sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Carta Aberta à Ministra da Agricultura e do Ambiente.



Exma. Senhora Ministra,

Em simultâneo ao anúncio noticioso do grupo Portucel, em maio último, onde se menciona que a empresa faz depender um investimento de 2 mil milhões de euros (anúncio similar havia sido antes publicado, mas no Brasil), com a criação de 15 mil postos de trabalho, de 40 mil hectares de eucaliptal, o Ministério coloca à discussão pública uma proposta de alteração legislativa às ações de (re)florestação com espécies de rápido crescimento, onde tem expressão incontestada o eucalipto. Porventura tratar-se-à de uma estranha coincidência, ou talvez não, aspeto que, em nome da transparência e da independência do Estado face a interesses acionistas, importa esclarecer. Reconhecendo que o grupo Portucel exporta 95% da sua produção, que representa 3% das exportações portuguesas de bens e quase 1% do PIB, também é certo que, só em 2010 e 2011, recebeu do Estado cerca de 50 milhões de euros em benefícios fiscais, não tendo a Acréscimo, até ao momento, obtido dados sobre os montantes e a avaliação da utilização de fundos públicos por este grupo empresarial, antes e após a privatização.

Tendo o eucalipto lugar nos espaços florestais nacionais e assumida a concordância quanto à necessidade de simplificação de procedimentos burocráticos, a proposta como apresentada pelo Ministério merece-nos as maiores reservas, sinteticamente distribuídas pelas cinco vogais:

Avulsa – A proposta do MAMAOT respeita apenas ao início do ciclo de produção florestal. Então, quais as garantias de que os povoamentos criados vão chegar ao final do seu ciclo (ao fim de 12-15 anos)? Ou seja, quem garante que está mitigado o risco de arder por falta de adequada gestão florestal?

Extemporânea – Estando em avaliação a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), faz sentido moldar uma peça do puzzle, quando todo o puzzle está em análise? Mais, se o resultado desta avaliação está anunciado, pelo Ministério, para o o tempo presente (setembro/outubro), porque surge antes uma proposta pontual, logo em maio.

Irresponsável – Sem garantia (contratualizada) de subsequente gestão florestal, toda e qualquer (re)florestação tem um risco acrescido de incêndio florestal, logo potenciador da perda de bens pelo próprio responsável pela (re)arborização, mas também e fundamentalmente os de terceiros, de toda a Sociedade pelo impacto dos incêndios ao nível dos solos, da água e das violentas emissões de carbono, bem como na perda de dinheiros públicos (concretamente no combate), hoje tão escassos. Ora, os eucaliptais tem um elevado risco de combustibilidade, são fortes candidatos, quando não geridos, a promover a “indústria do fogo”.

Opaca – Se a intenção que está na base da proposta é o reforço das exportações, fator fundamental para a alavancagem da economia nacional, importa esclarecer que eventuais arborizações a partir de 2013, só disponibilizarão rolaria de madeira para pasta celulósica e papel a partir de 2025 e 2028, altura em que se espera que o País já não esteja sob resgate internacional. Pressupõe-se assim que a arborização com eucalipto não dará resposta atempada à atual crise. Mas, a beneficiação dos eucaliptais existentes, visando um sustentável aumento da produtividade (onde a atual média nacional não evolui desde 1928, situando-se nos 10 metros cúbicos por hectare e por ano), já poderá produzir resposta favorável no curto e médio prazo. Porque não esta via? Haverá algo mais em jogo?

Unidirecional – Face ao carácter específico da iniciativa legislativa, independentemente da intenção, propositada ou não, do Ministério, o facto é que a sua iniciativa favorece única e incompreensivelmente uma fileira do setor florestal, subestimando as demais, designadamente a da cortiça e a da madeira e mobiliário.

Sendo comprovado que no setor florestal predominam relações win-lose, visíveis nas estatísticas do INE, com evidente monopólio (ou oligopólio) industrial, a proposta legislativa do Ministério não acautela os interesses de quem menciona querer “livrar” da atual carga burocrática, os agricultores e proprietários florestais. Ou seja, ao contrário do que ocorreu na Campanha do Trigo, de 1938, agora o Ministério não disponibiliza apoio à gestão florestal, nem acautela um justo acesso aos mercados por parte dos potenciais produtores de eucalipto. Evidencia-se sim uma resposta a anunciados interesses da indústria (conforme notícia no Jornal I, de 15 de maio último), sem salvaguardar a Lavoura (apesar das manifestações políticas do CDS-PP serem a favor da defesa desta última). Anunciada a PARCA para o setor agroalimentar, o Ministério abstém-se de responsabilidades na regulação dos mercados de produtos florestais, apesar das múltiplas evidências de concorrência imperfeita.

Outros aspetos fundamentais para o setor florestal, apesar de constarem no programa do Governo, têm sido pouco evidentes quanto à sua concretização. A realização e atualização do cadastro rústico é um desses aspetos. Como tem sido apanágio no passado, estará aqui o Ministério também a encanar a perna à rã?

Quanto á Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), a respetiva avaliação tem registado uma morosidade do tipo “obra de Santa Engrácia”. Será propositada? Espera-se que tal não sirva de justificação a mais iniciativas avulsas, extemporâneas, irresponsáveis, opacas e unidirecionais. A avaliação da EFN é fundamental para o planeamento da utilização dos fundos da PAC 2014/2020, bem como do Fundo Florestal Permanente, evitando assim os maus exemplos do passado e a perda de milhões de euros.

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