quarta-feira, 8 de maio de 2013

O paradigma das florestas em Portugal: sem negócio, não há gestão nem proteção das florestas.


Na última década, o rendimento empresarial líquido (REL) na silvicultura (produção florestal), de acordo com as estatísticas do INE (CES, 2010P), decresceu mais de 250 milhões de euros. Nos últimos 20 anos, o peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura no VAB nacional decresceu de 1,2% em 1990, para 0,8% em 2000 e 0,4% em 2010 (provisório). O peso d o setor no Produto Interno Bruto desvalorizou de 3,0% em 2000 para 1,8% em 2010.

No início dos anos 90, numa aula de mestrado em Economia Agrária, no Instituto Superior de Agronomia, o Prof. Eugénio Castro Caldas fez uma breve referência à gestão das florestas, alertando que a sua alegada ausência não era mais do que uma adaptação das práticas silvícolas e comerciais à inexistência de expectativas de negócio.

Em Portugal, numa situação ímpar a nível mundial, mais de 90% dos espaços florestais estão na posse de centenas de milhares de proprietários privados.

Durante décadas o discurso oficial tem associado o principal problema dos espaços florestais em Portugal à alegada ausência da sua gestão. Facilmente é reconhecido que a jusante e em resultado dessa “ausência” advém uma mais fácil propagação dos incêndios florestais, flagelo que tem tido impactos catastróficos aos níveis social, ambiental e económico, bem como uma mais fácil proliferação de pragas e de doenças (casos do pinhal bravo e montado de sobro).

O discurso tradicional tem sido recorrente entre florestais e políticos, todavia enferma da simplicidade de uma visão meramente tecnocrática: ambos associam as florestas apenas às árvores e não às pessoas que as detêm. Será essa uma das justificativas para o sistemático adiamento da conclusão do cadastro rústico, ou mesmo de um parcelário florestal? Conhecidas minimamente as árvores, através do Inventário Florestal Nacional, quem são os donos dos espaços que estas ocupam em parte significativa do território (mais de 1/3)? Quem são aqueles que têm efetivamente a responsabilidade de aplicar métodos comerciais e princípios técnicos florestais na administração desses espaços (conceito de gestão florestal de 1958 da Society of American Foresters)? Mais ainda em espaços de produção lenhosa, associados ao regime de minifúndio, onde são mais evidentes os efeitos dos incêndios florestais. Quais são as expectativas destes proprietários rústicos e quais os mecanismos mais adequados de intervenção em termos de política setorial? Neste domínio, o País tem andado “às cegas”.


O discurso tradicional tem de ser ajustado também a montante: só é possível concretizar uma gestão florestal ativa, hoje necessariamente sustentável, se existir rentabilidade no uso dos solos ocupados por florestal, ou seja, se houver perspetivas para o negócio florestal, negócio esse enquadrado pelos princípios que suportam a Economia Verde, à qual as florestas dão aliás a cor, pela adoção de métodos comerciais condizentes com as melhores técnicas conhecidas, suportadas por adequados instrumentos de formação de preços na produção. Ora, hoje isso não acontece: a silvicultura evidencia um declínio progressivo, a par de um negócio florescente, em valor, para certos setores da indústria florestal, a de menor peso económico e social (por muitas certificações ambientais que possam evidenciar).

Mas, será este um assunto que deverá merecer mais atenção por parte da Sociedade?

A par da importância económica das várias fileiras florestais, sempre presente nos discursos, do relevo ambiental e social das florestas para o País, os encargos suportados pela Sociedade decorrentes da ausência de expectativas de negócio nas florestas, sobretudo em minifúndio, têm sido elevadíssimos. Atente-se aos números. De acordo com a estimativa “simplificada” do Manifesto Pela Floresta Contra a Crise (Expresso, Economia, ed. 10/11/2012), que reúne como subscritores um ex-Presidente da República, ex-ministros e ex-secretários de Estado, de diferentes quadrantes políticos, o prejuízo anual decorrente dos incêndios florestais, que só serão atenuados por mecanismos de defesa associados à redução do risco do negócio florestal, é superior a mil milhões de euros. Por outro lado, a Plataforma para o Crescimento Sustentável, no seu Relatório para o Crescimento Sustentável: uma visão pós-troika, publicado em dezembro de 2012, alerta para o facto de, só na última década (pág. 122), terem sido emitidas mais de 2,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2 eq.), desperdiçando-se mais do que o equivalente a 5,7 milhões de barris de petróleo (estudos científicos desenvolvidos pelo ISA/UTL e pela UTAD estimam valores de emissões 10 vezes superiores aos apontados no Relatório).

Mais apoio ao fomento florestal, em novas arborizações ou rearborizações, com eucalipto ou quaisquer outras espécies, descorando o estímulo ao negócio silvícola, ou seja não criando mecanismos credíveis para o apoio técnico e de mercado à produção florestal, pode perspetivar uma ajuda no curto prazo à indústria, mas não será mais do que lançar mais achas para a fogueira, ou melhor, queimar mais dinheiro público.

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