terça-feira, 1 de março de 2016

A mais grave situação de desflorestação no continente europeu

O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo levantará vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O primeiro deles respeita à desflorestação.


1. Portugal é um país em desflorestação?

Entre 1990 e 2015, Portugal perdeu, em média anual, mais de 10 mil hectares de floresta, aproximadamente o equivalente, em cada ano, à área total de Lisboa.


Na esmagadora maioria a transferência de ocupação do solo ocorre para áreas de matos.

Esta situação, com tendência de agravamento, é hoje registada a nível internacional, seja pelo Eurostat, seja pelas Nações Unidas (FAO).



2. Quais os motivos para a desflorestação em Portugal?

Em Portugal, as florestas são detidas em mais de 98,4% por entidades não públicas, esmagadoramente na posse de famílias, seguidas por áreas afetas a comunidades rurais e, em decréscimo, por plantações de empresas industriais. Esta situação é ímpar a nível europeu e mundial.


Acresce ainda o facto de, em especial nas regiões do Norte, do Centro e no Algarve, as propriedades serem em elevado número e de reduzida dimensão.


Em todo o caso, o potencial produtivo das florestas em Portugal é muito superior às produtividades registadas noutros países europeus. Por outro lado, as florestas em Portugal assumem especial destaque contra o avanço da desertificação e na mitigação aos efeitos das alterações climáticas.

Contudo, sendo as florestas portuguesas essencialmente privadas, o rendimento da atividade silvícola tem vindo tendencialmente a decrescer desde 2000, a par do aumento da concentração na indústria. Desde então, os preços pagos à silvicultura não acompanharam o aumento dos preços dos fatores de produção.



3. Quais as consequências da falta de expetativas de rendimento?

O condicionamento do rendimento silvícola, fruto de mercados a funcionar em concorrência imperfeita, tem logo efeito na gestão florestal. Tendencialmente, a falta de rendimento tem provocado uma redução nos custos com a gestão das florestas, assumindo cada vez maior destaque os modelos de gestão minimalista e, cada vez mais, de abandono.

De acordo com discursos oficiais, Portugal regista hoje entre 1,5 a 2 milhões de hectares sob gestão de abandono.

Um exemplo concreto é o caso da espécie com maior expressão nos espaços florestais portugueses, o eucalipto, com uma área oficial de 813 mil hectares, a quarta maior área de plantações de eucalipto a nível mundial. No mercado da madeira de eucalipto em Portugal a procura define unilateralmente o preço de compra, facto que ocorre com a conivência do poder politico. Assim, nestas plantações, cerca de 80% está submetida a uma gestão deficiente ou inexistente, com produtividades médias anuais correspondentes a cerca de metade das registadas nas plantações geridas pelas empresas da indústria papeleira. Apesar disso, a indústria papeleira, nos últimos 10 anos, reduziu as suas áreas próprias em mais de 30 mil hectares. Este comportamento transfere os riscos da sua atividade para os produtores florestais privados, sob os quais exerce controlo de preço, e para a Sociedade.

A ausência de uma gestão florestal efetiva, seja no plano técnico, seja no comercial, tem consequências numa mais fácil proliferação de pragas e de doenças, mas, com maior impacto na sociedade portuguesa, agrava substancialmente a propagação de incêndios florestais. Neste domínio, Portugal tem assumido um mau destaque no plano europeu.


Os incêndios florestais colocam Portugal numa péssima situação a nível internacional, com forte tendência de evolução negativa. Esta tendência tende a piorar no futuro, seja pelo risco que trás ao investimento, seja pelo impacto das alterações climáticas.





4. Qual o impacto nas exportações de produtos de base florestal nacionais?

Um registo de desflorestação e uma tendência não invertida de gestão anárquica dos recursos naturais, do território e da biodiversidade, agora evidenciado a nível internacional, poderá ter fortes consequências negativas nas exportações de bens de base florestal, sobretudo junto de mercados onde são mais evidentes as preocupações ambientais dos consumidores.

Esta situação tende inclusive a ser evidenciada por concorrentes das indústrias florestais a operar em Portugal.

5. Quais as decisões a tomar para contrariar a desflorestação em Portugal?

Portugal precisa, antes de mais, de uma estratégia de desenvolvimento rural, com medidas e instrumentos que cativem as pessoas a residir e a sustentarem-se em zonas rurais. Não é possível uma aposta consolidada nas florestas portuguesas sem pessoas e outras atividades económicas que lhes permitam uma vida condigna, de acordo com os padrões europeus.

Ao nível da politica florestal, é evidente a necessidade de intervenção oficial no funcionamento dos mercados, corrigindo o atual funcionamento em concorrência imperfeita. Isto para além de uma aposta estratégica na investigação e desenvolvimento, bem como da fundamental criação de um serviço de extensão florestal.

Ao contrário do que tem acontecido até hoje, as medidas e os instrumentos de politica florestal tem de ter por público alvo os proprietários florestais privados. Nesta situação torna-se imperiosa a conclusão e a atualização do cadastro das propriedades rústicas.


Um país em que 98,4% das áreas florestais estão na posse de entidades privadas ou similares, sobretudo de famílias e comunidades rurais, tem de salvaguardar o rendimento silvícola como meio fundamental para assegurar uma gestão, técnica e comercialmente, eficiente, atenuando assim os riscos para as florestas e para a sociedade. A regulação dos mercados, uma aposta estratégica em I&D e num serviço de extensão florestal, são incontornáveis.

Não existe indústria florestal responsável sem florestas sustentáveis. Hoje não o são.


Sem comentários:

Enviar um comentário