O aval
concedido pela Comissão Europeia ao Governo Português, de atribuição de financiamento
público, através de tarifas de energia, durante 15 anos e no montante de 320
milhões de euros à instalação de centrais a biomassa merece-nos os mais
profundos receios. Este apoio assenta em vários paradoxos.
O
apoio público à utilização de biomassa para fins energéticos tem merecido a contestação
em vários países, dentro e fora da União Europeia. A política europeia de
utilização de biomassa florestal tem provocado uma enorme perda de coberto
arbóreo na Rússia, no
Canadá, nos Estados Unidos (da Virgínia
à Florida) e inclusive em áreas de conservação da Natureza, da Rede Natura 2000, em Estados
Membros. Para alem das populações, cresce o número de cientistas que apelam a
Bruxelas para rever a sua política, a qual acusam de constituir um retrocesso a
1850.
A relação entre a queima de “resíduos”
florestais e a redução do risco de incêndio foi já desmistificado por um relatório
de 2013, elaborado pela Assembleia da República. Pelo contrário, as
necessidades fabris de centrais de médio e grande porte (bem como por unidades
de fabrico de pellets), associadas ao
menor custo de aquisição da matéria prima, podem ser favorecidas pela ocorrência
de incêndios florestais. Em todo o caso, o controlo de combustíveis nos espaços
florestais e silvestres dispõe de alternativas à queima. Tais alternativas têm vantagens
sociais relevantes e menor impacto ambiental, seja ao nível dos recursos
naturais, solo incluído, seja em emissões atmosféricas. A haver financiamento
público, que o mesmo seja canalizado directamente aos agricultores, produtores
florestais e municípios de áreas críticas que optem por alternativas à queima
de tais “resíduos”.
A relação entre a utilização da biomassa
florestal residual e a promoção da gestão florestal sustentável é outro dos
paradoxos. A intensificação do uso do solo pode ter impactos relevantes na
diminuição do seu fundo de fertilidade, obrigando a uma posterior utilização de
agro-químicos. Pior, a utilização de troncos de árvores, visíveis em vários
parques de receção de matéria prima destas centrais, pode agravar uma já
incontrolada situação de desflorestação (a uma média de 10 mil hectares por
ano, desde 1990) e de avanço da desertificação.
A associação da utilização da biomassa
florestal a um balanço de carbono nulo é outro dos paradoxos. A utilização de
madeira decorrente de produções de ciclo curto em nada contribui para o
sequestro de carbono. Sendo tais produções associadas ao regadio, o impacto
ambiental pode associar ainda a sobre-exploração dos recursos hídricos, facto
que pode ser muito relevante sobretudo em períodos cada vez mais prováveis de
secas prolongadas.
Se associada a queima de biomassa à melhoria da
qualidade de vida das populações rurais, estaremos perante um outro paradoxo. As
emissões atmosféricas decorrentes da queima de madeira irão contribuir para o
aumento da poluição junto de povoações rurais, podendo ter impacto num
incontido êxodo rural.
Se o argumento passar pela diminuição da dependência
energética de Portugal, há que lembrar que em outros Estados Membros a
utilização da biomassa, concretamente de cultivos dedicados, para fins energéticos
está associada a um aumento da dependência alimentar. Há que fazer escolhas!
O combate às alterações climáticas não passa
pela queima de “resíduos” orgânicos, mas antes por alternativas que favoreçam a
sua incorporação em sistemas produtivos que assegurem o sequestro de carbono, o
aumento do fundo de fertilidade dos solos, a preservação dos recursos hídricos
e contribuam para a fixação das populações rurais.
Os incêndios rurais não são a causa, mas a consequência
de vários factores, entre eles o despovoamento e a continuidade horizontal de extensas
plantações de árvores ao abandono. As centrais a biomassa de médio e grande porte
em nada contribuem para atenuar tais causas. Muito pelo contrário, tendem a
servir de substrato para a instalação de extensas monoculturas de espécies dedicadas
a fins energéticos.
A capacidade industrial hoje instalada em
Portugal, no que diz respeito à utilização de biomassa florestal residual já
ultrapassa as disponibilidades. Mais unidades só farão sentido se de âmbito
municipal ou inframunicipal, sobretudo ligadas à produção de energia térmica e
para fins sociais.
Assim,
há que questionar o Governo sobre o tipo de biomassa florestal a que respeitam
os apoios de Estado, se inclui ou não culturas intensivas de espécies dedicadas
a fins energéticos. Em causa pode estar o aumento da dependência alimentar de
Portugal, bem como o equilíbrio dos ecossistemas nacionais.
Há
ainda que questionar o Governo sobre a que tipo de centrais a biomassa pretende
distribuir apoios de Estado. Se a centrais de médio e grande porte que agravem
uma situação de despovoamento e desflorestação (que tem sido incapaz de controlar
minimamente), ou a unidades de proximidade às populações, de até 3 MW, para
apoio energético a zonas industriais municipais ou a equipamentos sociais.
LINKS RELACIONADOS (em Inglês)
Sem comentários:
Enviar um comentário