terça-feira, 3 de junho de 2014

A Estratégia Nacional para as Florestas: um embuste?

O Governo prepara-se para anunciar a atualização da Estratégia Nacional para as Florestal (ENF), com a sua primeira versão aprovada por Resolução de Conselho de Ministro de setembro de 2006 (RCM n.º 114/2006, de 15/09).

Uma estratégia nacional pressupõe a elaboração de um diagnóstico no momento presente, a definição de uma visão para o futuro e os princípios para ação, com vista a atingir os objetivos pretendidos. Todavia, o diagnóstico utilizado na presente atualização assenta em 2006, não se identifica uma visão, nem consistentes princípios para a ação.

Uma estratégia nacional para as florestas não deve, não pode ser desinserida de um contexto mais amplo, de Desenvolvimento Rural, de Ordenamento do Território, de uma política ambiental e económica. Ora, a atualização que o governo agora apresenta carece em absoluto desta fundamental integração.

Pior, para a sua prossecução há que afetar fluxos financeiros. Inicialmente prevista a conclusão do processo de atualização da ENF para finais de 2013, a tempo da reparação do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2014/2020, verifica-se contudo que o processo está atrasado meio ano e que o PDR foi entretanto elaborado e submetido à aprovação pela Comissão Europeia. Ou seja, não existem garantias de compatibilidade entre as necessidades financeiras da ENF e os apoios comunitários que vierem a ser aprovados no âmbito do PDR 2014/2020.

Temos pois que a atualização da ENF, tal como na versão em vigor se carateriza por uma inconsistência financeira. Foram definidos objetivos, indicadores e metas, mas não estão definidos os respetivos planos de investimento, nem de financiamento.

Embora considerada historicamente fatal, a inconsistência financeira não está isolada. A proposta do Governo carateriza-se igualmente por fatais inconsistências de natureza política, estrutural e estratégica.

No plano político, a atualização da ENF, como aliás na versão inicial, não supre a necessidade, reconhecida historicamente, de aproximar os ciclos políticos, de curto prazo, aos ciclos florestais, estes últimos de médio e longo prazo.

No plano estrutural, a inconsistência revela-se na confusão entre causa, efeito e consequência. Priorizam-se as consequências, os incêndios, as pragas e as doenças. Reconhece-se o efeito, a ineficiente ou ausente gestão das florestas. Mas, despreza-se a causa, o que permite executar e custear uma gestão ativa, profissional e sustentável: as pessoas e os negócios.

Finalmente, no plano estratégico, a inconsistência fatal diagnosticada advém da visão tecnocrática que persiste na abordagem às florestas e à atividade florestal. As árvores continuam a sobrepor-se às pessoas, muito embora sejam estas últimas que possuem as superfícies onde se encontram as primeiras. O público alvo de uma estratégia para as florestas, num país onde mais de 90% da área florestal é privada, tem de ser constituído prioritariamente pelos agricultores, silvicultores e outros proprietários rústicos. Todavia, estes parecem continuar a ser considerados parceiros menores ou de difícil abordagem.

Estas inconsistências fazem da ENF uma proposta inócua, desinserida das necessidades das florestas e das atividades silvo-industriais, em especial nas fileiras que apresentam maiores vulnerabilidades, como as da madeira e mobiliário e da cortiça. É, neste contexto, um documento condenado ao insucesso (como se tem verificado de 2006 a esta parte).

Assim sendo para que serve? Trata-se de um embuste? Serve para tentar legitimar o quê?


Á vista salta o ímpeto para a alteração à Lei dos Baldios, com uma proposta já em discussão na Assembleia da República. Propriedade comunitária, com generosas dimensões em área, embora inseridas em regiões onde predomina o minifúndio em propriedade privada, com solos de boa fertilidade, abundante pluviosidade e temperaturas amenas, ajustam-se às anunciadas intenções de reforço da capacidade industrial no setor papeleiro, designadamente na unidade fabril de Cacia. Urge por isso, “simplificar”, “desburocratizar”, “flexibilizar os modelos gestão dos baldios”: por um modelo de gestão privado?

No que respeita a um plano estratégico para as florestas, a Acréscimo apresentou já, designadamente no Parlamento, uma alternativa para suprir as inconsistências detetadas. Se é de facto intenção do Governo dispor de uma Estratégia Nacional para as Florestas, o caminho tem de ser outro. O presente documento pode servir interesses, mas não será uma estratégia nacional.


Sem comentários:

Enviar um comentário