sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A indústria papeleira precisa de rédeas apertadas

A brutal poluição no rio Tejo, atribuída pela Agência Portuguesa do Ambiente à indústria papeleira, é apenas um de vários casos. Neste caso, choca pelas consequências catastróficas fora da época “normal” de incêndios rurais. Todavia, a indústria papeleira em Portugal está na base de outras consequências catastróficas.


Com a manifesta permissão das governações, a indústria papeleira está na base do funcionamento do mercado da madeira de eucalipto em concorrência imperfeita. O mercado é hoje dominado por um duopólio, situação que tem fortes consequências na gestão das plantações de eucalipto em Portugal. Com base em dados de 2005, cerca de 80% destas plantações têm uma gestão deficiente, motivada esta sobretudo pela ausência de mecanismos de formação de preço. O preço da rolaria à porta da fábrica, ao contrário do que aconteceu até meados da década de 90, é imposto pela procura. Nem o facto de a oferta se encontrar fortemente pulverizada leva os governos a avançar para instrumentos de regulação. Deixa a indústria papeleira em rédea solta.

Também na expansão do eucalipto, as várias governações têm permitido, de forma ilegal e legal, a concretização de uma estratégia de aumento da oferta (pulverizada) para conter os preços baixos na compra da rolaria de eucalipto pela indústria papeleira. Esta expansão, entre 2000 e 2015 atingiu cerca de 90 mil hectares (o equivalente à superfície de 9 cidades de Lisboa). Apesar do travão do Parlamento, pela incapacidade politica do Governo em o concretizar, nada obsta a que, por falta de fiscalização, tal expansão não se mantenha para o futuro. Os impactos no território, seja ao nível da biodiversidade, na paisagem, nos solos, seja na proliferação de pragas e doenças, na importação de espécies exóticas para luta biológica, seja nos incêndios, quer na área ardida total, quer na área ardida em floresta, são indicadores de rédea solta.

O risco social associado à atividade da indústria papeleira têm uma evidência crescente. Seja no caso atualmente mais mediático de poluição do Tejo, mas, sobretudo, no impacto das plantações de eucalipto na área ardida em Portugal. Se em 1996, com cerca de 720 mil hectares de plantações de eucalipto, estas representaram 3% da área ardida total e 13% da área ardida em floresta, em 2016, a caminho dos 900 mil hectares, estas representaram 24% da área ardida total e 50% da área ardida em povoamentos florestais. O aumento do risco associado à expansão da área é um outro indicador de rédea solta.

Apesar de, segunda alega a indústria papeleira, as áreas na posse desta terem menor risco associado aos incêndios, o facto é que a sua área de autoabastecimento tem diminuído significativamente. Ou seja, apesar da necessidade, manifestada publicamente, de maior quantidade de rolaria de eucalipto, a indústria tem feito diminuir as suas áreas próprias, transferindo o risco da produção de lenho para uma oferta familiar, pulverizada e desorganizada comercialmente. A não imposição, pelos governos, de limites mínimos de área de autoabastecimento, associada às suas necessidades de lenho, é um outro indicador da rédea solta.

A poluição pela indústria papeleira está longe de se confinar ao rio Tejo. De acordo com dados avançados por uma ONGA nacional, com base em registos da Agência Europeia do Ambiente, as unidades fabris desta indústria ocupam várias das 10 primeiras posições, quer no ranking das emissões para a atmosfera, quer nas emissões para o meio aquático. Estas não se confinam ao grupo Altri, onde se inclui a Celtejo, mas incluem também várias unidades do grupo The Navigator Company (ex Portucel Soporcel). Estas posições cimeiras, apesar das certificações ambientais que evidenciam, como é também evidente do caso do Tejo, comprometem o disposto na Constituição da República Portuguesa (alínea e) do Art.º 9.º) por parte dos Governos. Este, um outro indicador de rédea solta.


Haverá coragem politica para impor regras à atividade da indústria papeleira em Portugal? Só o atual Governo levou mais de um ano a reagir à brutal poluição no rio Tejo, o maior curso de água a atravessar o território nacional.

Outra época de incêndios se aproxima, num ano que se prevê seco e com temperaturas acima da média (pelo menos até junho). Em grande parte das áreas de plantações de eucalipto ardidas em 2017, a madeira ardida continua por remover. A esta associam-se os novos rebentos, com acréscimo substancial de carga combustível. Muita da área destas plantações continua a oferecer um elevado risco para as populações, sobretudo na região do Centro. Infelizmente, não será só com limpeza de faixas de gestão de combustível, sob ameaça de coimas avultadas, sobretudo sobre a população mais idosa do interior, que se afasta o perigo. Há que evidenciar coragem politica para atuar sobre a causa, não apenas sobre a consequência. Haverá? Temos sérias dúvidas!


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