público. Para o quadro 2014-2020 foram anunciados mais 540 milhões de euros.

Mas, qual tem sido o retorno desta aplicação financeira da Sociedade nas florestas em Portugal? Se avaliado este esforço em área, constata-se que nas três espécies que foram objeto de maior apoio público, a sua expressão em área no país contraiu. Dos cerca de 700 milhões de euros disponibilizados para investimento em pinheiro bravo, constata-se uma contração em área próxima dos 400 mil hectares. Só entre 1995 e 2010 são contabilizados menos 263 mil hectares de área total de pinhal bravo, menos 10 mil hectares em montado de sobro e menos 36 mil hectares em montado de azinho, estas duas últimas são espécies protegidas por lei.


As causas, os efeitos e as consequências foram já apontados pela Acréscimo.


OS CATASTRÓFICOS RISCOS ASSOCIADOS AO INVESTIMENTO NAS FLORESTAS?

Apesar de uma Lei de Bases, da existência de um emaranhado legislativo, da disponibilização de fundos públicos, o facto é que Portugal se destaca no sul da Europa e na bacia do Mediterrâneo por registos desastrosos, seja ao nível da proliferação de pragas e de doenças, seja na propagação dos incêndios.



Entre os cinco estados-membros do sul da Europa, face aos registos evidenciados por Espanha, França, Grécia e Itália, com uma superfície de apenas 6% do total, Portugal detém uma calamitosa posição cimeira no que respeita à área ardida.


A não haver mudança de paradigma, o aumento das temperaturas não augura um futuro de sustentabilidade para as florestas em Portugal.


O maior risco ocorre em investimentos nas duas principais espécies associadas à produção lenhosa, o eucalipto e o pinheiro bravo.



O funcionamento dos MERCADOS EM CONCORRÊNCIA IMPERFEITA?

O escoamento das produções nas três principais fileiras silvo-industriais, a assocada ao eucalipto, a do pinheiro bravo e a do sobreiro, está muito condicionado pela forte concentração ao nível da procura.

Por sua vez, a oferta está muito pulverizada, num país em que as florestas privadas e comunitárias representam mais de 98% da área florestal nacional.

A concentração na procura, sem regulação, tem contribuído para o declínio progressivo do rendimento silvícola, com um desastroso efeito ao nível da gestão florestal e suas consequências catastróficas no aumento dos riscos associados à atividade florestal.


Em floresta esmagadoramente privada, a ausência de negócio, por determinação unilateral de preços pela procura, permitida pelas governações, invisibiliza uma administração comercial e técnica dos espaços florestais. A opção por modelos de gestão minimalista e de abandono tem evidenciado consequências brutais na degradação progressiva do território.



A AUSÊNCIA DE sustentabilidade Nas EXPORTAÇÕES DE BASE FLORESTAL?

A ocorrência, em simultâneo, de uma situação de subaproveitamento e de sobre-exploração dos recursos florestais portugueses, apesar de renováveis, inviabiliza uma gestão sustentável.

Os elevados riscos associados ao investimento florestal, concretamente os decorrentes do funcionamento dos mercados em concorrência imperfeita, comprometem a reposição da capacidade produtiva nacional. Neste contexto, as atuais exportações comprometem o usufruto dos espaços florestais portugueses pelas futuras gerações. A perceção desta situação nos mercados externos, mais exigentes em compromissos ambientais, será uma questão de prazo.



A comemoração dos Dia Mundial da Floresta em Portugal é muito suscetível à hipocrisia.

Na Acréscimo optamos por uma mudança de paradigma, com uma aposta clara na regulação dos mercados, na investigação e na criação de um serviço de extensão florestal.

Sem rendimento silvícola, em floresta privada, não há gestão profissional, as consequências são conhecidas.


quinta-feira, 17 de março de 2016

Florestas: 20 anos de Lei de Bases. 20 anos de incumprimentos?

Na próxima segunda-feira, 21 de março, comemorar-se-á mais um Dia Mundial da Floresta. De hoje a cinco meses comemorar-se-ão 20 anos desde a publicação da Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto), diploma aprovado por unanimidade pela Assembleia da República. O que mudou desde então? Há motivos para comemorações?

