O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da
primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo
levantará vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O
primeiro deles respeita à desflorestação.
1. Portugal é um país em
desflorestação?
Entre 1990 e 2015,
Portugal perdeu, em média anual, mais de 10 mil hectares de floresta, aproximadamente o equivalente, em cada ano, à área total de Lisboa.
Na esmagadora maioria a
transferência de ocupação do solo ocorre para áreas de matos.
Esta situação, com tendência
de agravamento, é hoje registada a nível internacional, seja pelo Eurostat, seja pelas Nações Unidas (FAO).
2. Quais os motivos para a desflorestação
em Portugal?
Em Portugal, as florestas
são detidas em mais de 98,4% por entidades não públicas, esmagadoramente na
posse de famílias, seguidas por áreas afetas a comunidades rurais e, em
decréscimo, por plantações de empresas industriais. Esta situação é ímpar a
nível europeu e mundial.
Acresce ainda o facto de, em
especial nas regiões do Norte, do Centro e no Algarve, as propriedades serem em
elevado número e de reduzida dimensão.
Em todo o caso, o
potencial produtivo das florestas em Portugal é muito superior às
produtividades registadas noutros países europeus. Por outro lado, as florestas
em Portugal assumem especial destaque contra o avanço da desertificação e na
mitigação aos efeitos das alterações climáticas.
Contudo, sendo as
florestas portuguesas essencialmente privadas, o rendimento da atividade
silvícola tem vindo tendencialmente a decrescer desde 2000, a par do aumento da
concentração na indústria. Desde então, os preços pagos à silvicultura não
acompanharam o aumento dos preços dos fatores de produção.
3. Quais as consequências da
falta de expetativas de rendimento?
O condicionamento do
rendimento silvícola, fruto de mercados a funcionar em concorrência imperfeita,
tem logo efeito na gestão florestal. Tendencialmente, a falta de rendimento tem
provocado uma redução nos custos com a gestão das florestas, assumindo cada vez
maior destaque os modelos de gestão minimalista e, cada vez mais, de abandono.
De acordo com discursos
oficiais, Portugal regista hoje entre 1,5 a 2 milhões de hectares sob gestão de
abandono.
Um exemplo concreto é o
caso da espécie com maior expressão nos espaços florestais portugueses, o
eucalipto, com uma área oficial de 813 mil hectares, a quarta maior área de
plantações de eucalipto a nível mundial. No mercado da madeira de eucalipto em
Portugal a procura define unilateralmente o preço de compra, facto que ocorre
com a conivência do poder politico. Assim, nestas plantações, cerca de 80% está
submetida a uma gestão deficiente ou inexistente, com produtividades médias
anuais correspondentes a cerca de metade das registadas nas plantações geridas
pelas empresas da indústria papeleira. Apesar disso, a indústria papeleira, nos
últimos 10 anos, reduziu as suas áreas próprias em mais de 30 mil hectares. Este
comportamento transfere os riscos da sua atividade para os produtores
florestais privados, sob os quais exerce controlo de preço, e para a Sociedade.
A ausência de uma gestão
florestal efetiva, seja no plano técnico, seja no comercial, tem consequências
numa mais fácil proliferação de pragas e de doenças, mas, com maior impacto na
sociedade portuguesa, agrava substancialmente a propagação de incêndios
florestais. Neste domínio, Portugal tem assumido um mau destaque no plano
europeu.
Os incêndios florestais
colocam Portugal numa péssima situação a nível internacional,
com forte tendência de evolução negativa. Esta tendência tende
a piorar no futuro, seja pelo risco que trás ao investimento, seja pelo impacto
das alterações climáticas.
4. Qual o impacto nas exportações
de produtos de base florestal nacionais?
Um registo de
desflorestação e uma tendência não invertida de gestão anárquica dos recursos
naturais, do território e da biodiversidade, agora evidenciado a nível internacional,
poderá ter fortes consequências negativas nas exportações de bens de base
florestal, sobretudo junto de mercados onde são mais evidentes as preocupações
ambientais dos consumidores.
Esta situação tende
inclusive a ser evidenciada por concorrentes das indústrias florestais a operar
em Portugal.
5. Quais as decisões a tomar para
contrariar a desflorestação em Portugal?
Portugal precisa, antes de
mais, de uma estratégia de desenvolvimento rural, com medidas e instrumentos
que cativem as pessoas a residir e a sustentarem-se em zonas rurais. Não é
possível uma aposta consolidada nas florestas portuguesas sem pessoas e outras
atividades económicas que lhes permitam uma vida condigna, de acordo com os padrões
europeus.
Ao nível da politica
florestal, é evidente a necessidade de intervenção oficial no funcionamento dos
mercados, corrigindo o atual funcionamento em concorrência imperfeita. Isto para
além de uma aposta estratégica na investigação e desenvolvimento, bem como da
fundamental criação de um serviço de extensão florestal.
Ao contrário do que tem
acontecido até hoje, as medidas e os instrumentos de politica florestal tem de
ter por público alvo os proprietários florestais privados. Nesta situação
torna-se imperiosa a conclusão e a atualização do cadastro das propriedades rústicas.
Um país em que 98,4% das áreas florestais estão na posse de
entidades privadas ou similares, sobretudo de famílias e comunidades rurais,
tem de salvaguardar o rendimento silvícola como meio fundamental para assegurar
uma gestão, técnica e comercialmente, eficiente, atenuando assim os riscos para
as florestas e para a sociedade. A regulação dos mercados, uma aposta
estratégica em I&D e num serviço de extensão florestal, são incontornáveis.
Não existe indústria florestal responsável sem florestas
sustentáveis. Hoje não o são.
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