Exma. Senhora
Ministra,
Em simultâneo ao anúncio
noticioso do grupo Portucel, em maio último, onde se menciona que a empresa faz
depender um investimento de 2 mil milhões de euros (anúncio similar havia sido antes
publicado, mas no Brasil), com a criação de 15 mil postos de trabalho, de 40
mil hectares de eucaliptal, o Ministério coloca à discussão pública uma
proposta de alteração legislativa às ações de (re)florestação com espécies de
rápido crescimento, onde tem expressão incontestada o eucalipto. Porventura
tratar-se-à de uma estranha coincidência, ou talvez não, aspeto que, em nome da
transparência e da independência do Estado face a interesses acionistas,
importa esclarecer. Reconhecendo que o grupo Portucel exporta 95% da sua
produção, que representa 3% das exportações portuguesas de bens e quase 1% do
PIB, também é certo que, só em 2010 e 2011, recebeu do Estado cerca de 50
milhões de euros em benefícios fiscais, não tendo a Acréscimo, até ao momento,
obtido dados sobre os montantes e a avaliação da utilização de fundos públicos por
este grupo empresarial, antes e após a privatização.
Tendo o eucalipto
lugar nos espaços florestais nacionais e assumida a concordância quanto à
necessidade de simplificação de procedimentos burocráticos, a proposta como apresentada
pelo Ministério merece-nos as maiores reservas, sinteticamente distribuídas pelas
cinco vogais:
Avulsa – A proposta do MAMAOT respeita apenas
ao início do ciclo de produção florestal. Então, quais as garantias de que os
povoamentos criados vão chegar ao final do seu ciclo (ao fim de 12-15 anos)? Ou
seja, quem garante que está mitigado o risco de arder por falta de adequada
gestão florestal?
Extemporânea – Estando
em avaliação a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), faz sentido moldar
uma peça do puzzle, quando todo o puzzle está em análise? Mais, se o resultado
desta avaliação está anunciado, pelo Ministério, para o o tempo presente
(setembro/outubro), porque surge antes uma proposta pontual, logo em maio.
Irresponsável – Sem
garantia (contratualizada) de subsequente gestão florestal, toda e qualquer
(re)florestação tem um risco acrescido de incêndio florestal, logo potenciador
da perda de bens pelo próprio responsável pela (re)arborização, mas também e
fundamentalmente os de terceiros, de toda a Sociedade pelo impacto dos
incêndios ao nível dos solos, da água e das violentas emissões de carbono, bem
como na perda de dinheiros públicos (concretamente no combate), hoje tão
escassos. Ora, os eucaliptais tem um elevado risco de combustibilidade, são
fortes candidatos, quando não geridos, a promover a “indústria do fogo”.
Opaca – Se a intenção
que está na base da proposta é o reforço das exportações, fator fundamental
para a alavancagem da economia nacional, importa esclarecer que eventuais
arborizações a partir de 2013, só disponibilizarão rolaria de madeira para
pasta celulósica e papel a partir de 2025 e 2028, altura em que se espera que o
País já não esteja sob resgate internacional. Pressupõe-se assim que a
arborização com eucalipto não dará resposta atempada à atual crise. Mas, a
beneficiação dos eucaliptais existentes, visando um sustentável aumento da produtividade
(onde a atual média nacional não evolui desde 1928, situando-se nos 10 metros
cúbicos por hectare e por ano), já poderá produzir resposta favorável no curto
e médio prazo. Porque não esta via? Haverá algo mais em jogo?
Unidirecional – Face ao
carácter específico da iniciativa legislativa, independentemente da intenção,
propositada ou não, do Ministério, o facto é que a sua iniciativa favorece
única e incompreensivelmente uma fileira do setor florestal, subestimando as
demais, designadamente a da cortiça e a da madeira e mobiliário.
Sendo comprovado que
no setor florestal predominam relações win-lose, visíveis nas
estatísticas do INE, com evidente monopólio (ou oligopólio) industrial, a
proposta legislativa do Ministério não acautela os interesses de quem menciona
querer “livrar” da atual carga burocrática, os agricultores e proprietários
florestais. Ou seja, ao contrário do que ocorreu na Campanha do Trigo, de 1938,
agora o Ministério não disponibiliza apoio à gestão florestal, nem acautela um
justo acesso aos mercados por parte dos potenciais produtores de eucalipto.
Evidencia-se sim uma resposta a anunciados interesses da indústria (conforme
notícia no Jornal I, de 15 de maio último), sem salvaguardar a Lavoura (apesar
das manifestações políticas do CDS-PP serem a favor da defesa desta última).
Anunciada a PARCA para o setor agroalimentar, o Ministério abstém-se de
responsabilidades na regulação dos mercados de produtos florestais, apesar das múltiplas
evidências de concorrência imperfeita.
Outros aspetos
fundamentais para o setor florestal, apesar de constarem no programa do
Governo, têm sido pouco evidentes quanto à sua concretização. A realização e
atualização do cadastro rústico é um desses aspetos. Como tem sido apanágio no
passado, estará aqui o Ministério também a encanar a perna à rã?
Quanto á Estratégia
Nacional para as Florestas (ENF), a respetiva avaliação tem registado uma
morosidade do tipo “obra de Santa Engrácia”. Será propositada? Espera-se que
tal não sirva de justificação a mais iniciativas avulsas, extemporâneas,
irresponsáveis, opacas e unidirecionais. A avaliação da EFN é fundamental para
o planeamento da utilização dos fundos da PAC 2014/2020, bem como do Fundo
Florestal Permanente, evitando assim os maus exemplos do passado e a perda de
milhões de euros.
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