Desde logo, após a publicação da Lei, Portugal tem perdido em floresta, a cada ano que passou e em média, uma área superior a 100 quilómetros quadrados. O país perde a cada ano uma área de floresta correspondente a mais de uma Lisboa. Este facto consta em relatórios da FAO (Nações Unidas) e do Eurostat (União Europeia).

O desempenho do sector nas exportações tem, contudo, assumido destaque de relevo, mas a que preço? No deve e haver, serão as exportações de base florestal portuguesas uma mais valia para as futuras gerações?

Desde 1996, a expansão da área das plantações de eucalipto, em mais de 100 mil hectares neste período, sem o equivalente aumento da produtividade, é de duvidosa legalidade face ao disposto na Lei de Bases, isto independentemente da discussão sobre o regime jurídico das ações de arborização e rearborização, o famoso RJAAR, aprovado pelo Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, que institui a “campanha” do eucalipto (já lá iremos).

A suspensão dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal, previstos na Lei de Bases, ocorre em ato contínuo, a cada dois anos que passam. Está disponível toda a informação que motivou a suspensão em 2009, por discutível que seja, mas subsiste a suspensão em 2016. Urge questionar: a quem interessa esta suspensão?

O órgão de consulta previsto na Lei de Bases tem sido sistematicamente descredibilizado. Comprovada a legalidade do ato de substituição/incorporação do Conselho Consultivo Florestal (Art.º 14.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto) no Conselho Florestal Nacional (Decreto-Lei n.º 29/2015, de 10 de fevereiro), este último não passa hoje de um “congresso” de anúncio de iniciativas governamentais.

Mais dúvidas têm sido suscitadas, mas, em resumo, no que à Lei de Bases da Política Florestal respeita, os incumprimentos parecem assumir a regra.

Face à concentração da procura, nas três principais fileiras florestais nacionais, agudizou-se na oferta a opção pela gestão florestal em modelos minimalistas e de abandono. O decréscimo do rendimento silvícola nestes últimos 20 anos e o aumento dos preços dos fatores de produção, têm inviabilizado, sobretudo em regiões de minifúndio, a opção por modelos mais ativos de gestão florestal, seja na componente comercial, e consequentemente com reflexos nas componentes técnica e social. O aumento dos riscos, seja na proliferação de pragas e de doenças, seja na propagação dos incêndios, são mera consequência. Aqui, face a outros fatores, a tendência é de agravamento futuro.

A “campanha” de expansão do eucalipto, de duvidosa legalidade face ao disposto na Lei de Bases, tem assumido destaque nos últimos anos, isto a par dos negócios oportunistas montados na proveitosa proliferação da área afetada pelo nemátodo da madeira de pinheiro bravo. A primeira baseia-se na promoção de uma oferta de risco, sendo que mais de 80% das plantações de eucalipto nacionais evidenciam uma gestão florestal deficiente ou inexistente, com o propósito de garantia futura de preços baixos de rolaria à indústria de celulose. A proteção governamental a tais estratégias tem sido uma constante, tal como o tem sido no reforço dos orçamentos de combate aos incêndios florestais. Um dois em um!


A Assembleia da República deveria debater sobre a credibilidade das suas decisões junto dos Cidadãos, concretamente no que respeita à Lei de Bases da Politica Florestal.

As comemorações de 21 deveriam por de lado a hipocrisia. O que valem efetivamente as florestas e o que vale o sector florestal nacional? As sempre anunciadas reformas têm de passar a incorporar calendarizações de fácil acompanhamento pela Cidadania e estar centradas no público alvo principal das medidas e instrumentos de política florestal.

Afinal de contas, como será comemorado o próximo 21 de março? Com criancinhas a executar ações de plantação de arvorezinhas? Quantas destas ações serão necessárias para compensar uma perda anual de floresta superior a 10.000 hectares? Na Acréscimo não alinhamos com a hipocrisia! Iremos por isso contestar futuramente sobre a sustentabilidade das exportações nacionais de base florestal.


segunda-feira, 14 de março de 2016

Quais os benefícios para Portugal dos apoios públicos às florestas?

O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo levantará vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O terceiro conjunto respeita à análise do financiamento público às florestas portuguesas no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC).


