terça-feira, 4 de julho de 2017

Urge reforçar os critérios de avaliação e os instrumentos de controlo no licenciamento de investimentos com espécies de rápido crescimento

O Decreto-Lei n.º 36/2013, de 19 de julho, estabeleceu o regime jurídico das ações de arborização e rearborização (RJAAR), revogando legislação relativa ao licenciamento destas ações com espécies de crescimento rápido (ERC).

Durante o período de elaboração do diploma, em 2012, já a ACRÉSCIMO contestava os seus fins. A 22 de janeiro de 2014, esta associação integrou um conjunto de 20 organizações e 15 personalidades subscritoras da Plataforma pela Floresta, que defendia a revogação do Decreto-Lei n.º 36/2013, de 19/06.

O Programa do Governo, aprovado na Assembleia da República no final de 2015, no que respeita ao Decreto-Lei n.º 36/2013, de 19 de julho (pág. 179), a que denomina por Lei que liberaliza a plantação de eucaliptos, determina a sua revogação e a criação de um novo regime jurídico.

Atualmente, no Parlamento, estão em apreciação dois Projetos de Lei sobre as ações de arborização e rearborização.

Entretanto, o Governo criou uma linha de apoio público, no âmbito do Portugal 2020, destinada a financiar investimentos com plantações de eucalipto.

Só no decurso de 2016, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) atribuiu licenciamento para mais de 35 km2 de novas arborizações com eucalipto (ou seja, mais de 1/3 do concelho de Lisboa).


Os factos a ter em conta:

1.    Nos dois Projetos de Lei, em apreciação no Parlamento, não são visíveis critérios de avaliação financeira e comercial para o licenciamento de projetos privados de carácter marcadamente mercantil, como é o caso dos investimentos que envolvem as espécies de rápido crescimento (ERC), essencialmente com eucalipto.

A má gestão da grande maioria das plantações, só por si, justifica uma avaliação que vá para além da mera componente técnica e do enquadramento legal. A decisão de licenciamento de ações com ERC deve estar alicerçada em critérios de avaliação financeira e comercial.

Foi, aliás, com base neste tipo de critérios que a indústria papeleira determinou a contração das áreas próprias de plantações de eucalipto.



Tendo por base o simulador de modelos de rendimento desenvolvido pela indústria papeleira, apesar das suas fortes limitações, permite evidenciar diferentes resultados financeiros que, por sua vez, terão forte impacto nas expetativas e no compromisso, por décadas, que o proprietário rural investidor pode estar em condições, ou não, de estabelecer com a sociedade.

Apresenta-se, como exemplo, os valores simulados para uma ação de rearborização com eucalipto, com utilização do simulador desenvolvido pela Celpa, para apenas 2 rotações (12+12 anos).

Tipo de instalação
Intensidade silvícola
Terraços
Produtividade esperada
Taxa de desconto
Valor atual final líquido
Taxa Interna de Rentabilidade
Valor da madeira em pé
Rearborização
Reduzida
Não
Média (107 m3 cc)
5,00 %
< 0,00 €
< 7,50 %
25,00 €
Alta (153 m3 cc)
> 0,00 €
< 7,50 %
M. alta (212 m3 cc)
> 0,00 €
> 7,50 %

Os encargos previstos no simulador apresentam fortes limitações, designadamente no que respeita aos valores e às condições de operação considerados pela CAOF (Comissão de Acompanhamento das Operações Florestais), esta última agregada ao Ministério da Agricultura.

No quadro foi considerada apenas a ação de rearborização, já que os dois Projetos de Lei impõem restrições às ações de arborização. Foi considerada uma intensidade silvícola mínima, para redução dos encargos e, assim, maximizar os resultados dos critérios contabilísticos (VAL e TIR). Foi ainda tido em conta um valor ajustado para a madeira em pé (em plantação), tendo em conta os valores máximos indicados para a região de Lisboa e Vale do Tejo e mínimos identificados nas regiões do Norte, Centro e Alentejo.


