sexta-feira, 7 de março de 2014

Contributo à consulta formulada pelo Grupo de Trabalho para Análise da Problemática dos Incêndios Florestais

Preâmbulo

A Acréscimo agradece a consideração manifestada pelo Grupo de Trabalho, constituído por iniciativa da Senhora Presidente da Assembleia da República, ao permitir que esta associação expresse o seu contributo num tema que assume elevada preocupação política, social, económica e ambiental.

A Acréscimo considera contudo que esta problemática decorre de uma consequência, determinada por uma causa.

Numa visão, autodefinida como eco-social, entendemos que o declínio na viabilidade do negócio florestal, a causa, está subjacente à ausência de adequadas práticas de gestão florestal, o efeito, o que tem gerado um acréscimo de risco na propagação dos incêndios florestais, a consequência que se tende a agravar com as alterações climáticas. Esta visão está na base das respostas às questões que gentilmente nos colocaram.



Questões e respostas

a)     Quais os principais estrangulamentos que identifica no âmbito do SNDFCI e quais as prioridades que o poder político deve ter em conta e procurar resolver, tendo em conta os constrangimentos a que o país está obrigado devido ao Programa de Assistência Económica e Financeira?

O SNDFCI enfrenta problemas decorrentes da causa e consequente efeito que, não estando na origem, potenciam condições para uma mais fácil propagação dos incêndios florestais.

A causa consubstancia-se na incapacidade, em parte significativa do território nacional, das superfícies florestais e silvestres gerarem rendimento que permita custear a adoção de práticas comerciais e de princípios técnicos florestais, o que em comum integram o conceito de gestão florestal, ao qual se associa ainda a componente da sustentabilidade.

Assumindo que o abandono da gestão de parte significativa dos espaços florestais e silvestres nacionais se consubstancia num modelo de gestão determinado pelas perspetivas de rendimento que as mesmas possam gerar, o facto é que este modelo não permite a concretização das operações silvícolas mínimas, sequer para a defesa das mesmas em caso de incêndio florestal. Isto, a par da concretização de medidas de proteção também contra a proliferação de pragas e de doenças.

Tendo em consideração os constrangimentos decorrentes do Programa de Assistência Económica e Financeira, que podem condicionar no imediato a adoção de medidas de carater estrutural, como o reforço da pesquisa, bem como o estabelecimento de um serviço de extensão florestal, suscita-se vivamente à concretização de medidas que, previstas no documento “Um Estado Melhor” aprovado em Conselho de Ministros a 30 de outubro de 2013, não acarretam acréscimo de encargos líquidos para o Estado.

Face ao reconhecido decréscimo do rendimento empresarial líquido na silvicultura, bem como o desequilíbrio existente nas relações comerciais nas principais fileiras de produção lenhosa, deverá o poder político, também no setor silvo-industrial, atribuir “maior importância às funções de regulação, supervisão e inspeção”, “por serem uma condição essencial da garantia de funcionamento dos mercados e das entidades que neles interagem”.

Todavia, numa abordagem de carácter estrutural, importa ter em consideração a aposta na pesquisa e na extensão, no imediato, na definição dos apoios às florestas a integrar o Programa de Desenvolvimento Rural 2014/2020.

A utilização presente do termo extensão visa reforçar que, a componente de divulgação e de assistência técnica à produção florestal, deverá estar claramente associada à produção de resultados pela investigação, servindo a extensão como veículo de transmissão destes mesmos resultados aos agricultores e demais gestores e proprietários de superfícies florestais e silvestres.


b)     Sendo as Redes primárias de Faixas de Gestão de Combustíveis uma infraestrutura fundamental e porque continuam a existir áreas de responsabilidade menos claras, quem considera que deve assumir o seu planeamento, execução e manutenção nas áreas onde não há ZIF’s constituídas ou que não sejam da administração central ou local?

As responsabilidades pela concretização de operações florestais, mesmo as integradas na DFCI, atendendo às características das superfícies florestais portuguesas, ou seja a posse de mais de 90% das mesmas por privados, devem estar tanto quanto possível dependentes destes agentes, no caso, devidamente organizados em estruturas representativas, com as quais o Estado deverá estabelecer contratos-programa.

A atual incapacidade, em parte significativa do País, em gerar rendimento a partir do negócio silvícola para custear os custos com o planeamento, execução e manutenção destas Redes, justificam, no âmbito do Interesse Público, a comparticipação do Estado nestes encargos.

Assume-se aqui claramente que, esta intervenção do Estado decorre da sua incapacidade, até ao momento, de assegurar dois elementos fundamentais em termos de DFCI: (1) a presença ativa de pessoas nos meios rurais, pela contenção do êxodo rural e inversão das migrações interior-litoral; e, (2) a viabilização dos negócios silvícolas e, consequentemente, à sustentação, à sustentabilidade e à responsabilização social dos investimentos silvo-industriais.



c)     Um dos problemas muitas vezes levantados com o qual é igualmente justificada a reduzida taxa de execução das faixas de gestão de combustíveis (rede primária e secundária), tem que ver com a falta de capacidade de identificação dos proprietários e o inconsequente levantamento dos autos por parte da GNR. Como podem ser ultrapassados estes problemas?

