segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Sobre a proposta de Plano de Gestão Florestal para a Mata Nacional de Leiria

 

Na apreciação geral da proposta de Plano de Gestão Florestal (2019-2038) para a Mata Nacional de Leiria, na versão a consulta pública até 1 de fevereiro de 2022, a Acréscimo constatou um conjunto de deficiências graves.

Assim, considerando que:

1. Embora siga o modelo geral (simplificado) de elaboração deste tipo de planos, definido no Art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 16/2009, homologado pelo Despacho n.º 15183/2009 (Séria II), de 6 de junho, dificilmente se pode considerar como um plano de engenharia, por falta, entre outras, de uma componente financeira. A falta desta componente fragiliza a futura execução do plano, porquanto, não permite antever os fluxos financeiros necessários à sua execução, em particular, das necessidades previsionais em capital de investimento decorrente de receitas próprias da Mata, nem de capitais alheios, decorrentes de financiamento público, nacional ou comunitário. Na falta desta componente, o plano é pouco mais do que um conjunto de supostas boas intenções, sendo previsível um fim semelhante ao do PGF antecessor, de 2010.

2. O plano em consulta pública, embora estejamos em 2022, apresenta proposta de intervenções para anos anteriores. Algo insólito. A questão que se coloca é saber se o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., tem vindo a aprovar planos de gesto florestal, submetidos por entidades terceiras, com previsões de intervenções para anos anteriores à data da sua aprovação. Acresce que parecer haver uma incompatibilidade entre o agora previsto e o realizado em 2019, 2020 e 2021.

3. Existe um conjunto demasiado vasto de incorreções, entre desfasamentos de números entre quadros e texto até a referências bibliográficas mal inseridas.

4. Um aspeto que consideramos de significativo relevo, decorre do longo histórico de melhoramento genéticos realizado ao longo de décadas nesta Mata Nacional, que agora se desperdiça. Não é visível preocupação sobre a proveniência dos materiais de reprodução vegetativa a servir de base a ações de arborização, em concreto, no que respeita à espécie pinheiro-bravo.

5. A aposta em regeneração natural, também em pinheiro-bravo e nos talhões em que tal seja possível, afigura-se desejável, desde que sejam quantificadas, conforme inscrito no ponto 1, as necessidades financeiras estimadas para as subsequentes operações de condução cultural nesses mesmos talhões. O histórico desta aposta no decurso do incêndio de 2003 é deplorável. Com efeito, tal como registado no pós-incêndio de outubro de 2017, nos talhões onde se concretizou a aposta em regeneração natural após incêndio de 2003, ficou evidente a carência de intervenção cultural, concretamente de operação de limpeza intraespecífica.

 

        
(fotografia recolhida na Mata Nacional de Leiria, em visita técnica realizada a 22 de outubro de 2017)


6. É fundamental assegurar o bem-estar das populações que residem em povoações contíguas à Mata, nomeadamente em termos de lazer. Todavia, urge recuperar, adaptado ao momento presente, o bem-estar decorrente da oferta de emprego, pela valorização dos produtos oriundos da Mata, através de uma clara aposta na obtenção de máximo valor que tais produtos possam fazer reter na região e, em particular, no concelho da Marinha Grande. Tal passa pela reinstalação de viveiros ou pela recuperação de unidades de primeira transformação de material lenhoso. Não é visível no plano preocupação neste sentido.

Afigura-se ser urgente uma reavaliação interna do plano proposto, antes de nova consulta pública. Se já se perderam 4 anos, não será certamente por mais uns meses que não se poderá elaborar e apreciar um documento robusto técnica, científica e financeiramente, o que parece não ser o caso presente. Para o efeito, importará ter em conta as recomendações da comissão científica criada em 2018 para apoio à recuperação das Matas Nacionais do litoral, o que presentemente se afigura terem sido ignoradas na sua generalidade. Entre estas as relativas à intervenção de uma entidade independente no processo de consulta pública e a elaboração do plano de gestão florestal em parceria com entidades locais e outras.

