sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A aposta inconsistente no fomento florestal - O DL 96/2013 e as Medidas Florestais do PRD 2014/2020

A Acréscimo confessa ter um problema conceptual na análise ao Decreto-lei n.º 96/2013 ou à proposta para as Medidas Florestas a integrar o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2014/2020, a cofinanciar no âmbito da nova Política Agrícola Comum (PAC).

O problema decorre da dificuldade encontrar justificativos para a priorização política no fomento florestal (nas arborizações e rearborizações) em claro detrimento da revitalização dos negócios silvo-ambientais. Revitalização que, em nosso entender passa pelo acompanhamento dos mercados, pela redefinição de estratégias ao nível da pesquisa científica, bem como do reforço da componente de transmissão, de operacionalização e de avaliação do conhecimento produzido (extensão).

Quanto à priorização do fomento florestal, sugerimos os seguintes contratempos:


- A NÍVEL ESTRATÉGICO

Em termos genéricos, o País desenvolveu um esforço ímpar nos últimos 25 anos em fomento florestal, a maioria do qual desenvolvido com financiamento público. Ou seja, com a injeção de centenas de milhões de Euros dos contribuintes em ações de arborização e rearborização.

Embora a cultura do eucalipto não tenha sido objeto de apoio financeiro público, cofinanciados pela PAC, a indústria de pasta e papel tem beneficiado de protecionismo do Estado, quer através da atribuição de benefícios fiscais e de subsídios à cogeração, quer através da ausência do Estado no acompanhamento dos mercados florestais, ou mesmo ao nível da decisão política em conter a concorrência de outros players ou de negócios associados à espécie.

Todavia, apesar do esforço público e privado em fomento florestal, do ponto de vista económico, social e ambiental, não se nos afiguram reunidas as condições de controlo dos riscos do investimento, que justifiquem a persistência nesta aposta.

Comecemos pelas consequências.

Para além do impacto ao nível dos incêndios florestais, nos últimos anos, a este risco abiótico, juntam-se a proliferação descontrolada de riscos bióticos, das pragas e doenças.

Ao nível dos incêndios florestais, o panorama é conhecido.


(Fonte: ICNF, dados reportados a 15/10/2013)

Pela ausência de tendência, pode atestar-se a manifesta incapacidade no controlo deste risco do investimento florestal.

No contexto do sul da Europa, apesar de Portugal deter apenas 6% da área florestal do conjunto dos países desta região, o mesmo foi responsável, entre 2000 e 2009, por 35% da área ardida.


(Fonte: AFN, citado em “A Fileira Florestal: Um cruzamento estratégico”, BES/ESR, 2011)

São conhecidas as regiões, do território continental, onde o fenómeno produz mais impactos. Estes estão associados a regiões de minifúndio.



ÁREA ARDIDA 1975/2008

(Fonte: Paulo Fernandes, CIFAP/UTAD, 2009)

Várias entidades quantificaram as perdas económicas e financeiras associadas a este risco abiótico do investimento florestal.

De acordo com a estimativa “simplificada” do Manifesto Pela Floresta Contra a Crise (Expresso, Economia, ed. 10/11/2012), que reúne como subscritores um ex-Presidente da República, ex-ministros e ex-secretários de Estado, de diferentes quadrantes políticos, o prejuízo anual decorrente dos incêndios florestais, que só serão atenuados por mecanismos de defesa associados à redução do risco do negócio florestal, é superior a 1.000 milhões de euros.

Por outro lado, a Plataforma para o Crescimento Sustentável, no seu Relatório para o Crescimento Sustentável: uma visão pós-troika, publicado em dezembro de 2012, alerta para o facto de, só na última década (pág. 122), terem sido emitidas mais de 2,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2 eq.), desperdiçando-se mais do que o equivalente a 5,7 milhões de barris de petróleo(estudos científicos desenvolvidos pelo ISA/UTL e pela UTAD estimam valores de emissões 10 vezes superiores aos apontados no Relatório).

São igualmente conhecidos os fatores que estão na base a esta catástrofe estival em Portugal. Centremo-nos no que está diretamente associado à propagação.

Passemos então ao efeito.

É comumente associado o impacto da propagação dos incêndios florestais à gestão florestal, ou melhor à sua minimização ou ausência, o que não deixa de ser em si um modelo de gestão.

A gestão florestal foi inicialmente definida como a aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos florestais na administração de uma propriedade florestal (SAF, 1958). Mais recentemente, foram introduzidas na definição as preocupações com a sustentabilidade dos ecossistemas.

A concretização da administração de uma área florestal privada (98% da floresta nacional) pressupõe a existência de capacidade financeira, ou seja, que o ato produtivo gere receitas que a permitam custear. Sendo nulas ou residuais as expetativas do negócio, assim o modelo de gestão será ajustado.

Finalmente, a causa.

De acordo com o diagnóstico do INE, na publicação das Contas Económicas da Silvicultura, a atividade florestal ou silvicultura (excluída portanto a componente industrial) evidenciou um declínio progressivo na última década.

Essa evidência pode ser traduzida na análise do Rendimento Empresarial Líquido.


(Fonte: INE/CES 2010. Lisboa, 2012)

Por seu lado, no mesmo período, registou-se o aumento dos consumos intermédios, associado principalmente ao aumento dos custos da energia e dos combustíveis.


