terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A revisão da Estratégia Nacional para as Florestas: Um não documento.

Foi recentemente publicada em Diário da República a atualização da Estratégia Nacional para as Florestas (ENF). Esta iniciativa do governo, apresenta contudo graves inconsistências, que colocam em causa a sua efetiva concretização.

O processo de revisão da ENF peca logo pelo diagnóstico, que remonta a 2007. Isto, mesmo depois de uma atualização mais recente do Inventário Florestal Nacional.

No processo de revisão da ENF foram mantidas as inconsistências apontadas em 2013 pela Acréscimo. Logo à partida, uma de natureza política: não está assegurada uma compatibilização entre ciclos eleitorais e ciclos florestais, estes últimos de médio e longo prazo. A assunção do documento apenas pelo poder executivo não lhe dá a consistência necessária para assegurar as condições de investimento a mais logo prazo, sobretudo o que tenha por base as espécies autóctones.

Acrescem ainda mais duas inconsistências, a estratégica e a estrutural.

Por um lado, é menorizado o papel dos principais agentes da mudança, os proprietários florestais, sobretudo os não industriais, embora sejam detentores de mais de 90% das superfícies florestais em Portugal, agentes que deveriam constituir o principal público alvo da ENF. A métrica do seu envolvimento pelo crescimento pífio do associativismo florestal é consideravelmente falível, sobretudo em regiões de minifúndio e quando os interesses das organizações associativas nem sempre coincidem com os dos que asseguram representar: atente-se à evolução do rendimento empresarial líquido na última década, difundida nas Contas Económicas da Silvicultura, publicadas anualmente pelo INE.

Posse da floresta

Por outro lado, na ENF são priorizadas sobretudo as consequências, ou seja os riscos do investimento florestal, nomeadamente os incêndios florestais; os efeitos, a gestão florestal, ou melhor, a sua ausência em parte muito significativa dos espaços florestais nacionais; mas, menospreza-se a causa, a expetativa de rendimento nos investimentos em floresta, ou seja, a obtenção de receita que permita concretizar uma gestão profissional e sustentável e, dessa forma, mitigar o efeito dos riscos, quer na propagação dos incêndios, quer na proliferação de pragas e de doenças. A aposta na causa dos problemas vivenciados nas florestas portuguesas assume tanto mais relevo quanto mais for necessário assegurar o investimento no acréscimo de riscos decorrentes das alterações climáticas. Não haverá florestal protegida, gerida, sem a existência de negócio nos espaços florestais, negócio esse enquadrado nos princípios da Economia Verde.

Uma última inconsistência é de natureza financeira, o desenquadramento entre a ENF e o seu plano de financiamento público. O novo Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) está acometido dos mesmos vícios do passado, dos envelopes financeiros que o antecederam e que geraram mais problemas nas florestas do que os benefícios que se desejaria promover. O sucesso do financiamento público às florestas estará sempre condicionado pela intervenção nos mercados (regulação), pelo apoio técnico á produção (extensão) e pelo desenvolvimento de um programa coerente de investigação. Ora, estes aspetos não constam num plano de financiamento adequado à prossecução dos objetivos e das metas traçadas na ENF.

Uma estratégia vertida em muito papel, não é em si sinal de uma boa estratégia. A Acréscimo defende que uma estratégia nacional para as florestas deverá assegurar os meios para suprir as inconsistências ora apontadas, sob pena de este não passar de mais um documento morto, aliás como outros no passado.

Interessará que a ENF seja um documento morto? A avaliar pela política florestal prosseguida pelo atual governo, tudo indica que sim. A estratégia do governo, como do seu antecessor, tem passado por proteger interesses financeiros, em detrimento do território, das populações rurais e da própria economia.

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