1.     Portugal tem beneficiado dos apoios públicos às suas florestas?

A Acréscimo tem colocado ao Ministério da Agricultura um conjunto de 12 questões sobre os apoios públicos, definidos no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC), às florestas portuguesas. Não obteve ainda respostas. Entende-se, elas não podem ser positivas!

Com efeito, desde 1990 foram já anunciaados para as florestas portuguesas mais de mil milhões de euros em apoios públicos. Desde essa altura, a área florestal nacional tem contraído a um ritmo médio anual de 10 mil hectares. Desde 1990, o país tem uma desflorestação anual superior à área da cidade de Lisboa (100,05 Km2).


Deste modo, apesar de ser vital para o desenvolvimento das atividades florestais em Portugal, o financiamento público, tal como tem sido atribuído, não tem correspondido, em retorno económico, ambiental e social, ao esforço financeiro desenvolvido pela Sociedade.


2.     A produção florestal portuguesa tem beneficiado dos apoios públicos?

Aparentemente, face aos montantes de centenas de milhões de euros anunciados a cada Quadro Comunitário de Apoio, tudo levaria a crer que a produção florestal portuguesa tem beneficiado dos apoios definidos no âmbito da PAC e dos Orçamentos do Estado.

Na realidade, os indicadores não o confirmam, pelo menos no que respeita às principais espécies florestais objeto desse apoio. Felizmente, embora ainda com expressão reduzida, têm existido exceções em espécies com menor expressão na área florestal nacional.

Se avaliado o benefício das ajudas públicas pelo desempenho ao nível do rendimento silvícola, o resultado desse financiamento às florestas tem sido substancialmente negativo. 


Ora, o rendimento é essencial a uma gestão florestal que garanta o retorno, legitimamente esperado pela Sociedade, dessa sua aplicação financeira nas florestas em Portugal. Sem essa gestão garantida, os riscos associados ao investimento privado e público assumem um indesejável destaque.

Infelizmente, nas principais fileiras florestais nacionais, o funcionamento dos mercados em concorrência imperfeita tem condicionado o rendimento silvícola. O impacto nas espécies que são objeto de um mais expressivo financiamento público tem, no que respeita à área que ocupam no todo nacional, sido nulo (sobreiro) ou negativo (pinheiro bravo e azinheira).



3.     Quem tem beneficiado com os apoios públicos às florestas?

Os vários programas de apoio às florestas em Portugal têm funcionado como “balões de oxigénio” a um vasto conjunto de empresas de prestação de serviços à produção florestal nacional. Ocorria em maior escala nos primeiros Quadros Comunitários de Apoio, onde as taxas de apoio eram maiores, decresceu nos mais recentes com a diminuição dessas taxas. Seria, todavia, preferível que a atividade destas empresas tivesse um contínuo assegurado, não apenas nos curtos intervalos de subsidiação à atividade silvícola, mas também e sobretudo, pelo rendimento gerado ao nível desta.

A concentração ao nível da procura tem condicionado o rendimento silvícola, estando por demonstrar se, direta ou indiretamente, não tem beneficiado dos apoios públicos destinados à oferta, mas dos quais esta última não tem estatisticamente usufruído.

Um beneficiário evidente dos apoios públicos às florestas em sido a designada “indústria do fogo”. Um investimento subsidiado por capitais públicos que tenha um rendimento condicionado pelos mercados é um foco de risco assegurado. Há quem viva desse risco!



4.     Quais os riscos associados aos apoios públicos às florestas?

O financiamento público à atividade florestal, numa situação de rendimento condicionado pelos mercados, tem tido impacto ao nível da gestão florestal. A contração dos custos na gestão, fruto da baixa expetativa de rendimento, tem levado à opção por modelos minimalistas e de abandono.

A mais fácil proliferação de pragas e de doenças, bem como o maior risco da propagação dos incêndios, são consequências de uma inadequada gestão florestal, seja no plano técnico, mas decorrente sobretudo do comercial.

Pelo histórico, torna-se claro que financiamento público, numa situação de rendimento silvícola condicionado, tem induzido um elevado risco social, ambiental e económico.



