No que respeita a
incêndios rurais, 2017 foi o pior ano de que há memória. Em termos de política
florestal, o presente ano foi péssimo, a par de outros tantos de ma memória.
O ano de 2017 ficará na
memória coletiva como, até agora, o pior em vítimas, em destruição e em
dimensão de área ardida. Mais de 110 vítimas mortais, centenas de feridos e
desalojados, habitações e edificado destruído, devastação de infraestruturas,
fauna e flora afetada, poluição atmosférica, contaminação dos recursos hídricos
e aumento do risco de erosão dos solos. O caos imperou na salvaguarda das
populações e do território. A confiança nas estruturas de proteção civil é hoje
perigosamente reduzida. A confiança nos dirigentes políticos, após 17 de junho
e 15 de outubro, registou um abalo muito significativo. Ganhámos um presidente
do Eurogrupo. A que preço?
Portugal, em área
ardida, regista uma vergonhosa posição na Europa e no mundo. Dos cinco Estados
Membros a sul, Grécia, Itália, França, Espanha e Portugal, com apenas 6% da
área total, o nosso país regista 68% da área ardida do conjunto. Já em 2016
havia registado 56% da área ardida deste grupo de países.
No que respeita à ação
política, o governo insiste em apostar numa “reforma” que é tão só um pacote de
medidas avulsas, desprovidas de uma visão, de uma estratégia. No Parlamento,
sobre essa “reforma”, foi produzida uma amálgama de propostas, verdadeiros
remendos ao pacote governamental. Após 21 anos, a classe política persiste em
ignorar a existência de uma Lei de Bases da Política Florestal, muito embora
esta tenha sido aprovada por unanimidade na Assembleia da República. O que
valem afinal os consensos em torno das questões florestais? Nem mesmo a
Estratégia Nacional para a Florestal serve de enquadramento ao pacote que,
abusivamente, o governo denomina de “reforma”.
Na gestão do património
florestal público, ficou à vista, da pior forma possível, o desleixo e a
irresponsabilidade das diferentes governações na administração dos bens da
República. Vergonhosamente, arderam áreas significativas das Matas Nacionais e
uma parte muito considerável da Rede Nacional de Áreas Protegidas. No que respeita
à área florestal pública, o Estado Portugal, com apenas 1,6% da área florestal
nacional, consegue igualar, no seu pior, a pior gestão da maioria das áreas
privadas. Ao contrário de servir de exemplo, os dirigentes políticos
igualaram-se, no pior sentido, a um proprietário florestal absentista. Ganhámos
um presidente do Eurogrupo. A que preço?
Ainda na ação
governativa, prosseguiram em 2017 os licenciamentos de mega unidades de
produção de energia elétrica a partir de biomassa florestal. Aos 4 licenciamentos
de 2016, juntaram-se mais 4 em 2017. No total, estas 8 unidades representam um
consumo de biomassa florestal (residual) na ordem dos 1,5 milhões de toneladas.
Para uma disponibilidade anual de 2,2 milhões de toneladas, a capacidade
industrial hoje instalada já representa um consumo de biomassa florestal
residual superior a 3 milhões de toneladas. Ao contrário de subsistirem a
partir de biomassa residual, contata-se que o grande “balão de oxigénio” destas
unidades é a biomassa constituída pelos troncos ardidos. Ao contrário de
evitarem os incêndios florestais, algo desmistificado pelo próprio Parlamento,
estas unidades usufruem, em matéria prima a baixo custo, dos incêndios
florestais. Portugal não dispõe de biomassa florestal residual para dar
resposta às unidades já em funcionamento e que utilizam esta matéria prima.
Valem-lhes os troncos afetados pelos incêndios. Há depois quem venha argumentar
com o peso das importações.
Por último, registou-se
em 2017 a continuação do incumprimento do disposto no Programa do Governo no
que respeita ao travão às plantações de eucalipto em Portugal. Pelo contrário,
o atual governo regista um maior número de licenciamentos do que o anterior.
Até 30 de junho último, as taxas de aprovação são de 57% contra 43%. Neste
domínio, tem sido evidente o acúmulo de demagogia. A própria Lei n.º 77/2017,
de 17 de agosto, integrada da “reforma” da floresta, persiste na incoerência de
que é vítima a “lei que liberaliza as plantações de eucalipto” (DL n.º
96/2013). Apesar do significativo aumento do peso destas plantações na área
ardida total e em floresta, bem como da elevada percentagem destas sob gestão
de abandono, a lei continua a não acautelar sobre a capacidade financeira e
comercial dos licenciamentos que ao seu abrigo são concedidos. Não é difícil
adivinhar o futuro!
Em 2017, apesar da enorme dor, regista-se como fator
positivo o envolvimento das populações na sua autoproteção e no ordenamento do
território. Merecem louvor os atos cívicos de constituição das Associações de
Vítimas dos grandes incêndios de 17 de junho e de 15 de outubro. É vergonhoso
que os dirigentes políticos tenham merecido a desconfiança das populações, ao
ponto de as levar a assumir, por mão própria, a salvaguarda das suas vidas e
dos seus bens.
Apesar dos trágicos acontecimentos de 2017, tendo em conta a
atuação política posterior, ou a falta dela, levam a Acréscimo a ter uma posição
cética sobre a oportunidade de mudança de rumo. Vem aí 2018, persistem os riscos,
se é que não têm tendência para aumentar.
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