Durante o passado período estival foi dado enfase, por comentadores
generalistas, às “virtudes” da gestão florestal das empresas de celulose, em
particular da Portucel.
O Decreto-lei n.º 276/2009, de 2 de outubro, estabelece o regime de
utilização de lamas de depuração em solos agrícolas, transpondo para a ordem
jurídica interna a Diretiva n.º 86/27/CEE, do Conselho, de 12 de junho, de
forma a evitar efeitos nocivos para o homem, para a água, para os solos, para a
vegetação e para os ani/mais, promovendo a sua correta utilização. Este diploma
veio revogar o Decreto-Lei n.º 118/2006, de 21 de junho.
A indústria de pasta e papel, no decurso da sua atividade, é responsável
pela produção de uma grande quantidade de resíduos (estimados em cerca de 48
toneladas por cada 100 toneladas de pasta produzida), quer inorgânicos (cinzas,
dregs e grits), quer orgânicos (lamas) e ainda outros
subprodutos. A deposição em aterro sanitário ou a sua incineração constituem os
métodos mais utilizados de tratamento destes resíduos, muito embora apresentem
elevados custos socioeconómicos e ambientais.
A valorização agronómica de lamas celulósicas surge como um método
alternativo de escoamento destes resíduos industriais. Todavia, a aplicação destas
lamas em solos agroflorestais só deve ser efetuada após um estudo pormenorizado
da sua qualidade e quantidade e depois de uma adequada caracterização da área
destinada à sua aplicação. O diploma legal que regula a utilização destas lamas
assim o impõe, designadamente pela obrigatoriedade de realização de análises frequentes
quer às lamas (ou mistura de lamas), quer aos solos e à água dos locais onde
estas vão ser espalhadas e incorporadas.
A legislação aplicável impõe limites máximos às concentrações nestas lamas quer
de metais pesados, quer de compostos orgânicos e dioxinas, e de micro-organismos.
A legislação determina ainda os casos de proibição de aplicação destas
lamas, entre outros, injetar lamas nos solos sem valorização agronómica,
enterrar lamas nos solos (que não em aterro), aplicar nas proximidades de
linhas de água e sua captação, ou em situações climatéricas adversas (entre
novembro e janeiro, salvo justificação).
As lamas celulósicas devem ser espalhadas e incorporadas nos solos no prazo
de 48 horas, utilizando para o efeito uma alfaia apropriada, no sentido de
garantir, no mínimo, uma mobilização superficial do solo.
O produtor das lamas, mesmo que a sua valorização agronómica ocorra em
terrenos de terceiros, será sempre corresponsável por eventuais efeitos nocivos
da sua aplicação nos solos ou em qualquer outro lugar.
Com um crescimento anual estimado em 25% para o setor papeleiro, a produção
de lamas é projetada para um aumento entre 48 e 86%.
Desta forma, surgem sérias preocupações quanto ao cumprimento dos
requisitos legais à aplicação de lamas em solos florestais, em especial no que
respeita aos normativos para uma gestão florestal sustentável, sendo que a
Portucel dispõe de cerca de 122 mil hectares de floresta certificada.
Espalhamento de lamas celulósicas em eucaliptal, nas linhas e sem incorporação.
Ou seja, até que ponto um procedimento de fertilização orgânica de solos
agroflorestais não está condicionado pela crescente necessidade de escoamento
de resíduos industriais, com os correspondentes efeitos nocivos sobretudo para
as populações e habitats rurais? Poderá ser dada como garantida a
“virtuosidade” da gestão florestal certificada nas áreas geridas pela Portucel?
Pela Acréscimo, foi já sugerida a abertura destas áreas florestais à visitação
pelos interessados.
Sem comentários:
Enviar um comentário