A Acréscimo confessa ter um problema conceptual na
análise ao Decreto-lei n.º 96/2013 ou à proposta para as Medidas Florestas a
integrar o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2014/2020, a cofinanciar no
âmbito da nova Política Agrícola Comum (PAC).
O problema decorre da dificuldade encontrar
justificativos para a priorização política no fomento florestal (nas
arborizações e rearborizações) em claro detrimento da revitalização dos
negócios silvo-ambientais. Revitalização que, em nosso entender passa pelo
acompanhamento dos mercados, pela redefinição de estratégias ao nível da
pesquisa científica, bem como do reforço da componente de transmissão, de operacionalização
e de avaliação do conhecimento produzido (extensão).
Quanto à priorização do fomento florestal, sugerimos os
seguintes contratempos:
- A NÍVEL ESTRATÉGICO
Em termos genéricos, o País desenvolveu um esforço ímpar
nos últimos 25 anos em fomento florestal, a maioria do qual desenvolvido com
financiamento público. Ou seja, com a injeção de centenas de milhões de Euros
dos contribuintes em ações de arborização e rearborização.
Embora a cultura do eucalipto não tenha sido objeto de
apoio financeiro público, cofinanciados pela PAC, a indústria de pasta e papel
tem beneficiado de protecionismo do Estado, quer através da atribuição de
benefícios fiscais e de subsídios à cogeração, quer através da ausência do
Estado no acompanhamento dos mercados florestais, ou mesmo ao nível da decisão
política em conter a concorrência de outros players ou de negócios
associados à espécie.
Todavia, apesar do esforço público e privado em fomento
florestal, do ponto de vista económico, social e ambiental, não se nos afiguram
reunidas as condições de controlo dos riscos do investimento, que justifiquem a
persistência nesta aposta.
Comecemos pelas consequências.
Para além do impacto ao nível dos incêndios florestais,
nos últimos anos, a este risco abiótico, juntam-se a proliferação descontrolada
de riscos bióticos, das pragas e doenças.
Ao nível dos incêndios florestais, o panorama é
conhecido.
(Fonte: ICNF, dados reportados a
15/10/2013)
Pela ausência de tendência, pode atestar-se a manifesta
incapacidade no controlo deste risco do investimento florestal.
No contexto do sul da Europa, apesar de Portugal deter
apenas 6% da área florestal do conjunto dos países desta região, o mesmo foi
responsável, entre 2000 e 2009, por 35% da área ardida.
(Fonte: AFN, citado em “A Fileira
Florestal: Um cruzamento estratégico”, BES/ESR, 2011)
São conhecidas as regiões, do território continental,
onde o fenómeno produz mais impactos. Estes estão associados a regiões de
minifúndio.
ÁREA ARDIDA 1975/2008
(Fonte: Paulo Fernandes, CIFAP/UTAD,
2009)
Várias entidades quantificaram as perdas económicas e
financeiras associadas a este risco abiótico do investimento florestal.
De acordo com a estimativa
“simplificada” do Manifesto Pela Floresta Contra a Crise (Expresso, Economia,
ed. 10/11/2012), que reúne como subscritores um ex-Presidente da República,
ex-ministros e ex-secretários de Estado, de diferentes quadrantes políticos, o
prejuízo anual decorrente dos incêndios florestais, que só serão atenuados por
mecanismos de defesa associados à redução do risco do negócio florestal, é
superior a 1.000 milhões de euros.
Por outro lado, a Plataforma para o
Crescimento Sustentável, no seu Relatório para o Crescimento Sustentável: uma
visão pós-troika, publicado em dezembro de 2012, alerta para o facto de, só na
última década (pág. 122), terem sido emitidas mais de 2,4 milhões de
toneladas de dióxido de carbono (CO2 eq.), desperdiçando-se
mais do que o equivalente a 5,7 milhões de barris de petróleo(estudos
científicos desenvolvidos pelo ISA/UTL e pela UTAD estimam valores de
emissões 10 vezes superiores aos apontados no Relatório).
São igualmente conhecidos os fatores que estão na base a
esta catástrofe estival em Portugal. Centremo-nos no que está diretamente
associado à propagação.
Passemos então ao efeito.
É comumente associado o impacto da propagação dos
incêndios florestais à gestão florestal, ou melhor à sua minimização ou
ausência, o que não deixa de ser em si um modelo de gestão.
A gestão florestal foi inicialmente definida como a
aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos florestais na
administração de uma propriedade florestal (SAF, 1958). Mais recentemente,
foram introduzidas na definição as preocupações com a sustentabilidade dos
ecossistemas.
A concretização da administração de uma área florestal
privada (98% da floresta nacional) pressupõe a existência de capacidade
financeira, ou seja, que o ato produtivo gere receitas que a permitam custear.
Sendo nulas ou residuais as expetativas do negócio, assim o modelo de gestão
será ajustado.
Finalmente, a causa.
De acordo com o diagnóstico do INE, na publicação das
Contas Económicas da Silvicultura, a atividade florestal ou silvicultura (excluída
portanto a componente industrial) evidenciou um declínio progressivo na última
década.
Essa evidência pode ser traduzida na análise do
Rendimento Empresarial Líquido.
(Fonte: INE/CES 2010. Lisboa, 2012)
Por seu lado, no mesmo período, registou-se o aumento dos
consumos intermédios, associado principalmente ao aumento dos custos da energia
e dos combustíveis.
