terça-feira, 27 de agosto de 2013

Há interesse em atenuar o problema dos incêndios florestais em Portugal?

Os fogos em espaços rurais em Portugal são em parte Inevitáveis, tal como acontece em países vizinhos do sul da Europa. Efetivamente, no caso português, estimam-se que 5% das ocorrências decorram de causas naturais, designadamente no decurso de descargas elétricas (raios) provocadas por trovoadas.

A par das causas naturais,95% das ignições decorrem de causas associadas à ação humana, seja através do uso do fogo (p.e., queimadas, lançamento de foguetes ou de cigarros), de acidentes (p.e., junto à rede ferroviária), de causas estruturais (p.e., conflitos e atividades de defesa contra incêndios) e do incendiarismo.

Após uma ocorrência, independentemente da causa, a subsequente propagação do fogo tem uma forte componente silvícola, dependente que está das práticas de gestão dos povoamentos e do ordenamento dos espaços florestais. É neste domínio que tem especial destaque a rentabilidade expectável nestes espaços, conhecido que, na sua ausência não são executadas práticas de gestão (i.e., a aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos na administração de uma propriedade), elevando assim substancialmente o risco de mais fácil propagação do incêndio.

Em Portugal, a redução do risco de incêndio rural é matéria complexa:
  • Nas ignições especialmente por motivos sócio-culturais; e,
  • Na propagação pela evolução demográfica, pela estrutura da propriedade rústica, pela inoperacionalidade do Estado e pela ausência de razoáveis expectativas de rentabilidade em parte significativa dos solos (coincidente com as áreas de maior impacto dos incêndios).

A estratégia política para atenuar os impactos dos incêndios tem sido errática e mal enquadrada. É evidente uma maior aposta no combate do que em prevenção, com acréscimo de custos para o Estado, não só no plano orçamental, mas igualmente nos decorrentes dos impactos económicos (800 a 1000 M€/ano), sociais e ambientais (emissão de 2,4 Mton/ano de CO2 eq.). Em ambos os casos é notório o desenquadramento das medidas face à realidade rural portuguesa, do acentuado êxodo e envelhecimento da população rural, da dimensão e dispersão da propriedade rústica, da queda acentuada da economia rural, com destaque aqui para o valor económico das florestas, das práticas de concorrência imperfeita em várias fileiras silvo-industriais, da inexistência de apoio técnico e de instrumentos de transmissão do conhecimento.

Portugal registou uma acentuada perda e envelhecimento da população em determinadas áreas do território rural. Tais áreas coincidem com os registos de maiores áreas ardidas por ignição (os distritos do litoral norte, com maior densidade populacional, registam os maiores números de ocorrências e as menores áreas ardidas por ocorrência, já a região interior evidencia exatamente o oposto).
Fig. 1 - Posse das áreas florestais (fonte: FAO)

O País regista a maior percentagem, a nível mundial, de área florestal no regime de propriedade privada. Assim, cerca de 97% da área florestal nacional é pertença de centenas de milhares de famílias, de comunidades rural e também de empresas, com destaque para o setor da pasta e do papel. As propriedades são caracterizadas por baixas áreas médias e pela sua dispersão. As regiões de minifúndio registam os maiores riscos de incêndio (regiões do Centro e do Norte).


Fig. 2 - Número e dimensão das propriedades rústicas (fonte: DGCI)

Fig. 3 - Área ardida 1975 - 2008 (fonte: ICNF)

A par da evolução demográfica e da estrutura da propriedade, que se interrelacionam, associam-se aa baixas expectativas de rentabilidade dos solos nos espaços florestais e silvestres. A atividade silvícola, de acordo com dados do INE, registou um declínio progressivo. Entre 1990 e 2010, o peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura no VAB nacional recuou 67%. Em 1990 este indicador representava 1,2%, tendo decrescido em 2000 para 0,8% e atingindo em 2010 o valor de 0,4%. O peso do setor florestal no PIB (floresta e indústria florestal) registou, entre 2000 e 2010, uma queda de 40%, ou seja, de 3,0% em 2000 para 1,8% em 2010.

