terça-feira, 5 de abril de 2016

O descaramento da indústria papeleira na defesa do “diploma da Mitrena”

Portugal possui a 4.ª maior área de plantações de eucalipto do mundo, ao dispor de menos de meia dúzia de unidades industriais de produção de pasta celulósica.

As considerações de discriminação ao eucalipto em Portugal, com base no compromisso do Governo na revogação do “diploma da Mitrena” (Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, que instituiu o regime jurídico das ações de arborização e rearborização). alegadas pela indústria papeleira são, a vários títulos, vergonhosas.

Vergonhoso é o facto desta fileira ser “orientada” em regime de oligopólio, que condiciona o rendimento destas plantações, esmagadoramente na posse de famílias, ao ponto de cerca de 80% das mesmas estarem votadas a uma gestão deficiente ou de abandono.

Vergonhoso é ainda o facto de as empresas industriais estarem a abandonar a sua presença na área de risco do negócio, quando nos últimos anos reduziram as suas áreas próprias em mais de 30.000 hectares de eucaliptal. Desta forma, optaram por transferir os riscos da gestão destas plantações a quem condicionam rendimentos, reduziram a sua capacidade de autoabastecimento e tem a descarada ousadia de invocar agora a necessidade de importação de matéria prima lenhosa ou uma maior expansão do eucaliptal privado em Portugal.

Envergonha ainda o facto de, em consequência do atual condicionamento do mercado da rolaria de eucalipto, a gestão a que estas plantações está votada ocasiona elevados riscos sociais, económicos e ambientais. Entre 2000 e 2011 arderam em Portugal 1.712.114 hectares, 877.506 hectares ocorreram em povoamentos florestais. Segundo dados oficiais, as plantações de eucalipto representaram 43% da área ardida em povoamentos florestais, bem longe do ocorrido em povoamentos de espécies autóctones, incluindo o pinheiro bravo.


Por fim, lamenta-se o facto das várias governações terem permitido a expansão da área das plantações de eucalipto (mais de 95.000 hectares só entre 1995 e 2010), sem que a mesma tenha sido acompanhada pelo aumento da produtividade. Ou seja, a conivência entre governos e a indústria papeleira foi fundamental para o aumento de uma oferta de risco, que empobrece as populações rurais, delapida recursos naturais e deprecia o Território.

Os responsáveis da indústria papeleira, face ao egoísmo que os motiva, tem de ter a perceção que o “negócio” não é já hoje estabelecido entre duas partes: a oferta e a procura que a condiciona. Este “negócio”, associado hoje as plantações de eucalipto, não é há muito desenvolvido apenas entre agentes económicos que produzem rolaria de eucalipto e quem lhes compra com preço unilateralmente estabelecido.

Pelos impactos negativos a que está associado, o “negócio” do eucalipto é hoje intervencionado por múltiplas partes, sobretudo pelos cidadãos vítimas da devastação provocada pelos incêndios, das consequências da luta biológica associada às pragas e doenças do eucaliptal e dos resíduos associados a produção de pasta celulósica.

Portugal está em desflorestação, perdeu mais de 250 mil hectares de floresta em 25 anos, mas está longe de poder apostar em plantações de elevado risco.


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