segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Ano novo, velhos vícios: Governo cede às celuloses e ameaça com a ocupação de propriedade rústica familiar


O final de 2019 revelou as intenções do Governo de abdicar da criação de uma taxa sobre as celuloses e de elaborar um projeto de lei para permitir a ocupação de propriedade privada sob o pretexto de “arrendamento compulsivo”.

Depois da decisão em Conselho de Ministro e da necessária autorização legislativa de 2019, na proposta de Orçamento para 2020, o Governo deixa cair a criação da “contribuição especial para a floresta” a incidir sobre a indústria.

A indústria florestal em geral e a de celulose em particular tem forte responsabilidade na atual situação dos espaços florestais em Portugal. As celuloses estão na base da enorme epidemia de eucaliptos que prolifera pelo país. Uma epidemia de plantações ao abandono, fonte de propagação de incêndios e de proliferação de pragas e doenças. A influência sobre as governações para fomento da oferta, enquanto pressionam os preços da matéria prima em baixa, fruto de mercados a funcionar em concorrência imperfeita, é gerador da quebra de expectativas na produção e do subsequente abandono da gestão de parte muito significativa do território. Essa parte significativa ultrapassa 2/3 da atual área ocupada por eucalipto. Um barril pronto a explodir. Desta forma, a indústria tem de ser chamada a corrigir os desequilíbrios que causou no território, bem como nos mercados.

Importa ainda ter em conta que a indústria florestal tem usufruído, a cada ano, de muito generosos benefícios fiscais atribuídos pelo Estado. As celuloses assumem neste domínio um lugar muito privilegiado, aparecendo geralmente em lugar de destaque, logo após as entidades do sector energético.

Para além da taxa de resgate do território sob epidemia, a Acréscimo defende ainda o contributo da indústria para o funcionamento de uma entidade reguladora, face ao funcionamento dos mercados em concorrência imperfeita. Tal contributo não é original, já vigorou entre 1972 e 1989. A extinção da entidade reguladora favoreceu a indústria, mas prejudica o território e as suas populações.

Ao mesmo tempo que prescinde da intervenção da indústria no resgate ao território florestal sob abandono, o Governo ameaça a produção com “arrendamento compulsivo” da propriedade rústica.

A dupla penalização sobre a produção, por um lado pelos mercados a funcionar em concorrência imperfeita, com preços impostos unilateralmente pela procura industrial, por outro com a ameaça de ocupação das propriedades rústicas por este facto penalizadas, é socialmente inaceitável.

De facto, o território florestal necessita urgentemente de resgate, sob pena de vivenciarmos um novo 2017 ou situação similar à que ocorre atualmente na Austrália, mas, nesse resgate a indústria não pode ficar de fora, nem pode continuar a monopolizar os mercados. O Governo ao privilegiar a indústria prejudica a produção, mas vitimiza sobretudo o território e as suas populações.

Pior! Na sua responsabilidade de validar e autorizar investimentos florestais sem uma análise financeira, o Governo promove oferta de risco, com o fomento de catástrofes anunciadas. Certo é que a ausência de avaliação financeira desses licenciamentos favorece a indústria. O excesso de oferta permite-lhe manter uma estratégia de pagamento de preços em baixa.


Fica evidente a cedência do Governo aos “fortes” e a ameaça aos “fracos”. Os riscos desta cedência potenciam danos colaterais. Tais danos fazem-se sentir, de forma crescente, sobre o território e as suas populações. A epidemia de eucaliptal sem gestão ativa constitui um risco potenciador da propagação de incêndios e proliferação de pragas e doenças. Mais do que observar com enorme preocupação para os recentes acontecimentos na Austrália, há que ter presente que situação similar já teve lugar em território nacional e de que estão criadas as condições para se repetir, até com maior agressividade


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