5.    Quais as medidas para garantir retorno dos apoios públicos às florestas?

Desde logo, tendo ficado claro que o futuro da atividade silvícola depende do rendimento e não de subsidiação, embora esta tenha o seu papel em determinados contextos, o funcionamento dos mercados deve suscitar o acompanhamento e a intervenção das autoridades. Esta intervenção é suscitada, quanto mais não seja, pelos impactos negativos que um deficiente funcionamento dos mercados florestais aporta à Sociedade, concretamente no que respeita ao risco de incêndios rurais.

A atribuição de apoios públicos deve ser sempre condicionada às garantias, que os seus beneficiários possam assegurar, de retorno à Sociedade desta sua aplicação financeira, seja no plano económico, seja no ambiental e no social. Aqui, são mais suscetíveis de conferir tais garantias os investimentos que tenham associado o acompanhamento técnico e comercial, em ligação estreita com a investigação, seja por exemplo no âmbito das Zonas de Intervenção Florestal ou seus desenvolvimentos, seja no âmbito de fundos de investimento imobiliário florestais ou da criação e reforço da capacidade de autoabastecimento industrial.

A qualificação dos agentes envolvidos é um outro fator a considerar na consolidação de garantias de retorno à Sociedade, pelo seu empenho na promoção ao investimento florestal. A formação profissional e a acreditação dos agentes são aspetos essenciais.

Finalmente, a avaliação das candidaturas aos apoios públicos deverá ocorrer, não apenas pela atual apresentação de propostas de investimento, mas pela análise de verdadeiros projetos de investimento, associando à componente técnica a financeira. Esta última tem sido preterida na atribuição de apoios públicos às florestas, se o fosse muitos riscos seriam evitados.


O financiamento público à floresta privada em Portugal é fundamental para o combate à desflorestação, ao despovoamento, à desertificação e aos efeitos nefastos das alterações climáticas. Por isso, urge alterar o modelo de atribuição destes apoios, bem como intervir no funcionamento dos mercados de bens e serviços de base florestal.

Não há subsídios que compensem negócios sem rendimento. Sem rendimento não há florestas privadas sustentáveis. Hoje não o são.


terça-feira, 8 de março de 2016

The Navigator Company: práticas desleais nos Estados Unidos

O Departamento de Comercio dos Estados Unidos determinou a aplicação de procedimentos anti-dumping ao grupo papeleiro Portucel Soporcel, agora The Navigator Company. Esta ocorrência, em decisão definitiva, reforça as preocupações antes manifestadas pela Acréscimo sobre os impactos desta pratica da empresa num destino primordial para as exportações nacionais, incluindo as de base florestal, e sobre a produção florestal nacional.

Em decisão definitiva, o Departamento de Comércio dos Estados Unidos confirmou a prática de dumping pela agora The Navigator Company no mercado norte americano.

A empresa é a única da Europa envolvida num processo mais vasto, que engloba ainda empresas da industria papeleira da China e da Indonésia, entre outros países.

Sendo o mercado norte americano um espaço primordial para as exportações portuguesas, incluindo as de base florestal, como as de papel, mas também as da cortiça e de mobiliário, esta prática desleal não transmite uma imagem positiva das empresas portuguesas e europeias.


O impacto das medidas corretivas que venham a ser adotadas pelas autoridades norte americanas, pode servir de motivo, pela empresa a operar em Portugal, para fazer repercutir os danos desta sua pratica na produção de rolaria de eucalipto nacional, já de si sujeita a mercados a funcionar em concorrência imperfeita. Importa, pois, que o Governo acautele eventuais danos na produção nacional, com consequências para a Sociedade, designadamente no agravamento do risco de propagação de incêndios. Afinal de contas, Portugal é hoje um país em desflorestação (perde em cada ano o equivalente à área de Lisboa). Importa não piorar a situação dos espaços florestais nacionais.


segunda-feira, 7 de março de 2016

Os eucaliptais em Portugal são seguros?

O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo levantará vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O segundo conjunto relaciona-se com a expansão das plantações de eucalipto em Portugal.