Fig. 4 - Peso do VAB silvicultura no VAB nacional (fonte INE, CES 2010)

Por último, urge concluir o cadastro rústico, efetivar tamb+em na silvicultura o acompanhamento dos mercados de protuso florestais, dominados que estão por oligopólios, criar um serviço de Extensão Florestal que permita o acompanhamento técnico e a transmissão dos resultados da Investigação aos proprietários florestais. A dissociação da posse e da gestão, pela criação de sistemas de gestão florestal em grupo e a organização técnica e comercial da produção são elementos fundamentais

Desta forma, é necessário um novo paradigma para atenuar as consequências dos incêndios em Portugal, assente em estratégias de desenvolvimento rural, na fixação das populações em meio rural e na geração sustentada de riqueza com impacto direto em meio rural (contrariando atuais práticas extrativistas).

Não chega só a limpeza ocasional de matos por desempregados, ou os anúncios de responsabilização coerciva dos proprietários, isto na ausência de cadastro em parte significativa do País e na inexistência quase generalizado de acompanhamento técnico. Não chegam os aviões, os helicópteros ou os carros-tanque (mais buldozers ajudariam). Será mesmo necessária uma estratégia integrada, que para além dos Serviços Florestais, da Proteção Civil e dos Bombeiros, das Forças Policiais e das Autarquias, envolva as populações rurais, os proprietários agroflorestais e suas organizações, equipas multidisciplinares de investigadores e técnicos, seguradoras e mais ainda os sapadores florestais (bombeiros). Estratégia essa preferencialmente assente na geração de negócios florestais inseridos nos princípios da Economia Verde (produção de bens e prestação de serviços), libertando os contribuintes para esforços direcionados a conservação de ecossistemas em risco e para investimentos de longo prazo com espécies autóctones.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Certificação florestal: que garantias à Sociedade?

A designada certificação florestal está associada ao reconhecimento, por uma entidade certificadora acreditada, de que um gestor ou proprietário florestal cumpre um conjunto de requisitos predefinidos e acordados, associados ao conceito de gestão florestal sustentável, estabelecidos em normativos integrados num esquema internacional de certificação específico. No caso português estão presentes os esquemas do FSC (Forest Stewarship Council) e o do PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification).

Os esquemas de certificação florestal (PEFC ou FSC) têm por objeto garantir à Sociedade que, ao reconhecerem uma gestão florestal como sustentável, os gestores ou proprietários florestais com áreas sujeitas a certificação gerem tais superfícies arbóreas de forma economicamente viável, mas também ambientalmente adequada e socialmente justa. Os bens e serviços obtidos a partir dessas áreas florestais são assim oriundos de uma administração de povoamentos florestais responsável e sustentável.


O sistema consiste assim na existência de referenciais internacionais (FSC ou PEFC), de entidades certificadoras nacionais acreditadas no seio desses referenciais, e de entidades certificadas, sejam gestores ou proprietários florestais, a nível individual, em grupo ou a nível regional, sejam estes de cariz público, comunitário ou privados, quer sejam famílias ou áreas na posse ou sob gestão da indústria.

Infelizmente, este sistema já revelou algumas deficiências de funcionamento no passado recente, culminando mesmo na suspensão dos certificados em parte muito significativa da área de floresta certificada em Portugal (em cerca de 74 mil hectares). Curiosamente, neste episódio, quando uma associação de defesa do ambiente, de âmbito nacional, constatou irregularidades legais em área florestal objeto de certificado, teve de redigir a sua exposição em Língua Inglesa para poder ver concretizada a sua reclamação.

Tendo em conta o peso económico-financeiro de algumas entidades certificadas, no caso concreto as integradas em grupos industriais de base florestal, face às entidades certificadoras, em geral pequenas e médias empresas, que garantias existem de um bom desempenho do sistema de certificação florestal para a Sociedade? Pode o cidadão comum, o destinatário último deste sistema de certificação, atestar no terreno da garantia desse bom desempenho? Se assim for, importa que entidades terceiras, sem vínculo direto ou indireto aos sistemas de certificação florestal, possam participar na organização de ações em campo, onde a Sociedade possa constatar da garantia de um funcionamento efetivo do sistema de certificação florestal em Portugal.