A
coberto dos incêndios e dos designados “resíduos” florestais, há quem viabilize
a criação de negócios de queima de árvores para a produção de energia elétrica,
só lucrativos se suportados pelo esforço dos contribuintes.
Termina
hoje o período de consulta pública ao Plano Nacional Energia Clima 2021-2030 (PNEC 2030), sobre o
qual, no que respeita ao uso da biomassa para energia, a ACRÉSCIMO se pronuncia
publicamente.
Onde uns olham para os espaços arborizados como fonte de
combustível para queima, outros olham para esses espaços como instrumentos de
combate às alterações climáticas e de preservação da biodiversidade.
Onde uns olham para os sobrantes das operações silvícolas
como “resíduos” para queimar em centrais, outros olham para esses sobrantes
como fertilizantes orgânicos. Num caso e no outro, tais sobrantes devem ser
sujeitos a transformação mecânica para reduzir o risco da propagação de
incêndios, reduzindo-os a material lenhoso de pequena dimensão. Em todo o caso,
tais “resíduos”, para além dos avultados custos de remoção e transporte para
centrais, induzem grandes perdas energéticas e encargos operacionais face ao
elevado teor de material inorgânico (solo arrastado nessa remoção).
Curiosamente, nos parques de receção das centrais a biomassa e unidades de
produção de pellets vêem-se sobretudo troncos de árvores e não “resíduos”
florestais.
Onde uns observam os troncos de árvores como combustível
para a produção imediata de energia, outros olham-nas como matéria prima para a
indústria transformadora, em sistemas de produção em cascata: de produtos de mais
longo sequestro de carbono (mobiliário e madeira para construção), passando por
produtos compostos de fragmentos da madeira reutilizada, até um último degrau
de utilização de resíduos lenhosos industriais para produzir energia,
preferencialmente para autoconsumo no processo industrial.
Onde uns tentam iludir quanto à existência de um grande
potencial na biomassa existente em Portugal para a produção de energia, outros
constatam a inexistência de um Inventario Florestal Nacional atualizado que dê
suporte a tal ilusão. O último inventário concluído em Portugal data de 2005. O
Inventário Florestal Nacional realizado em 2010 não chegou a apresentar dados
públicos finais, designadamente no que respeita à biomassa disponível.
A evidência da escassez de matéria prima para queima (“resíduos”
e troncos) gera pressão sobre os decisões políticos para a instalação de
extensas áreas de monoculturas intensivas e superintensivas destinadas à
produção energética. Sejam culturas cerealíferas, sejam culturas arbóreas,
preferencialmente com recurso a rega. Tais áreas têm vindo a comprometer, em
várias regiões do mundo, incluindo na União Europeia, a soberania alimentar,
bem como a disponibilidade de água para consumo pelas famílias.
Em Portugal, com a escassez de bons solos para a produção
agroalimentar e perante longos (e, asseguram-nos, crescentes) períodos de seca,
a opção pela produção de energia através de culturas dedicadas pode ser todas as
classificações, menos a de renovável.
Há que ter em atenção que esta pressão pelas culturas
dedicadas pode ser a estratégia para viabilizar a reconversão de centrais hoje
a operar com carvão (de Sines e do Pego, em Abrantes) para a queima de árvores.
Na prática tratar-se-á de um retrocesso civilizacional a 1850, com acréscimo de
poluição atmosférica, num contexto de números significativamente distintos,
quer em termos de população nacional, quer em termos de consumo per capita.
A utilização do excesso de sobrantes das operações silvícolas
(limpezas intra e interespecíficas, desbastes, desramações e podas) como
biomassa para energia pode ser considerada em escala local e para a produção de
calor, no apoio a infraestruturas públicas e PME de valorização na transformação
e comercialização de produções locais.
Por último, sendo a indústria de bioenergia dependente do
financiamento público, tal financiamento induz distorções nos mercados, com
impacto na perda de postos de trabalho, designadamente nas indústrias que
recorrem à matéria prima lenhosa e não dispõe do mesmo nível de apoio. Em Portugal,
a perde de emprego na indústria de base florestal tem sido já muito
significativa, designadamente face aos incêndios, às pragas e às doenças que
vitimam aos espaços arborizados.
O recurso às árvores (existentes ou dedicadas) como
combustível só é viabilizado com o esforço financeiro dos cidadãos. O futuro
destes, sobretudo das novas gerações, está dependente da criação de espaços
florestais sustentáveis, que apoiem no combate às alterações climáticas e sejam
o suporte à preservação da biodiversidade. Somos, pois, chamados a assumir posição.
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