A identificação dos detentores das superfícies florestais, em especial no caso português, com a maior taxa mundial das mesmas sob o regime privado, é “indispensável”, tal como mencionado no Programa do XIX Governo Constitucional. Sem esta identificação, do nosso ponto de vista, não existirão medidas de política florestal consequentes, quanto mais não seja, porque o Legislador desconhece o público alvo dos diplomas legais que produz (tradicionalmente muito centrados no arvoredo, não nos detentores do arvoredo).


d)     Como é que um Plano Nacional do Uso do Fogo poderia diminuir a continuidade da carga combustível horizontal e vertical e que entidades deveriam estar creditadas para o fazer? Qual o papel das OPF´s nesse Plano Nacional?

O uso do fogo é uma das práticas possíveis para a diminuição da carga combustível.

Esta como outras práticas adequadas ao mesmo fim, deve assentar na opção dos detentores ou gestores das superfícies florestais e silvestres portuguesas, desejavelmente enquadrado no âmbito do negócio florestal (produção de bens e prestação de serviços a partir destas superfícies).

Assim, uma intervenção das OPF neste domínio é determinante, assumindo o Estado as consequentes funções de formação e supervisão.



e)     Considera importante que as Equipas de Sapadores Florestais continuem a fazer serviço público durante uma parte importante do ano? Quais são os constrangimentos e benefícios que este serviço público trás para a gestão operacional das ESF? A função das ESF no dispositivo de Especial de Combate a Incêndios está apropriada às características destas equipas?

A esmagadora maioria das superfícies florestais portuguesas estão submetidas ao regime privado, todavia, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, cabe a todos os cidadãos a responsabilidade de as conservar e proteger. Desta forma, é justificável a intervenção das ESF na concretização de serviço público.

No que respeita ao combate a incêndios, a Acréscimo defende a criação de corpos especializados de sapadores florestais bombeiros, num modelo similar ao existente na região francesa da Aquitânia, facto que determina o nosso posicionamento sobre o reforço das funções das ESF também neste domínio.


f)      Até onde deve ir a responsabilidade civil dos proprietários e produtores florestais na não gestão? Ou seja, um proprietário florestal deve ser penalizado se a sua opção de não gestão contribuir para causar danos em terceiros?

Como mencionado na abordagem à alínea a), a opção pela não gestão decorre das expectativas de rendimento do negócio florestal.

Desta forma, a responsabilização dos proprietários e produtores florestais tem de ser inserida no pressuposto de que o Estado assegure previamente as funções que lhe estão atribuídas, designadamente no que sob o rendimento dos negócios silvícolas possa incidir.

A responsabilização dos proprietários e dos produtores florestais privados é uma meta. Existem contudo pressupostos: o Estado, enquanto pessoa de bem, deve assumir previamente as suas próprias responsabilidades, o que até hoje não conseguiu demonstrar.


g)     A não execução da prevenção estrutural, nomeadamente no que diz respeito às Faixas de Gestão de Combustível (rede primária e rede secundária), associa-se a dois problemas de dimensões diferentes: i) financeiro; ii) identificação do proprietário. Como podem ser ultrapassados e quais as alterações, também legislativas, que podem ser implementadas?

Um fator determinante para a ultrapassagem dos problemas está bem definido no próprio Programa do Governo, a identificação dos agentes para uma mudança de estratégia na fruição de bens e de serviços a partir das florestas em Portugal.

Estamos convictos que a atuação na consequência só será efetiva se os esforços forem dirigidos à sua causa.

A viabilização de negócios a partir dos espaços florestais e silvestres, esmagadoramente sob o regime privado e num País de economia aberta, é fundamental. Este deve assentar na só na produção de bens, mas também na prestação de serviços, inclusive os que já hoje são prestados embora sem valor financeiro definido.

Mais do que na produção de mais diplomas legais, pratica que se tem mostrado ineficiente, importa redefinir a estratégia, assente nas pessoas e nos negócios que estas podem desenvolver em meio rural. Para o efeito, defendemos a aposta em três vetores essenciais: (1) na pesquisa; (2) na extensão; e, na regulação dos mercados.

Estamos ainda convictos que, o enquadramento da DFCI deve ultrapassar a própria estratégia florestal, deve enquadrar-se num âmbito mais alargado, numa estratégia de desenvolvimento rural.



h)     Conhecida que é a dimensão da nossa propriedade com pequenas áreas, dificultando o ordenamento florestal, qual a melhor forma de promover o emparcelamento de forma a aumentar a dimensão das áreas a gerir e promover uma melhor gestão florestal em toda as suas vertentes (rentabilidade, espécies, prevenção, etc)?

O modelo das Zonas de Intervenção Florestal pode ser um veículo para ultrapassar as especificidades, assumidas como menos adequadas, à viabilização de negócios sustentados, sustentáveis e socialmente responsáveis a partir das propriedades rústicas com superfícies florestais.

Todavia, face ao seu carácter informal, este veículo deve ser encarado como um meio, não como um fim. Desta forma, entendemos que as ZIF são um mero passo para a constituição futura de sociedades de gestão de grupo.

Considerar as ZIF como um fim poderá ser um erro, com resultados similares aos obtidos com as áreas agrupadas constituídas no âmbito do Programa de Ação Florestal (I QCA), ou do Programa de Desenvolvimento Florestal (II QCA).



Lisboa, 14 de fevereiro de 2014

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