segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O autoabastecimento industrial no contexto dos incêndios florestais

Tem sido notório o reconhecimento institucional e mediático sobre a maior resiliência das áreas florestais na posse de grupos indústrias aos incêndios florestais.

Importa, todavia, ter em conta que não estão disponíveis dados públicos que permitam contextualizar tal reconhecimento no plano estatístico, designadamente a área ardida por tipo de proprietário rural. Parte-se do princípio que, tal reconhecimento, tem por base informação privilegiada.

À partida, não é difícil reconhecer que a posse de explorações de dimensão mais adequadas ao negócio silvícola, como acontece com os 150 mil hectares na posse das empresas da indústria papeleira, permitem economias de escala, logo maior suporte financeiro para a concretização de uma gestão florestal profissional e sustentável, tendo ainda em conta que o preço à oferta é estabelecido unilateralmente pela própria procura, aliás como acontece, em maior ou menor grau, noutras fileiras florestais.

Não é também difícil constatar que a uma maior possibilidade de rendimento, pode corresponder uma melhor gestão e, consequentemente, uma maior contenção dos riscos, sejam eles abióticos, bióticos ou de mercado.

Outras vantagens de uma gestão em escala passam pela possibilidade de contratação de seguros florestais, pela criação e manutenção de emprego de quadros técnicos especializados e, potencialmente, pela criação e consolidação de emprego de cariz rural.

Assim sendo, e tendo como agravante, no que à industria papeleira respeita, mas mais ainda noutras fileiras, como a da madeira de pinho, uma crescente disparidade entre a disponibilidade da oferta e uma procura que cresceu e foi licenciada sem ter em conta uma racional e sustentável disponibilidade de bens de base florestal, facilmente se conclui que o caminho para uma melhor gestão do território, designadamente pela contenção de riscos económicos, sociais e, potencialmente, ambientais, decorrentes dos incêndios florestais, passa por impor a criação e o reforço da capacidade de autoabastecimento por parte da indústria florestal.

Apesar das vantagens da criação e do reforço da capacidade de autoabastecimento industrial, como a menor dependência de uma oferta excessivamente pulverizada, alegadamente incapaz de dar resposta, seja em quantidade, seja em qualidade, às necessidades de uma procura exportadora, o facto é que, existem segmentos de fileiras florestais com uma capacidade de autoabastecimento nula, ou, onde essa capacidade já teve expressão na ordem dos 50%. Neste último caso, a mesma tem decrescido significativamente com tendência para se anular. Como exemplos, no primeiro caso tem-se a indústria de aglomerados e no segundo a indústria papeleira, que, segundo dados estatísticos da associação representativa, só numa década reduziu essa capacidade em cerca de 50 mil hectares. Recorda-se que, no passado recente, uma empresa deste sector, ainda com forte presença de capitais suecos, chegou a possuir 50% de capacidade de autoabastecimento. Seria este último facto decorrente da responsabilidade empresarial dos principais acionistas à época?

O que ressalta aos olhos da sociedade, a cada período estival, é a consequência de uma disfunção entre um crescente abandono dos espaços florestais nacionais, incluindo das plantações de eucalipto, e uma crescente capacidade exportadora das indústrias de bens de base florestal.

Tendo ainda presente o modelo de funcionamento dos mercados, nos principais bens de base florestal, designadamente na produção de madeira para trituração, onde o preço à procura é definido unilateralmente pela procura, os riscos daí decorrentes seriam mitigados com uma maior presença da procura na sua capacidade de autoabastecimento.


Pelo exposto, a Acréscimo exorta o Parlamento e o Governo a legislarem no sentido de ser estabelecida uma imposição legal ao licenciamento de unidades fabris de transformação primária de bens de base florestal de uma capacidade de autoabastecimento de 50%. Tal exigência seria prévia à entrada em funcionamento de novas unidades, criando-se para as já em funcionamento um prazo até ao final de 2020 e definindo-se apoios à sua concretização no âmbito do Portugal 2020.

Se de facto, quer o Parlamento, quer o Governo estão empenhados em atenuar o ciclo estival de incêndios, um incontido despovoamento, uma descontrolada desflorestação e o avanço da desertificação, têm de ser capazes de tomar medidas que cortem com os vícios que alimentam estes indesejáveis fenómenos. Até ao momento, tal não tem acontecido, muito pelo contrário. Há, pois, que dar substância ao reconhecimento institucional e mediático sobre a maior resiliência das áreas florestais na posse de grupos indústrias aos incêndios florestais


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