1.     A expansão das plantações de eucalipto em Portugal tem enquadramento legal?

A Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República e que este ano comemora 20 anos sob a sua publicação, define na alínea a) do Art.º 3.º que as políticas tendentes ao aumento da produção, para além da expansão da área florestal, devem contemplar o aumento da produtividade dos espaços florestais, na ótica do uso múltiplo dos recursos e da sua sustentabilidade.

Só entre 1995 e 2015, a área de eucaliptal em Portugal teve um acréscimo de quase 100 mil hectares. Portugal dispõe hoje da quarta maior área de plantações de eucalipto a nível mundial, ou seja, dispõe de uma área superior à de Espanha e só superada pela Índia, pelo Brasil e pela China. O nosso país dispõe de uma área de plantações de eucalipto superior à da própria Austrália, país de onde é originário.

Todavia, neste período de tempo a produtividade permanece a níveis muito baixos, estimada em 6 metros cúbicos por hectare e ano, isto apesar do desempenho ocorrido ao nível das técnicas de melhoramento florestal nas últimas décadas, por exemplo, de clonagem. Este facto é sinal de problemas na gestão destas plantações, na componente técnica, mas sobretudo na vertente comercial.

Assim, tudo leva a crer que a expansão da área de eucaliptal, registada após 1996, carece de enquadramento na Lei de Bases da Política Florestal. Será por isso legal?



2.     As plantações de eucalipto em Portugal são adequadamente geridas?

De acordo com o último Inventário Florestal Nacional (IFN6), publicado em 2013, Portugal dispõe de uma área de 812 mil hectares de eucaliptal, o correspondente a 26% da área florestal nacional (em todo o caso, um relatório da Semapa, de 2006, assumia esta mesma área de eucaliptal, à altura, em 817 mil hectares).

Dos 812 mil hectares de eucaliptal registados oficialmente em Portugal:
  • Cerca de 93 mil hectares são mistos com pinheiro bravo, sinal de uma deficiente gestão;
  • Outros 70 mil hectares têm um coberto inferior a 50%, sinal de baixa produtividade e de uma ineficiente ou gestão ausente;
  • Aproximadamente 400 mil hectares apresentam uma densidade inferior a 600 árvores por hectare, sinal de gestão inadequada face ao uso que têm por destino; e,
  • Por fim, 100 mil hectares com apenas eucalipto (povoamentos puros) possuem árvores com idades superiores a 12 anos, indício de má ou inexistente gestão para o uso industrial politicamente protegido.

Ou seja, mais de 600 mil hectares de eucaliptal em Portugal apresentam sinais de gestão minimalista ou de abandono.


3.     Quais os riscos da má gestão dos eucaliptais em Portugal?

Uma gestão minimalista ou de abandono das plantações de eucalipto, por falhas de natureza técnica, consequência de problemas de natureza comercial, trás enormes impactos ao nível económico, ambiental e social, desde logo pelo risco de propagação de incêndios.

Entre 2000 e 2011, segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), 43% a área ardida em floresta ocorreu em eucaliptais. O eucalipto assume assim lugar cimeiro no que toca ao risco de incêndio em floresta.


A deficiente gestão dos eucaliptais tem ainda como consequência uma mais fácil proliferação de pragas e de doenças, nalguns casos sem controlo e com “importação” de agentes biológicos exóticos para luta biológica, com consequências por apurar ao nível dos nossos ecossistemas.

Estes riscos têm maior destaque nas regiões onde predomina o minifúndio, ou seja, no Centro, no Norte e no Algarve. Curiosamente, onde existe maior pressão ao nível das arborizações e rearborizações com esta espécie lenhosa. Não é um bom sinal para a Sociedade.


4.     A quem serve o negócio silvo industrial associado às plantações de eucalipto?

Depreendendo da deficiente gestão da grande maioria dos eucaliptais nacionais, o negócio associado ao uso desta espécie está fortemente condicionado ao nível da lavoura.


Na componente silvícola deste negócio parece que nem para as empresas industriais merece interesse financeiro. Só entre 2002 e 2011, as empresas da indústria de pasta celulósica e papel abandonaram a sua presença nos eucaliptais em mais de 33 mil hectares (muito embora o responsável de uma delas tenha vindo a público, em maio de 2012, exigir mais 40 mil hectares para viabilizar um aumento da sua capacidade industrial). 