 


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Governo avança com diploma para aumentar as áreas limite de eucalipto por concelho

Apesar dos alertas a contestar o projeto de diploma para alteração dos limites máximos de plantações de eucalipto por concelho, enunciados em carta aberta subscrita por oito organizações nacionais, o Governo fez publicar ontem em Diário da República a Portaria n.º 18/2022.

Este diploma prevê aumentos dos limites das áreas de plantações de eucalipto por concelho em 125 municípios e um incremento potencial global da área ocupada pela espécie de mais 36.701 hectares. No aumento potencial, apesar do argumento governamental de servirem para acolher projetos de compensação, previsto na Lei, podem vir a ser incluídas plantações ilegais e, entretanto, não detectadas.


Em 27 concelhos esse aumento potencial ultrapassa os 500 hectares, sendo que em Castelo Branco supera os 1.800 hectares e em Odemira o acréscimo é superior a 3.100 hectares. Estes são dois concelhos onde se perspetiva a escassez futura de água, existindo já crescente contestação à rega de eucaliptos no município do sudoeste alentejano. Já em Marvão, em que todo o município está integrado em Parque Natural, a Portaria estabelece a possibilidade de um aumento de 8 hectares. Curiosamente, o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra de São Mamede interdita a introdução de novos povoamentos de eucaliptos explorados em revoluções curtas.


Acresce que na Portaria, ao contrário do que constava em projeto, não consta a auscultação à Associação Nacional de Municípios Portugueses. Terá sido um lapso?


Há ainda a constatar a particularidade de, tal como ocorrido em fevereiro de 2011, em final de ciclo político, um Governo vir legislar sobre a alteração de limites às plantações de eucalipto. É conhecido o histórico de evolução destas plantações ocorrido desde 2011, designadamente em termos de presença na área ardida.


Face à insistência do Governo, perante o atual momento político, faz-se o desafio às diferentes forças políticas a concorrer às Eleições Legislativas de 30 de janeiro para uma tomada de posição sobre esta matéria e sobre se e como pretendem cumprir a meta nacional para as plantações de eucalipto estabelecida na Estratégia Nacional para as Florestas, de até 812 mil hectares em 2030. De acordo com o 6.º Inventário Florestal Nacional, em 2015 a área de plantações de eucalipto era de 845 mil hectares. Todavia, em relatório das Nações Unidas, para o mesmo ano (2015), essa área era apontada em 891 mil hectares, valor mais próximo do apurado pela Direção Geral do Território, na Cartografia de Ocupação e Uso dos Solos (882 mil hectares, em 2015).


As organizações signatárias,




 


CARTA ABERTA AO MINISTRO DO AMBIENTE E DA AÇÃO CLIMÁTICA CONTRA A DESTRUIÇÃO DAS ÁREAS DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA EM PORTUGAL

Portugal é o segundo Estado Membro da União Europeia que registou a maior perda relativa de áreas naturais e seminaturais entre 1992 e 2020, de acordo com dados da OCDE [1].

Nos últimos meses, o país tem assistido a verdadeiros atentados contra as áreas de conservação da natureza, protagonizados pelo Governo, autarquias e até pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.


Em causa está o aumento da pressão humana em áreas onde o objetivo principal deveria ser o da manutenção dos ecossistemas que nos permitem preservar a biodiversidade, os solos e os recursos hídricos. De facto, as paisagens naturais são transformadas, por exemplo através da instalação de extensos passadiços ou de baloiços, sem a devida avaliação dos impactos ambientais associados.  Nos tempos que correm, urge reaproximar a sociedade humana da natureza, mas as estruturas que apoiam a visitação a áreas de conservação da natureza não podem pôr em causa o seu objetivo principal - a proteção da biodiversidade e da integridade ecológica dos seus habitats. Na gestão das áreas naturais, a vertente economicista tem, em certos casos, tendido a assumir prioridade face à vertente ecológica, o que agrava o cenário de perda de áreas naturais, já muito desfavorável para Portugal no contexto europeu e internacional.


