A Acréscimo pronunciou-se recentemente
quanto à avaliação, na generalidade, do pacote legislativo
que o governo anunciou como a “grande reforma de floresta”. Em tempo, suscitou
sérias dúvidas quanto à credibilidade deste pacote no combate à
desflorestação em curso no país, com uma perda média anual equivalente à área
de Lisboa, desde 1990.
Na apreciação
na especialidade do pacote legislativo que compõe a “reforma” constaram-se cinco
curiosidades:
- No sistema de defesa das florestas contra os incêndios, a “reforma” propõe a quinta alteração (ler 5.ª) a um diploma de 2006, ou seja, que não perfez sequer 10 anos de vigência, mas registou já quatro alterações. Talvez o facto explique a fiabilidade da estrutura nacional em matéria de defesa das florestas contra os incêndios. As estatísticas são elucidativas.
- Portugal, a nível europeu e mundial, regista das menores percentagens de área de florestas na posse publica, menos de 2% da área florestal nacional. O país evidencia uma elevada carência ao nível da investigação e da demonstração, com índices de produtividade muito baixas face ao potencial, seja na produção lenhosa ou de cortiça. Todavia, o Estado, por opção governamental, através da “reforma”, pretende reduzir ainda mais esse valor percentual. Com o banco de terras e o fundo de mobilização de terras, o governo pretende englobar num pacote as áreas do Estado (sob o seu domínio e de entidades públicas), para efeitos de transferência de responsabilidades de gestão. Para o efeito pretende criar mais um fundo, talvez para acrescer à falta de transparência da gestão dos já existentes.
- No regime jurídico das ações de arborização e de rearborização, intitulado no programa do governo de “lei que liberaliza a plantação de eucalipto”, em referência ao Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, o mesmo comprometeu-se no Parlamento com a sua revogação e criação de um novo regime jurídico, supostamente tendo em vista o aumento da produção e da produtividade do pinhal bravo e dos montados de sobro e de azinho. A “reforma” expressa, contudo, uma mera primeira alteração ao diploma de 2013. Acresce que, tal como o diploma de 2013, as decisões de autorização de (re)arborizações continuam isentas de análises financeira e de risco, ou seja, são aprovadas/autorizadas arborizações e rearborizações sem que esteja assegurada a viabilidade futura da sua gestão técnica e comercial. Mais um convite a incêndios no futuro?
- Nas sociedades de gestão florestal, para usufruírem de apoios públicos, sejam de âmbito nacional ou comunitário, fica a dúvida se terão o estatuto de micro, pequenas e médias empresas, e se, no âmbito da legislação comunitária vigente, estão submetidas aos conceitos de entidades autónomas, parceiras e associadas. Ou seja, como acontece nas zonas de intervenção florestal, um conceito nebuloso neste domínio, podem as grandes empresas industriais transferir as suas responsabilidades de gestão para efeitos de usufruto de fundos públicos de apoio às florestas, designadamente no âmbito do PDR2020?
- Não deixa de ser curioso constatar que, na proposta de terceira alteração (3.ª) ao diploma de 2009, referente ao regime jurídico dos planos de ordenamento, de gestão e de intervenção de âmbito florestal, surja um conceito de plano de gestão florestal (PGF) distinto do definido na Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, a Lei de Bases da Política Florestal. Esta alteração à Lei, aprovada por unanimidade no Parlamento, por um decreto governamental deve ser visto como um exercício de criatividade jurídica governamental, ou como uma menorização da Assembleia da República?
A Acréscimo
suscita ainda as maiores dúvidas quanto às centrais
de valorização de resíduos de biomassa florestal residual, seja do
ponto de vista de manutenção do fundo de fertilidade dos solos, seja no que
respeita ao combate à desflorestação, ou no impacto sobre o Orçamento,
designadamente pelo recurso a financiamento público para custear parte ou a
totalidade dos encargos com a concentração, extração e transporte dos resíduos
de biomassa florestal residual, sobretudo os decorrentes de operações de
silvicultura (limpezas intra e interespecíficas, desramações e desbaste sem
valor comercial).
Em conclusão, a atual “grande reforma da floresta”, para além de ser
classificada como a “gaffe de verão” de 2016, não tem consistência suficiente
para poder ser levada a sério. Importa, contudo, estar atento ao que a pode de
facto motivar.
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