No comunicado emitido no passado dia 26 de
outubro, relativo ao Relatório da Comissão Técnica Independente aos incêndios
de Pedrógão Grande e Góis, a Associação da Indústria Papeleira (Celpa) veio
aproveitar para procura ilibar o peso desta indústria na problemática dos incêndios
rurais em Portugal. Convém, todavia, relembrar alguns aspetos fundamentais
nesta problemática.
É unanimemente
aceite que o problema dos incêndios rurais em Portugal é potenciado pelo
desordenamento do Território e pela deficiente gestão da esmagadora maioria dos
povoamentos de produção lenhosa. Todavia, é imperioso ir mais além, às causas
desse desordenamento e de uma gestão de abandono.
Em concreto, há que questionar, para além das
posições cimeiras em termos de poluição atmosférica e de contaminação do meio
aquático em Portugal, qual o contributo da indústria papeleira para o
desordenamento do Território e a má gestão das plantações de eucalipto no nosso
país.
No caso do desordenamento, a aposta da indústria
papeleira numa estratégia de crescimento em quantidade de área, não na
qualidade unitária das plantações de eucalipto, é um indicador de que o
discurso não assenta com a prática.
Importa averiguar
os motivos associados ás pressões exercidas sobre as várias governações para a
expansão em área das plantações de eucalipto. De que forma essa pressão não tem
contribuído para diminuir a presença fiscalizadora do Estado no Território, bem
como para a produção legislativa a contento. Neste último caso, há que
relembrar todo o processo inerente à aprovação da “lei que liberaliza as
plantações de eucalipto” (o Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho,
continuado, no que de pior tem para o desordenamento, pela Lei n.º
77/2017, de 17 de agosto).
Não servirá esta estratégia da indústria
papeleira, sobretudo, para garantir a perpetuação de preços baixos na aquisição
de rolaria de eucalipto, face a uma crescente oferta, muito pulverizada e sem
poder negocial?
A nossa
preocupação não e tanto com a oferta, mas com os impactos ambientais, económicos
e, sobretudo, sociais dessa estratégia. Essas consequências têm sido
dramaticamente potenciadas em 2017.
No caso da gestão de abandono, que atinge cerca de
80% das plantações de eucalipto, para além dos discursos, qual tem sido o papel
efetivo da indústria papeleira?
Não é a procura,
fortemente concentrada, quem impõe unilateralmente os preços à oferta,
perigosamente pulverizada?
Não será este um
caso de funcionamento dos mercados em concorrência imperfeita, dominados por um
duopólio?
Se o preço unitário
pago à oferta nacional fosse o mesmo que é pago pela madeira de importação, será
que cerca de 80% das plantações de eucalipto estariam sobre uma gestão de
abandono? Se na determinação do preço imposto à oferta estivessem refletidos os
custos similares aos que a indústria papeleira assume nas suas próprias plantações,
será que cerca de 80% das plantações de eucalipto estariam sobre uma gestão de
abandono?
Quanto ao papel
das espécies, a menção no comunicado ao início do incêndio de Pedrógão Grande
chega a ser hilariante. Tendo em conta factos que, na sequência dos vários
relatórios e posições, designadamente da EDP Distribuição, ainda estão por
acertar, há algo que estatisticamente já não merece discussão. Ao contrário do
que acontece com as galerias ripícolas, o potencial das plantações de eucalipto
na problemática dos incêndios rurais em Portugal tem-se manifestado em perigoso
crescimento.
Afinal de
contas, qual a foi distribuição da área ardida por espécies no grande incêndio
de Pedrógão Grande?
Quando um sector é
incapaz de se autorregular, quer em termos de equilíbrio na distribuição da
riqueza ao longo da cadeia produtiva, quer em termos de ocupação do Território,
colocando pessoas e bens em risco, talvez não reste à Sociedade mais do que lhe
impor regras, incluindo a proibição da sua expansão e a obrigatoriedade da sua contração
ou deslocalização.
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