A análise pode contudo ir mais além em termos temporais. Expresso na Estratégia Nacional para as Florestas, a evolução dos preços parece traduzir uma prolongada degradação da atividade.

PREÇOS À PORTA DA FÁBRICA
(Fonte: DGRF/ENF, 2006)

O peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura face ao VAB nacional, é um espelho do declínio. Tendo em conta apenas os valores registados para este rácio em 1990 (com 1,2%), 2000 (com 0,8%) e 2010 (com 0,4%), fica evidente a queda de aproximadamente 67%.


(Fonte: INE, Contas Económicas da Silvicultura)

Todavia, não é só a floresta a perdedora. Na análise ao peso do setor no PIB, nos anos de 2000 (com 3,0%), 2005 (com 2,2%) e 2010 (com 1,7%), fica evidente um decréscimo acentuado também na indústria (em particular nas PME).


(Fonte: GPP/MAMAOT, 2012)

Desta forma, pode-se concluir que a uma causa (nula ou residual expetativa de negócio), está associado um efeito (gestão florestal minimalista ou de abandono), tendo por consequência um significativo risco para o fomento florestal.

Se às potenciais ações de arborização e rearborização, com financiamento público ou exclusivamente privado, não estiverem vinculadas garantias de uma gestão florestal eficiente e eficaz, onde a componente de defesa está necessariamente integrada, os riscos decorrentes transcendem os proprietários florestais, alargam-se às populações rurais e a todos os cidadãos. Isto não só no plano económico, mas também nos planos ambiental e social. Importa mencionar que a situação é independente da espécie de produção lenhosa, mas agrava-se com o regime de propriedade, em particular nas regiões de minifúndio.


- A NÍVEL TÁTICO

Do ponto de vista financeiro, face à atual situação de crise do País, faz todo o sentido a aposta nas exportações. A esse nível, o sector silvo-industrial, apesar dos graves desequilíbrios internos, ao nível das relações comerciais, tem produzido resposta à altura das necessidades. Em todo o caso, essa resposta não nos parece sustentada e sustentável no tempo, isto devido ao mencionado progressivo declínio da atividade silvícola, o que poderá implicar na necessidade de reforço das importações, com as perdas financeiras daí decorrentes.

Face à necessidade de garantir e reforçar as exportações no curto prazo, pareceria mais lógica uma aposta política no abastecimento, a curto e médio prazo, à indústria de base florestal, ou seja, uma aposta determinada na metade final do ciclo florestal (semicírculo da esquerda), isto é, na gestão dos povoamentos em fase avançada de desenvolvimento, fomentando as operações silvícolas que permitam a sua proteção (contra os agentes abióticos, mas também contra os bióticos) e a potencial melhoria das produtividades e qualidade dos bens silvícolas produzidos em tais povoamentos.


Todavia, não será difícil constatar a ausência de resultados visíveis nesta segunda fase do ciclo florestal. Os agentes abióticos manifestam-se mais dependentes das condições meteorológicas do que de outros quaisquer fatores. Os agentes bióticos continuam em fase crescente de manifestação pelo território nacional.


  
- A NÍVEL OPERACIONAL

Registamos desde maio de 2012 uma forte interseção entre os interesses financeiros de uma empresa da indústria papeleira e a estratégia de priorização do fomento florestal por parte do Ministério da Agricultura.


Temos ainda em conta os anúncios de investimento dessa mesma empresa, com caráter errático, já que iniciaram pelo Brasil, depois em Portugal e, mais recentemente, em Moçambique.

Importa ter presente que, priorizamos o território às exportações, o primeiro por questões estruturais, com impacto não só no curto, mas sobretudo no médio e no longo prazo sobre as exportações.

É certo que, a indústria papeleira tem um forte pendor nas exportações, mais do que a indústria corticeira, todavia menos do que a indústria de madeiras e mobiliário. Sendo que esta terceira, bem como a primeira, são mais representativas ao nível do emprego, com forte impacto ao nível do emprego em meio rural, sendo assim setores mais mais propícios ao combate ao êxodo rural.


2 comentários:

  1. Em menos de 11 meses, a área de floresta certificada em Portugal chegou aos 335 mil hectares, com um aumento de 6,4% face a Dezembro de 2012. Os números são da FSC - Forest Stewardship Council.

    http://economico.sapo.pt/noticias/area-florestal-certificada-cresce-64-em-dez-meses_182080.html

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  2. A aposta na certificação da gestão florestal insere-se numa lógica de valorização dos recursos naturais, no bem estar das populações e no rendimento.

    Apesar de algumas dúvidas sobre a certificação de áreas geridas por grandes players industriais (já publicamente manifestada), a aposta na certificação coaduna-se com o conceito de desenvolvimento sustentável, podendo ainda alargar-se aos princípios de responsabilidade social, tal qual defendemos.

    Por isso questionamos a aposta do governo no fomento de mais floresta, sobretudo em minifúndio, sem garantias básicas para uma adequada gestão subsequente dos povoamentos constituídos (preferencialmente certificados), seja ao nível do acompanhamento dos mercados (face à situação de concorrência imperfeita), seja ao nível da assistência técnica (extensão), seja a nível da investigação aplicada.

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