Adicionalmente, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, com recurso a financiamentos públicos, comunitários e nacionais, tem efetuado brutais operações de corte e trituração de arvoredo, com os argumentos de prevenção de fogos e de controlo de espécies exóticas invasoras. Estas operações utilizam maquinaria pesada em solos sensíveis, incluindo habitats como dunas e zonas húmidas, potenciam as emissões de dióxido de carbono, comprometem os solos e os recursos hídricos, destroem fauna e flora autóctone e acentuam o risco de incêndio. Quanto ao arvoredo autóctone abatido, face à elevada procura de madeira nos mercados, não está claro se a operação resulta na obtenção de receitas para o Estado ou para entidades privadas, situação que urge ser investigada.


O que se tem passado na Mata Nacional do Medos, Reserva Botânica que integra a Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica [2], às portas de Lisboa, é elucidativo da destruição levada a cabo pelo ICNF. Esta situação está longe de ser isolada, casos semelhantes ocorreram e ocorrem noutras áreas de conservação, como a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto [3], a Serra da Lousã [4] [5] ou o Paul do Taipal [6], em Montemor-o-Velho.


Enquanto que as diretrizes da União Europeia apontam para a necessidade de descarbonização e de conservação da natureza, a prática do Governo Português tem caminhado no sentido inverso, com altas emissões de gases poluentes, e projetos de construção que promovem o declínio da biodiversidade autóctone e o aumento de espécies invasoras, para além de acentuarem a degradação dos solos e a capacidade de armazenamento de água.


Contra a destruição do património natural nacional, protagonizado pelo Governo, as organizações signatárias apoiam a ação pública do próximo dia 8 de janeiro, promovida pelo grupo de cidadãos do Movimento em defesa da Mata dos Medos.




Foto de Zito Colaço



As organizações signatárias,


  • ACRÉSCIMO - Associação de Promoção ao Investimento Florestal

  • FAPAS - Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade

  • GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente

  • IRIS - Associação nacional de Ambiente

  • MILVOZ - Associação de Protecção e Conservação da Natureza

  • QUERCUS - Associação Nacional de Conservação da Natureza


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Referências


[1] OECD (2020), "Land resources: Land cover change in countries and regions", OECD Environment Statistics (database) using data from the European Space Agency CCI-Land Cover project.


[2] Expresso: “Impacto brutal”: associaç~ºoesm ambientalistas denunciam intervenção do Instituto de Conservação da Natureza na Mata dos Medos, em Almada” - 07/12/2021

https://expresso.pt/sociedade/2021-12-07-Impacto-brutal-associacoes-ambientalistas-denunciam-intervencao-do-Instituto-de-Conservacao-da-Natureza-na-Mata-dos-Medos-em-Almada-892ded25


[3] FAPAS - Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade: “Nota sobre a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, para memória futura” - 08/11/2021

https://drive.google.com/file/d/12UZTtJ0UnEZcDsllANNjo_TfHnqBuSM-/view?usp=sharing


[4] Público: “Cortes rasos de árvores na Serra da Lousã motiva queixa às autoridades” - 10/11/2021

https://www.publico.pt/2021/11/10/local/noticia/cortes-rasos-arvores-serra-lousa-motivam-queixas-autoridades-1984481


[5] Público: “Associações da Lousã travam cortes de árvores com acção popular” - 17/11/2021

https://www.publico.pt/2021/11/17/local/noticia/associacoes-lousa-travam-cortes-arvores-accao-popular-1985387


[6] Público: “No Mondego, está em construção um passadiço que passa por um refúgio de aves” – 03/12/2021

https://www.publico.pt/2021/12/09/local/noticia/baixo-mondego-construcao-passadico-passa-refugio-aves-1987818