terça-feira, 7 de outubro de 2014

Projeto de Reforma da Fiscalidade Verde - Florestas

O presente comunicado tem por base as medidas com impacto nas florestas, incluídas no Projeto de Reforma da Fiscalidade Verde, elaborado pela Comissão constituída no âmbito do Despacho n.º 1962/2014 e entregue ao Governo a 15 de setembro último.

A Comissão, a par do que aconteceu e bem noutros capítulos, poderia ter sido muito mais ambiciosa nas medidas propostas sobre as florestas. Deixou-se enredar por anúncios populistas, por uma apreciação simplista da matéria, sugerindo ao Governo a adoção de medidas de caráter duvidoso.

A Comissão baseou a sua proposta na alteração ao disposto no Artigo n.º 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), advogando o seu agravamento para os “prédios rústicos com áreas florestais em situação de abandono”. Conclui contudo que, “dado o eventual desconhecimento do número de prédios rústicos com áreas florestais em situação de abandono; e, a incerteza relativa ao incumprimentos da obrigação (...) pelos municípios, não será possível estimar com fiabilidade o impacto da medida ora proposta”.

No domínio da ambição, a Acréscimo disponibiliza-se para apresentar linhas de ação mais realistas, as quais poderão gerar dados de fácil quantificação.


1 - Dos comentários da Comissão ao contributo da Acréscimo em sede de discussão pública do anteprojeto

Salientamos e apreciamos o facto de a Comissão concordar com o diagnóstico expresso pela Acréscimo (pág. 160), quanto à causa dos problemas existentes nas florestas e na atividade florestal. Expressou a Acréscimo que, não faz sentido solucionar pela via fiscal um problema que assenta num desajustado funcionamento dos mercados, em situação de concorrência imperfeita. Referiu a Acréscimo que, o abandono da gestão florestal não é mais do que um ajustamento dos proprietários florestais às expetativas de rendimento nas suas explorações.

Todavia, a Comissão expressa depois a sua discordância quanto às conclusões da Acréscimo. Para o efeito, seguindo a sugestão da associação, consultou a informação disponibilizada pelo INE, de 27 de junho último, sobre a Contas Económicas da Silvicultura de 2012. A Comissão sustenta que, com base na evolução dos índices de preços da madeira e da cortiça, os preços da madeira de trituração (mais associado à rolaria de eucalipto) aumentam desde 2006.

Índice de preços à produção (2000=100)

Fonte: INE, CES 2012. Lisboa, 2014

Ora, a Comissão peca por descorar a análise da evolução do consumo intermédio de bens e serviços à silvicultura, que expressa o aumento registado no consumo de serviços, na energia e lubrificantes e nas plantas. Só em 2012, o aumento registado no consumo intermédio de bens e serviços à silvicultura foi de 7,0%, tendo o acréscimo em valor da produção sido apenas de 3,6%.

Consumo Intermédio (preços correntes)

Fonte: INE, CES 2012. Lisboa, 2014

Ou seja, a apreciação da Comissão é fatalmente direcionada (em função da madeira para triturar) e incompleta (não tem em conta o acréscimo de custos).

Não acolhe igualmente o argumento da Comissão de tentar, com a sua proposta de agravamento do IMI, querer contrariar um “comportamento passivo do proprietário em prejuízo da comunidade”. Ora, se a Comissão manifestou concordância com o diagnóstico da Acréscimo, reconhecendo que o problema “assenta num desajustado funcionamento dos mercados, em situação de concorrência imperfeita”, logo deveria sugerir ao Governo que acompanhasse e interviesse nos mercados, sempre que necessário, ao invés de propor que se prejudique pela via fiscal quem, reconhecidamente, já é prejudicado na comercialização dos bens e serviços que produz.

Sobre a argumentação da Acréscimo ao facto das propostas da Comissão contrariarem o disposto na Lei de Bases da Política Florestal, concretamente o disposto no Artigo 19.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, relativos aos incentivos fiscais, esta última não apresenta uma argumentação sem levantar dúvidas. Alega que se houver violação da Lei esta tem de ser atribuída ao legislador original do Código do IMI. Ou seja, com a sua proposta de agravamento do IMI, corre o risco de estar a corroborar uma possível violação da Lei, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República.

A Comissão confunde incentivo fiscal, expresso na Lei de Bases, com agravamento fiscal. Confunde igualmente uma medida de cariz fiscal com matéria de registo predial, quando se justifica com a necessidade de colocar um travão ao fracionamento da propriedade rústica. Efetivamente, deverá ser em sede de registo predial que se deverão adotar medidas que impeçam o registo de prédios rústicos abaixo de uma determinada área.


2 - Da análise da Acréscimo da viabilidade político-estratégica das propostas da Comissão:

As propostas da Comissão em matéria de florestas e da atividade florestal estão vitimadas por várias inconsistências.

1)     Se o projeto de Reforma da Fiscalidade Verde tem subjacente o “princípio da neutralidade fiscal”, importa pois consubstanciar esse princípio, tendo explícito o que acresce em receita para definir o que a pode neutralizar. Ora aqui, na estimativa do impacto das medidas relativas às florestas, a Comissão manifestou-se incapaz de indicar uma estimativa financeira para o agravamento do IMI que propõe. Com certeza, será dificilmente justificável para o Governo adotar propostas que configurem um aumento de tributação de não sei quanto, para poder neutralizar com não sei o quê;

2)     Ao contrário da estratégia defendida pelo Ministério da Administração Interna, com a transferência das competências de fiscalização ao cumprimento das operações de limpeza de matos em faixas de contenção, das Autarquias para as Forças de Segurança, a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde vem agora em contraciclo propor o reforço das competências das Autarquias para a definição do agravamento das taxas do IMI em terrenos que se venham a considerar “abandonados”. Ora, é sabido da dificuldade das Autarquias em conseguir concretizar tais competências, sobretudo por falta de um instrumento básico, a identificação clara dos sujeitos passivos da medida agora proposta (cadastro ou parcelário). Ao adotar estas propostas o Governo entraria em contradição estratégica;

3)     As Câmaras Municipais, tendo em conta as dificuldades já evidenciadas em matéria de cumprimento de medidas mínimas de silvicultura preventiva, propuseram que a atribuição das competências para estabelecer o agravamento das taxas de IMI, em terrenos ditos “abandonados”, fosse delegado nas Juntas de Freguesia, situação que a Comissão acolheu. Ora, não será difícil de antever que, face ao histórico, se os instrumentos disponíveis para as Câmaras Municipais já impediam a sua intervenção em prédios rústicos com superfícies florestais ou com matos, muito menos condições terão as Juntas de Freguesia para intervir, a menos que sejam dotadas de reforços em recursos técnicos e financeiros. Pior ainda, no processo de união de Freguesias, o aumento de área e, consequentemente, de responsabilidades não foi acompanhado de um reforço acrescido de meios. O risco de incumprimento é elevadíssimo. A ocorrer fragiliza gravemente o Estado.


Afigura-se pois de elevado risco político a concretização pelo Governo das medidas propostas pela Comissão com incidência nas florestas. Tais propostas assentam claramente num conhecimento superficial do tema.


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