Importa ter presente que o simulador em causa apenas abrange duas rotações (24 anos, 2 cortes), as potencialmente com maior produtividade. Não tem ainda refletido os decisivos custos de transporte da rolaria entre o terreno e as unidades fabris. Por outro lado, esmaga os preços das operações técnicas associadas à lenhicultura, abaixo inclusive dos valores de referência publicados pelo Ministério com a tutela das florestas.

Ora, a quebra de expetativas, num negócio de décadas, tem tido consequências ao nível da gestão das plantações de eucalipto, designadamente no que respeita à manutenção de compromissos quanto aos riscos. Riscos esses que têm sido assumidos, de forma crescente, pela sociedade

Não ter em consideração a viabilidade financeira e comercial das ações de arborização e rearborização com ERC gera um aumento de probabilidade para perpetuar um ciclo futuro de incêndios rurais em Portugal.

Com efeito, neste tipo de investimentos mercantis, a expansão do eucaliptal tem associado um acentuado aumento de riscos com incêndios.

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2.    Mais, a ausência de avaliação financeira e comercial associada a investimentos marcadamente de cariz mercantil com ERC, apesar da alegada alta rentabilidade, tem implicado num posterior apelo aos contribuintes (via Portugal 2020), para intervir num negócio entre privados. Assim está a acontecer em 2017, por iniciativa do Governo.

Pior, contrariando a Lei, tal apoio público não tem subjacente a obrigatoriedade de seguro de arborização por parte das áreas beneficiadas (cf. Art.º 20.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto).

Saberão os demais contribuintes europeus, os que têm assistido às imagens emitidas a partir de Portugal na última semana, que irão financiar a manutenção de futuras situações de risco?


3.    Um outro fator determinante, ao nível do controlo dos licenciamentos com ERC, passa pela rastreabilidade aos materiais de reprodução florestal (MRF), concretamente das plantas produzidas em viveiros florestais.

Com uma estimativa de produção anual de cerca de 30 milhões de plantas de eucalipto em viveiros florestais nacionais (cf. dados da indústria papeleira), não são visíveis nos dois Projetos, em apreciação no Parlamento, instrumentos que condicionem a aplicação dos MRF apenas em investimentos devidamente licenciados.

A questão fundamental passa pela criação de um instrumento que dificulte a utilização de MRF em plantações ilegais. O controlo documental de informação contabilística e fiscal pode ter aqui um papel decisivo.

Da quantidade anual de plantas produzidas em viveiros florestais, obrigatoriamente certificados, parte muito significativa em unidades da própria indústria papeleira, questiona-se quanto poderá ter sido alocado a plantações ilegais.

Um eficaz controlo a importações de MRF deveria igualmente ser considerado no combate às plantações ilegais com ERC.


Neste sentido, a ACRÉSCIMO apela ao Parlamento no sentido de providenciar o enriquecimento dos Projetos de Lei relativos ás ações de arborização e rearborização, por forma a considerarem a inclusão de critérios de avaliação mais alargados para o licenciamento dos investimentos com ERC, bem como a reforçar os instrumento de controlo sobre o destino dos MRF.

Mais, a ACRÉSCIMO tem apelado para a necessidade de um quadro legal mais penalizador para as plantações ilegais, concretamente no plano criminal.



SOBRE A AVALIAÇÃO DE INVESTIMENTOS:


A avaliação de projetos de investimento, no caso em apreço de ações de arborização e rearborização com ERC, tendo em vista o seu licenciamento, pode e deve fazer-se relativamente a diferentes aspetos relevantes, dando origem a diferentes tipos de avaliação, entre elas:

A avaliação financeira, à qual estão associados, entre outros, critérios contabilísticos baseados no cash-flow (período de recuperação, valor líquido atual, taxa interna de rentabilidade, …).

A avaliação comercial, associada ao funcionamento dos mercados, à analise da concorrência e à formação dos preços, ao contexto geográfico da procura (clientes), seja no plano interno, mas também no externo, à intervenção de intermediários e prestadores de serviços, …

E, nos casos previstos na Lei, a avaliação ambiental ou de impacto ambiental (AIA).

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