Tudo leva a crer que estas empresas optaram por uma transferência do risco para os proprietários familiares. O problema é que, face ao risco associado à deficiente gestão, a própria Sociedade será penalizada por esta estratégia industrial.

Tendo em conta:
  • A imposição pela procura, politicamente protegida, dos preços à oferta;
  • A exigência do aumento de uma oferta de risco, politicamente assegurada, associada sobretudo às arborizações e rearborizações em minifúndio, onde os proprietários têm tradicionalmente menor capacidade negocial,

Tudo aponta para uma campanha do eucalipto (por analogia com a campanha do trigo), ou seja, de uma utilização egoísta, sob proteção política, quer da lavoura, quer do território e, pelos riscos que aporta, da própria Sociedade, para benefício de acionistas (ditos industriais, mas, na realidade, semi-industriais em fuga à concorrência).


5.    Face à área já existente, como tornar seguras estas plantações?

As plantações de eucalipto localizam-se esmagadoramente em propriedade privada familiar. Geram segurança aquelas que potenciem um rendimento que permita suportar uma gestão profissional e uma subsequente melhoria da produtividade.

Os passos para a segurança destas plantações passam:
  • Por uma urgente intervenção estatal nos mercados, já que estes funcionam hoje em concorrência imperfeita, com danos graves para a Sociedade;
  • Pela disponibilização de capacidade técnica aos produtores, preferencialmente assente nas suas organizações, através de um serviço nacional de extensão florestal;
  • Pelo desenvolvimento de novos mercados para a madeira de eucalipto, promovendo a concorrência ao nível da procura; e,
  • Pelo fomento do autoabastecimento industrial, designadamente pela criação de uma taxa de reposição do coberto florestal de terceiros, a cobrar à procura, de valor acrescido para as rearborizações com eucalipto.

Esta taxa de reposição do coberto florestal de terceiros, alargada a outras fileiras, pode servir de receita para o Fundo Florestal Permanente no apoio ao associativismo florestal, concretamente para funcionamento do serviço de extensão florestal.


As plantações de eucalipto em Portugal podem servir a vários mercados, seja o papeleiro, ou da produção de celulose para a indústria têxtil, seja para a produção de biomassa para energia ou de carvão vegetal, ou, com maior valor acrescentado, na produção de madeira para a construção e para mobiliário.

O uso desta espécie não está por isso sequestrado a um único destino, embora façam crer do contrário. Agora, num país essencialmente com plantações privadas não industriais, o uso desta espécie está necessariamente vinculado ao rendimento que possa gerar, caso contrário os riscos destas plantações convertem-nas num elevado problema para a Sociedade.

Não há negócios com base no eucalipto responsáveis sem plantações sustentáveis. Hoje não o são.


terça-feira, 1 de março de 2016

A mais grave situação de desflorestação no continente europeu

O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo levantará vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O primeiro deles respeita à desflorestação.


1. Portugal é um país em desflorestação?

Entre 1990 e 2015, Portugal perdeu, em média anual, mais de 10 mil hectares de floresta, aproximadamente o equivalente, em cada ano, à área total de Lisboa.


Na esmagadora maioria a transferência de ocupação do solo ocorre para áreas de matos.

Esta situação, com tendência de agravamento, é hoje registada a nível internacional, seja pelo Eurostat, seja pelas Nações Unidas (FAO).



2. Quais os motivos para a desflorestação em Portugal?

Em Portugal, as florestas são detidas em mais de 98,4% por entidades não públicas, esmagadoramente na posse de famílias, seguidas por áreas afetas a comunidades rurais e, em decréscimo, por plantações de empresas industriais. Esta situação é ímpar a nível europeu e mundial.


Acresce ainda o facto de, em especial nas regiões do Norte, do Centro e no Algarve, as propriedades serem em elevado número e de reduzida dimensão.


Em todo o caso, o potencial produtivo das florestas em Portugal é muito superior às produtividades registadas noutros países europeus. Por outro lado, as florestas em Portugal assumem especial destaque contra o avanço da desertificação e na mitigação aos efeitos das alterações climáticas.