A análise pode contudo ir mais além em termos temporais.
Expresso na Estratégia Nacional para as Florestas, a evolução dos preços parece
traduzir uma prolongada degradação da atividade.
PREÇOS À PORTA DA FÁBRICA
(Fonte: DGRF/ENF, 2006)
O peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura
face ao VAB nacional, é um espelho do declínio. Tendo em conta apenas os
valores registados para este rácio em 1990 (com 1,2%), 2000 (com 0,8%) e 2010
(com 0,4%), fica evidente a queda de aproximadamente 67%.
(Fonte: INE, Contas Económicas da
Silvicultura)
Todavia, não é só a floresta a perdedora. Na análise ao
peso do setor no PIB, nos anos de 2000 (com 3,0%), 2005 (com 2,2%) e 2010 (com 1,7%),
fica evidente um decréscimo acentuado também na indústria (em particular nas
PME).
(Fonte: GPP/MAMAOT, 2012)
Desta forma, pode-se concluir que a uma causa (nula ou
residual expetativa de negócio), está associado um efeito (gestão florestal
minimalista ou de abandono), tendo por consequência um significativo risco para
o fomento florestal.
Se às potenciais ações de arborização e rearborização,
com financiamento público ou exclusivamente privado, não estiverem vinculadas
garantias de uma gestão florestal eficiente e eficaz, onde a componente de
defesa está necessariamente integrada, os riscos decorrentes transcendem os
proprietários florestais, alargam-se às populações rurais e a todos os
cidadãos. Isto não só no plano económico, mas também nos planos ambiental e
social. Importa mencionar que a situação é independente da espécie de produção
lenhosa, mas agrava-se com o regime de propriedade, em particular nas regiões
de minifúndio.
- A NÍVEL TÁTICO
Do ponto de vista financeiro, face à atual situação de
crise do País, faz todo o sentido a aposta nas exportações. A esse nível, o
sector silvo-industrial, apesar dos graves desequilíbrios internos, ao nível
das relações comerciais, tem produzido resposta à altura das necessidades. Em
todo o caso, essa resposta não nos parece sustentada e sustentável no tempo,
isto devido ao mencionado progressivo declínio da atividade silvícola, o que
poderá implicar na necessidade de reforço das importações, com as perdas
financeiras daí decorrentes.
Face à necessidade de garantir e reforçar as exportações
no curto prazo, pareceria mais lógica uma aposta política no abastecimento, a
curto e médio prazo, à indústria de base florestal, ou seja, uma aposta
determinada na metade final do ciclo florestal (semicírculo da esquerda), isto
é, na gestão dos povoamentos em fase avançada de desenvolvimento, fomentando as
operações silvícolas que permitam a sua proteção (contra os agentes abióticos,
mas também contra os bióticos) e a potencial melhoria das produtividades e
qualidade dos bens silvícolas produzidos em tais povoamentos.
Todavia, não será difícil constatar a ausência de
resultados visíveis nesta segunda fase do ciclo florestal. Os agentes abióticos
manifestam-se mais dependentes das condições meteorológicas do que de outros
quaisquer fatores. Os agentes bióticos continuam em fase crescente de manifestação
pelo território nacional.
- A NÍVEL OPERACIONAL
Registamos desde maio de 2012 uma forte interseção entre
os interesses financeiros de uma empresa da indústria papeleira e a estratégia
de priorização do fomento florestal por parte do Ministério da Agricultura.
Temos ainda em conta os anúncios de investimento dessa
mesma empresa, com caráter errático, já que iniciaram pelo Brasil, depois em
Portugal e, mais recentemente, em Moçambique.
Importa ter presente que, priorizamos o território às
exportações, o primeiro por questões estruturais, com impacto não só no curto,
mas sobretudo no médio e no longo prazo sobre as exportações.
É certo que, a indústria papeleira tem um forte pendor
nas exportações, mais do que a indústria corticeira, todavia menos do que a
indústria de madeiras e mobiliário. Sendo que esta terceira, bem como a
primeira, são mais representativas ao nível do emprego, com forte impacto ao
nível do emprego em meio rural, sendo assim setores mais mais propícios ao
combate ao êxodo rural.
Em menos de 11 meses, a área de floresta certificada em Portugal chegou aos 335 mil hectares, com um aumento de 6,4% face a Dezembro de 2012. Os números são da FSC - Forest Stewardship Council.
ResponderEliminarhttp://economico.sapo.pt/noticias/area-florestal-certificada-cresce-64-em-dez-meses_182080.html
A aposta na certificação da gestão florestal insere-se numa lógica de valorização dos recursos naturais, no bem estar das populações e no rendimento.
ResponderEliminarApesar de algumas dúvidas sobre a certificação de áreas geridas por grandes players industriais (já publicamente manifestada), a aposta na certificação coaduna-se com o conceito de desenvolvimento sustentável, podendo ainda alargar-se aos princípios de responsabilidade social, tal qual defendemos.
Por isso questionamos a aposta do governo no fomento de mais floresta, sobretudo em minifúndio, sem garantias básicas para uma adequada gestão subsequente dos povoamentos constituídos (preferencialmente certificados), seja ao nível do acompanhamento dos mercados (face à situação de concorrência imperfeita), seja ao nível da assistência técnica (extensão), seja a nível da investigação aplicada.