terça-feira, 17 de junho de 2014

Florestas: três anos de uma legislatura

No final da presente semana perfazem três anos sobre a tomada de posse do XIX Governo Constitucional, no qual a ministra Assunção Cristas assumiu a missão de definição, coordenação e execução da política florestal, tendo-lhe sido atribuídas, entre muitas outras, responsabilidades na sustentabilidade ambiental, económica e social na conceção, desenvolvimento, coordenação e execução dos instrumentos e medidas de política florestal.

Passados três anos, qual a avaliação possível sobre do seu desempenho?

A primeira iniciativa ministerial, desenvolvida todavia no âmbito do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC), resultou na fusão entre a Autoridade Florestal Nacional (AFN) e o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB). Aportou o novo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) vantagens em termos de execução dos instrumentos e medidas de política florestal? Veio contribuir para o reforço da sustentabilidade ambiental, económica e social das florestas portuguesas?

Nesse mesmo ano, dezembro de 2011, a ministra anunciou a preparação da campanha “Vamos plantar Portugal”, na qual pretendia recorrer a ações de voluntariado para dotar o país de uma nova árvore por cada habitante. Na altura afirmou: “Se por cada português conseguirmos ter mais uma árvore, o nosso PIB aumenta, a nossa riqueza aumenta, a nossa contribuição para a diminuição das alterações climáticas aumenta, porque a floresta é um grande pulmão de sequestro de carbono". Tendo presente que o fomento de mais floresta não é solução para os problemas das florestas, muito pelo contrário, aguarda-se ainda hoje a concretização do anúncio.

Seguiu-se a iniciativa de criação da Bolsa de Terras, atualmente com uma área anunciada de 13,6 mil hectares (a 31 de maio de 2014), sendo que 89% das terras incluídas na Bolsa pertencem ao Estado. Do total, 79% da área em Bolsa é considerada de aptidão florestal, só 16% correspondem a solos de natureza agrícola. Colocam-se à partida várias questões:
§  Em termos gerais, a oferta em Bolsa é ajustável à procura, designadamente do anunciado número de projetos de instalação de jovens agricultores? Ou mais incisivamente, a oferta, sobretudo de aptidão silvo-pastoril ajusta-se à procura, sobretudo evidente no Baixo Alentejo?
§  Em termos setoriais, possuindo o Estado apenas 2% da área florestal nacional, será oportuna a disponibilização de área pública de aptidão florestal, quando esta poderia ser fundamental para a investigação e desenvolvimento, designadamente para a dinamização de mercados associados a produtos ou serviços hoje sem valor tangível? Quanto da área pública de aptidão florestal estão hoje sob a gestão da Lazer e Floresta, SA, ou seja já se encontrava em situação de venda antes da criação da Bolsa?

A iniciativa setorial mais emblemática da legislatura é, ate ao momento, a aprovação do Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de junho, ainda em apreciação no Parlamento. A iniciativa insere-se numa irresponsável aposta política no fomento florestal, sem garantias prévias de subsequente gestão florestal. Tem sido assim nos últimos 30 anos, com os resultados visíveis a cada período estival. Por outro lado, o diploma criou uma cisão nunca antes vista no setor, com a simplificação de procedimentos administrativos de fomento à indústria papeleira e a burocratização de procedimentos para as demais fileiras silvo-industriais. Acresce que, através deste diploma, o Governo incentiva uma fileira que, não sendo a que mais peso possui, nem ao nível das exportações do setor, nem no emprego silvo-industrial, se tem caraterizado por um desinvestimento fundiário, sobretudo em área de eucalipto, e na sobrevivência sob proteção governamental, ao ser permitida a sua intervenção em mercados em concorrência imperfeita.

Anunciada para estar concluído em finais de 2013, para assim se poder articular com os fundos a disponibilizar no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural 2014/2020 (PDR 2020), o processo de atualização da Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), está ainda hoje em curso. Tal como diagnosticado antes, na atualização da ENF persistem inconsistências fatais à sua prossecução, sejam as de natureza financeira, seja de natureza política, seja de natureza estratégica e de natureza estrutural. Será mais um documento de biblioteca, a associar-se ao Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (PDSDP), de 1998. O processo de atualização da ENF parece servir apenas para legitimar mais um anúncio público de desempenho (embora comprometido na sua execução), ou para legitimar a anunciada intenção de alteração á Lei dos Baldios.

Mais recentemente, as Medidas Florestais do PDR 2020 foram definidas sem um estudo do desempenho de quadros anteriores, persistindo nos mesmos erros, com as consequências também já conhecidas. No atual PDR 2020, submetido recentemente à aprovação pela Comissão Europeia, existe uma forte dúvida sobre as garantias de retorno económico, social e ambiental do esforço solicitado à Sociedade para o apoio às florestas portuguesa.


Quanto ao que ficou por fazer e sem ser exaustivo, regista-se o previsível “falhanço” na conclusão do cadastro rústico na presente legislatura. Este é um instrumento fundamental para definição de políticas de ordenamento do território, onde se inserem as medidas de política florestal. Num país com 98% das áreas florestais na posse de entidades não públicas, muitas delas sem cadastro rústico, sobretudo as situadas em regiões de maior risco de incêndios florestais, o objetivo político da conclusão do cadastro tem sido sucessivamente anunciado e sucessivamente adiado, remetido para comissões ou projetos-piloto.

Apesar de ter sido aprovada por unanimidade na Assembleia da República, quase 18 volvidos sobre a sua publicação, a Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto) continua a aguardar a conclusão da sua regulamentação. Mais 3 anos se perderam. Este é um caso exemplar de desrespeito do Poder Legislativo por parte do Poder Executivo. Em causa está o cumprimento, por este e anteriores Governos, do disposto no Art.º 23.º da Lei aprovada por unanimidade pelo Parlamento. Se já não é para ser esta a Lei, haja coragem política para propor as alterações necessárias. O seu incumprimento é um péssimo exemplo do Estado, ao qual o presente Governo se veio também a associar.

Por último, um fator considerado fundamental para revitalizar as florestas e o setor florestal, a necessidade de acompanhamento dos mercados de produtos e serviços de base florestal. Durante três anos, a atual ministra recusou-se terminantemente a opor-se ao funcionamento desregulado dos mercados de produtos florestais, dominados que estes estão por oligopólios industriais. O preço desta atitude tem-se refletido, nas últimas décadas, em desflorestação (perda de área florestal), em contraciclo com a União Europeia, no declínio progressivo da economia silvícola e no aumento da área florestal sem gestão ativa (abandono). No final de três anos de mandato, o Ministério vem agora anunciar a intenção de criar, até final de 2014 (embora, o cumprimento de prazos não seja o seu forte), uma de plataforma de acompanhamento das relações nas fileiras florestais, ou seja, quase três anos após a criação da PARCA – Plataforma de Acompanhamento das Relações da Cadeia Agroalimentar. Alguém não o terá permitido antes? Esse mesmo alguém irá condicionar o seu funcionamento (se vier efetivamente a ser criada a plataforma)?

Para a Acréscimo, o desempenho destes últimos 3 anos é manifestamente negativo.


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