sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Os paradoxos associados aos apoios de Estado às centrais a biomassa florestal


O aval concedido pela Comissão Europeia ao Governo Português, de atribuição de financiamento público, através de tarifas de energia, durante 15 anos e no montante de 320 milhões de euros à instalação de centrais a biomassa merece-nos os mais profundos receios. Este apoio assenta em vários paradoxos.

O apoio público à utilização de biomassa para fins energéticos tem merecido a contestação em vários países, dentro e fora da União Europeia. A política europeia de utilização de biomassa florestal tem provocado uma enorme perda de coberto arbóreo na Rússia, no Canadá, nos Estados Unidos (da Virgínia à Florida) e inclusive em áreas de conservação da Natureza, da Rede Natura 2000, em Estados Membros. Para alem das populações, cresce o número de cientistas que apelam a Bruxelas para rever a sua política, a qual acusam de constituir um retrocesso a 1850.

A relação entre a queima de “resíduos” florestais e a redução do risco de incêndio foi já desmistificado por um relatório de 2013, elaborado pela Assembleia da República. Pelo contrário, as necessidades fabris de centrais de médio e grande porte (bem como por unidades de fabrico de pellets), associadas ao menor custo de aquisição da matéria prima, podem ser favorecidas pela ocorrência de incêndios florestais. Em todo o caso, o controlo de combustíveis nos espaços florestais e silvestres dispõe de alternativas à queima. Tais alternativas têm vantagens sociais relevantes e menor impacto ambiental, seja ao nível dos recursos naturais, solo incluído, seja em emissões atmosféricas. A haver financiamento público, que o mesmo seja canalizado directamente aos agricultores, produtores florestais e municípios de áreas críticas que optem por alternativas à queima de tais “resíduos”.


A relação entre a utilização da biomassa florestal residual e a promoção da gestão florestal sustentável é outro dos paradoxos. A intensificação do uso do solo pode ter impactos relevantes na diminuição do seu fundo de fertilidade, obrigando a uma posterior utilização de agro-químicos. Pior, a utilização de troncos de árvores, visíveis em vários parques de receção de matéria prima destas centrais, pode agravar uma já incontrolada situação de desflorestação (a uma média de 10 mil hectares por ano, desde 1990) e de avanço da desertificação.

A associação da utilização da biomassa florestal a um balanço de carbono nulo é outro dos paradoxos. A utilização de madeira decorrente de produções de ciclo curto em nada contribui para o sequestro de carbono. Sendo tais produções associadas ao regadio, o impacto ambiental pode associar ainda a sobre-exploração dos recursos hídricos, facto que pode ser muito relevante sobretudo em períodos cada vez mais prováveis de secas prolongadas.

Se associada a queima de biomassa à melhoria da qualidade de vida das populações rurais, estaremos perante um outro paradoxo. As emissões atmosféricas decorrentes da queima de madeira irão contribuir para o aumento da poluição junto de povoações rurais, podendo ter impacto num incontido êxodo rural.

Se o argumento passar pela diminuição da dependência energética de Portugal, há que lembrar que em outros Estados Membros a utilização da biomassa, concretamente de cultivos dedicados, para fins energéticos está associada a um aumento da dependência alimentar. Há que fazer escolhas!

O combate às alterações climáticas não passa pela queima de “resíduos” orgânicos, mas antes por alternativas que favoreçam a sua incorporação em sistemas produtivos que assegurem o sequestro de carbono, o aumento do fundo de fertilidade dos solos, a preservação dos recursos hídricos e contribuam para a fixação das populações rurais.

Os incêndios rurais não são a causa, mas a consequência de vários factores, entre eles o despovoamento e a continuidade horizontal de extensas plantações de árvores ao abandono. As centrais a biomassa de médio e grande porte em nada contribuem para atenuar tais causas. Muito pelo contrário, tendem a servir de substrato para a instalação de extensas monoculturas de espécies dedicadas a fins energéticos.

A capacidade industrial hoje instalada em Portugal, no que diz respeito à utilização de biomassa florestal residual já ultrapassa as disponibilidades. Mais unidades só farão sentido se de âmbito municipal ou inframunicipal, sobretudo ligadas à produção de energia térmica e para fins sociais.

Assim, há que questionar o Governo sobre o tipo de biomassa florestal a que respeitam os apoios de Estado, se inclui ou não culturas intensivas de espécies dedicadas a fins energéticos. Em causa pode estar o aumento da dependência alimentar de Portugal, bem como o equilíbrio dos ecossistemas nacionais.

Há ainda que questionar o Governo sobre a que tipo de centrais a biomassa pretende distribuir apoios de Estado. Se a centrais de médio e grande porte que agravem uma situação de despovoamento e desflorestação (que tem sido incapaz de controlar minimamente), ou a unidades de proximidade às populações, de até 3 MW, para apoio energético a zonas industriais municipais ou a equipamentos sociais.


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