1.
O negócio privado da certificação florestal
parte do pressuposto de que os consumidores, entre dois produtos de base
florestal e para o mesmo fim, optam pelo produto certificado, apesar do seu
preço ser superior ao concorrente. Essa opção de consumo tem por base uma
garantia de que o produto certificado é proveniente de uma área florestal
sujeita a uma gestão sustentável. Ou seja, onde para além do cumprimento das
obrigações legais inerentes à atividade florestal, os proprietários florestais
assumem ainda, voluntariamente, o cumprimento de requisitos acessórios
inerentes às vertentes ambiental e social da produção florestal.
Não se trata de uma certificação de produto,
mas de uma certificação de sistema, abrangendo toda a cadeia de produção, desde
a floresta até ao produto para consumo final, seja um artigo de mobiliário, uma
resma de papel ou uma rolha de cortiça.
Os sistemas de certificação florestal
assentam em parcerias entre entidades privadas, que se autorregulam, tendo por
objeto o desenvolvimento de procedimentos para uma comprovação da gestão
florestal sustentável, seja ao nível da elaboração de documentos normativos,
seja na consultoria à implementação desses requisitos, seja na sua auditoria.
Os sistemas partem do princípio de que os
bens objeto de certificado são valorizados pelos mercados. O diferencial de
preço de um produto objeto de certificação será repercutido ao longo de toda a
cadeia produtiva, no distribuidor, na indústria e, finalmente, no produtor
florestal. Este é o modelo anunciado para o suporte financeiro do negócio da
certificação florestal.
2.
Existem outros meios para a comprovação de
uma adequada gestão das áreas florestais portuguesas? Evidentemente, desde logo
os decorrentes das medidas e dos instrumentos de política florestal do Estado,
vertidas na Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto.
Curiosamente, a Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República tem a
sua regulamentação por concluir há quase 18 anos.
Outro meio de comprovação de uma adequada
gestão florestal, seja em propriedade sob o domínio público, mas também nas
propriedades privadas, decorre do cumprimento da missão e das atribuições da
autoridade florestal nacional, atualmente protagonizada pelo Instituto de
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Um outro modelo de comprovação de uma gestão
ativa, profissional e sustentável em propriedade florestal privada decorre da
atividade das organizações de produtores florestais, no âmbito dos serviços de
natureza técnica e comercial que devem prestar aos seus associados, atividade
essa há vários anos apoiada por fundos públicos.
Em termos gerais, todos nós devemos apostar
na viabilidade técnica e comercial de uma gestão florestal que se quer ativa,
profissional e sustentável. A Sociedade só ganha. Assim se justifica o seu
esforço no apoio à produção e à proteção das florestas, bem como no
desenvolvimento das organizações de produtores florestais (OPF) ou na criação e
funcionamento das zonas de intervenção florestal (ZIF).
O governo, pelas obrigações que lhe competem,
deveria ser o primeiro a promover as condições necessárias para o salutar
funcionamento dos mercados, condições essas que permitam gerar a sustentação
económica, a sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social na
atividade silvícola. Assim não tem acontecido. A sua ação tem sido a de
proteger negócios financeiros de grupos industriais.
Deveria ainda o governo criar os mecanismos
que permitam reforçar o apoio técnico e também no comercial, aos proprietários florestais
nacionais e às suas organizações, sabendo que na sua esmagadora maioria estes
são detidos por famílias. Aqui não bastam os apoios públicos anunciados até
2020, há que criar e dar estabilidade (pós-2020) a um serviço de extensão
florestal, que ligue a investigação aplicada aos produtores florestais.
Mais, compete ao governo fiscalizar, em
especial no que respeita aos apoios públicos que tem conferido e conferirá ao
investimento de privados nas florestas, se os compromissos subsequentes, quanto
a uma gestão ativa, profissional e sustentável de tais investimentos, são
garantidos ao longo de todo o ciclo produtivo florestal (da florestação á
colheita).
3.
Apesar do seu carater privado, autorregulado
e com sustentação financeira assente no mercado, bem como de existirem já
compromissos públicos no financiamento a modelos alternativos de comprovação de
uma gestão florestal ativa, profissional e sustentável, designadamente pelo
apoio às OPF e às ZIF, o novo Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), a
vigora entre 2014 e 2020, apresenta um pacote “3 em 1” para apoio público ao
negócio privado da certificação florestal.
Através do PDR 2020, o governo pretende (1) priorizar
o apoio a investimentos em áreas de floresta certificada (na sua maioria
associada a eucaliptal e grande parte sob administração da indústria florestal),
(2) majorar os apoios públicos, pelo reforço das taxas nos subsídios não
reembolsáveis a atribuir, e (3) financiar as entidades ligadas à implementação
do sistema de certificação florestal e à sua auditoria.
É certo que o negócio da certificação
florestal tem tido uma baixa procura por parte da produção florestal nacional.
Assim, se a opção voluntária pela certificação
florestal tem tido pouca procura por parte dos proprietários florestais
privados, face aos desequilíbrios do mercado na remuneração desta opção ao
longo da cadeia produtiva, favorável à indústria, o governo português pretende
subverter o sistema, incluindo nele o suporte dos contribuintes ao negócio da
certificação. Ficam garantidos pelos consumidores os ganhos à indústria, bem
como salvaguardados os encargos dos proprietários florestais no recurso à
certificação florestal, não pela cota parte que deveriam obter dos
consumidores, mas pelo suporte financeiros dos contribuintes, através do apoio
específico constante no PDR 2020..
Assim,
as entidades privadas, nacionais e estrangeiras, associadas ao negócio da
certificação florestal, veem garantida a sua viabilidade. Viabilidade que se
deveria suster apenas pelo funcionamento dos mercados, não pela realização de
despesa pública. Estão assim salvaguardados, pelos contribuintes, os negócios associados
ao FSC (Forest Stewardship Council) e ao PEFC (Programme for the
Endorsement of Forest Certification), reconhecidos em Portugal pelo ICNF.
Mas, será este negócio privado credível?
Importa averiguar diretamente.
A
Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal, manifesta-se assim
contrária ao financiamento público de um serviço de cariz privado que se deverá
suster exclusivamente no mercado.
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