O mês de março é tradicionalmente motivo de comemoração da
primavera, das árvores e das florestas. Sobre estas últimas, a Acréscimo
levantará vários conjuntos de questões sobre a sua situação em Portugal. O
segundo conjunto relaciona-se com a expansão das plantações de eucalipto em
Portugal.
1.
A expansão das plantações de
eucalipto em Portugal tem enquadramento legal?
A Lei n.º 33/96, de 17 de
agosto, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República e que este ano
comemora 20 anos sob a sua publicação, define na alínea a) do Art.º 3.º que as
políticas tendentes ao aumento da produção, para além da expansão da área
florestal, devem contemplar o aumento da produtividade dos espaços florestais,
na ótica do uso múltiplo dos recursos e da sua sustentabilidade.
Só entre 1995 e 2015, a
área de eucaliptal em Portugal teve um acréscimo de quase 100 mil hectares. Portugal
dispõe hoje da quarta maior área de plantações de eucalipto a nível mundial, ou
seja, dispõe de uma área superior à de Espanha e só superada pela Índia, pelo
Brasil e pela China. O nosso país dispõe de uma área de plantações de eucalipto
superior à da própria Austrália, país de onde é originário.
Todavia, neste período de
tempo a produtividade permanece a níveis muito baixos, estimada em 6 metros
cúbicos por hectare e ano, isto apesar do desempenho ocorrido ao nível das
técnicas de melhoramento florestal nas últimas décadas, por exemplo, de
clonagem. Este facto é sinal de problemas na gestão destas plantações, na
componente técnica, mas sobretudo na vertente comercial.
Assim, tudo leva a crer
que a expansão da área de eucaliptal, registada após 1996, carece de
enquadramento na Lei de Bases da Política Florestal. Será por isso legal?
2.
As plantações de eucalipto em
Portugal são adequadamente geridas?
De acordo com o último
Inventário Florestal Nacional (IFN6), publicado em 2013, Portugal dispõe de uma
área de 812 mil hectares de eucaliptal, o correspondente a 26% da área
florestal nacional (em todo o caso, um relatório da Semapa, de 2006, assumia
esta mesma área de eucaliptal, à altura, em 817 mil hectares).
Dos 812 mil hectares de
eucaliptal registados oficialmente em Portugal:
- Cerca
de 93 mil hectares são mistos com pinheiro bravo, sinal de uma deficiente
gestão;
- Outros
70 mil hectares têm um coberto inferior a 50%, sinal de baixa
produtividade e de uma ineficiente ou gestão ausente;
- Aproximadamente
400 mil hectares apresentam uma densidade inferior a 600 árvores por
hectare, sinal de gestão inadequada face ao uso que têm por destino; e,
- Por
fim, 100 mil hectares com apenas eucalipto (povoamentos puros) possuem árvores
com idades superiores a 12 anos, indício de má ou inexistente gestão para
o uso industrial politicamente protegido.
Ou seja, mais de 600 mil
hectares de eucaliptal em Portugal apresentam sinais de gestão minimalista ou
de abandono.
3.
Quais os riscos da má gestão
dos eucaliptais em Portugal?
Uma gestão minimalista ou
de abandono das plantações de eucalipto, por falhas de natureza técnica, consequência
de problemas de natureza comercial, trás enormes impactos ao nível económico,
ambiental e social, desde logo pelo risco de propagação de incêndios.
Entre 2000 e 2011, segundo
dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), 43% a
área ardida em floresta ocorreu em eucaliptais. O eucalipto assume assim lugar
cimeiro no que toca ao risco de incêndio em floresta.
A deficiente gestão dos
eucaliptais tem ainda como consequência uma mais fácil proliferação de pragas e
de doenças, nalguns casos sem controlo e com “importação” de agentes biológicos
exóticos para luta biológica, com consequências por apurar ao nível dos nossos
ecossistemas.
Estes riscos têm maior
destaque nas regiões onde predomina o minifúndio, ou seja, no Centro, no Norte
e no Algarve. Curiosamente, onde existe maior pressão ao nível das arborizações
e rearborizações com esta espécie lenhosa. Não é um bom sinal para a Sociedade.
4.
A quem serve o negócio silvo
industrial associado às plantações de eucalipto?
Depreendendo da deficiente
gestão da grande maioria dos eucaliptais nacionais, o negócio associado ao uso
desta espécie está fortemente condicionado ao nível da lavoura.
Na componente silvícola
deste negócio parece que nem para as empresas industriais merece interesse
financeiro. Só entre 2002 e 2011, as empresas da indústria de pasta celulósica
e papel abandonaram a sua presença nos eucaliptais em mais de 33 mil hectares (muito
embora o responsável de uma delas tenha vindo a público, em maio de 2012,
exigir mais 40 mil hectares para viabilizar um aumento da sua capacidade
industrial).
Tudo leva a crer que estas empresas optaram por uma transferência
do risco para os proprietários familiares. O problema é que, face ao risco
associado à deficiente gestão, a própria Sociedade será penalizada por esta
estratégia industrial.
Tendo em conta:
- A imposição pela procura, politicamente protegida, dos preços à oferta;
- A exigência do aumento de uma oferta de risco, politicamente assegurada, associada sobretudo às arborizações e rearborizações em minifúndio, onde os proprietários têm tradicionalmente menor capacidade negocial,
Tudo aponta para uma campanha do eucalipto (por analogia com
a campanha do trigo), ou seja, de uma utilização egoísta, sob proteção
política, quer da lavoura, quer do território e, pelos riscos que aporta, da
própria Sociedade, para benefício de acionistas (ditos industriais, mas, na
realidade, semi-industriais em fuga à concorrência).
5.
Face à área já existente, como
tornar seguras estas plantações?
As plantações de eucalipto
localizam-se esmagadoramente em propriedade privada familiar. Geram segurança
aquelas que potenciem um rendimento que permita suportar uma gestão
profissional e uma subsequente melhoria da produtividade.
Os passos para a segurança
destas plantações passam:
- Por uma urgente intervenção estatal nos mercados, já que estes funcionam hoje em concorrência imperfeita, com danos graves para a Sociedade;
- Pela disponibilização de capacidade técnica aos produtores, preferencialmente assente nas suas organizações, através de um serviço nacional de extensão florestal;
- Pelo desenvolvimento de novos mercados para a madeira de eucalipto, promovendo a concorrência ao nível da procura; e,
- Pelo fomento do autoabastecimento industrial, designadamente pela criação de uma taxa de reposição do coberto florestal de terceiros, a cobrar à procura, de valor acrescido para as rearborizações com eucalipto.
Esta taxa de reposição do
coberto florestal de terceiros, alargada a outras fileiras, pode servir de
receita para o Fundo Florestal Permanente no apoio ao associativismo florestal,
concretamente para funcionamento do serviço de extensão florestal.
As plantações de eucalipto em Portugal podem servir a vários
mercados, seja o papeleiro, ou da produção de celulose para a indústria têxtil,
seja para a produção de biomassa para energia ou de carvão vegetal, ou, com
maior valor acrescentado, na produção de madeira para a construção e para mobiliário.
O uso desta espécie não está por isso sequestrado a um único
destino, embora façam crer do contrário. Agora, num país essencialmente com
plantações privadas não industriais, o uso desta espécie está necessariamente vinculado
ao rendimento que possa gerar, caso contrário os riscos destas plantações
convertem-nas num elevado problema para a Sociedade.
Não há negócios com base no eucalipto responsáveis sem
plantações sustentáveis. Hoje não o são.
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