Contudo, sendo as florestas portuguesas essencialmente privadas, o rendimento da atividade silvícola tem vindo tendencialmente a decrescer desde 2000, a par do aumento da concentração na indústria. Desde então, os preços pagos à silvicultura não acompanharam o aumento dos preços dos fatores de produção.



3. Quais as consequências da falta de expetativas de rendimento?

O condicionamento do rendimento silvícola, fruto de mercados a funcionar em concorrência imperfeita, tem logo efeito na gestão florestal. Tendencialmente, a falta de rendimento tem provocado uma redução nos custos com a gestão das florestas, assumindo cada vez maior destaque os modelos de gestão minimalista e, cada vez mais, de abandono.

De acordo com discursos oficiais, Portugal regista hoje entre 1,5 a 2 milhões de hectares sob gestão de abandono.

Um exemplo concreto é o caso da espécie com maior expressão nos espaços florestais portugueses, o eucalipto, com uma área oficial de 813 mil hectares, a quarta maior área de plantações de eucalipto a nível mundial. No mercado da madeira de eucalipto em Portugal a procura define unilateralmente o preço de compra, facto que ocorre com a conivência do poder politico. Assim, nestas plantações, cerca de 80% está submetida a uma gestão deficiente ou inexistente, com produtividades médias anuais correspondentes a cerca de metade das registadas nas plantações geridas pelas empresas da indústria papeleira. Apesar disso, a indústria papeleira, nos últimos 10 anos, reduziu as suas áreas próprias em mais de 30 mil hectares. Este comportamento transfere os riscos da sua atividade para os produtores florestais privados, sob os quais exerce controlo de preço, e para a Sociedade.

A ausência de uma gestão florestal efetiva, seja no plano técnico, seja no comercial, tem consequências numa mais fácil proliferação de pragas e de doenças, mas, com maior impacto na sociedade portuguesa, agrava substancialmente a propagação de incêndios florestais. Neste domínio, Portugal tem assumido um mau destaque no plano europeu.


Os incêndios florestais colocam Portugal numa péssima situação a nível internacional, com forte tendência de evolução negativa. Esta tendência tende a piorar no futuro, seja pelo risco que trás ao investimento, seja pelo impacto das alterações climáticas.





4. Qual o impacto nas exportações de produtos de base florestal nacionais?

Um registo de desflorestação e uma tendência não invertida de gestão anárquica dos recursos naturais, do território e da biodiversidade, agora evidenciado a nível internacional, poderá ter fortes consequências negativas nas exportações de bens de base florestal, sobretudo junto de mercados onde são mais evidentes as preocupações ambientais dos consumidores.

Esta situação tende inclusive a ser evidenciada por concorrentes das indústrias florestais a operar em Portugal.

5. Quais as decisões a tomar para contrariar a desflorestação em Portugal?

Portugal precisa, antes de mais, de uma estratégia de desenvolvimento rural, com medidas e instrumentos que cativem as pessoas a residir e a sustentarem-se em zonas rurais. Não é possível uma aposta consolidada nas florestas portuguesas sem pessoas e outras atividades económicas que lhes permitam uma vida condigna, de acordo com os padrões europeus.

Ao nível da politica florestal, é evidente a necessidade de intervenção oficial no funcionamento dos mercados, corrigindo o atual funcionamento em concorrência imperfeita. Isto para além de uma aposta estratégica na investigação e desenvolvimento, bem como da fundamental criação de um serviço de extensão florestal.

Ao contrário do que tem acontecido até hoje, as medidas e os instrumentos de politica florestal tem de ter por público alvo os proprietários florestais privados. Nesta situação torna-se imperiosa a conclusão e a atualização do cadastro das propriedades rústicas.


Um país em que 98,4% das áreas florestais estão na posse de entidades privadas ou similares, sobretudo de famílias e comunidades rurais, tem de salvaguardar o rendimento silvícola como meio fundamental para assegurar uma gestão, técnica e comercialmente, eficiente, atenuando assim os riscos para as florestas e para a sociedade. A regulação dos mercados, uma aposta estratégica em I&D e num serviço de extensão florestal, são incontornáveis.

Não existe indústria florestal responsável sem florestas sustentáveis. Hoje não o são.