terça-feira, 12 de agosto de 2014

Fiscalidade verde, floresta cinza

O anteprojeto para a Reforma da Fiscalidade Verde, apresentado pela Comissão nomeada através do Despacho n.º 1962/2014, de 7 de fevereiro, atualmente em consulta pública, no que respeita às florestas produz uma análise demasiado simplista, mesmo simplória, notória que é o seu desenquadramento face à realidade florestal nacional e à legislação de base vigente.

Por um lado, a Comissão aposta na tese da penalização fiscal, concretamente em sede de IMI, reconhecendo todavia as limitações desta via no combate ao abandono da gestão das propriedades rústicas. Com efeito, não existe ainda, mais três anos se perderam, um cadastro nacional das propriedades rústicas, instrumento da responsabilidade do Ministério do Ambiente. A Comissão é incapaz de quantificar o impacto da sua proposta.

Embora repetidos anúncios populistas, mais visíveis em períodos estivais, convirjam no recurso à penalização fiscal sobre os proprietários florestais, ditos absentistas, uma análise mais séria e consubstanciada da realidade desaconselha tal aposta.

Efetivamente, não faz sentido solucionar pela via fiscal um problema que assenta num desajustado funcionamento dos mercados, em situação de concorrência imperfeita.

A atividade florestal evidenciou nas últimas décadas um declínio progressivo. Se por um lado se registou um desinvestimento nas atividades económicas de base rural em Portugal, por outro é notório, no setor florestal, o protecionismo do Estado a algumas empresas industriais, em detrimento da silvicultura e do território.

Ao condicionamento dos rendimentos, pela fixação unilateral de preços, ficou associado um aumento sistemático nos custos de exploração, associados essencialmente a encargos com energia, combustíveis e pessoal. O denominado abandono da gestão florestal não é mais do que um ajustamento dos proprietários florestais às expetativas de rendimento nas suas explorações florestais. Uma gestão florestal ativa, profissional e sustentável aporta encargos significativos, os quais derivam de receitas sistematicamente condicionadas à produção florestal, sob proteção governamental.

Aumentar os encargos aos proprietários rústicos, agora pela via fiscal, só produzirá mais abandono da gestão dos espaços florestais, logo maior risco de incêndios. Os discursos políticos apontam para valores de 1,5 a 2 milhões de hectares em abandono. Este fenómeno é significativamente agravado por um incontrolável êxodo rural, sendo notório o despovoamento no interior do País, o marcado envelhecimento das populações em meios rurais e o avanço de fenómenos associados à desertificação. Será com agravamento de impostos que se solucionará o problema? Só numa visão desequilibrada e de base claramente urbana.


Por outro lado, a proposta de penalização fiscal suportada neste anteprojeto parece contrariar a Lei de Bases da Política Florestal, concretamente quanto ao disposto no seu Art.º 8.º e no Art.º 19.º. Na Lei de Bases, a aposta incide determinantemente na atribuição de incentivos fiscais, não em penalizações fiscais. Ou seja, o anteprojeto agora em consulta parece surgir em oposição ao disposto na Lei.

Assim, a alínea a) do Art.º 8.º dispõe que, compete ao Estado dinamizar a constituição de explorações florestais com dimensão que possibilite ganhos de eficiência na sua gestão, através de incentivos fiscais e financeiros. Já no disposto no Art.º 19.º é explícita a aposta nos incentivos fiscais no estímulo ao associativismo das explorações florestais, às ações de emparcelamento florestal, às ações tendentes a evitar o fracionamento da propriedade florestal e no autofinanciamento do investimento florestal, nomeadamente no domínio da prevenção ativa dos incêndios florestais.

A Lei n.º 33/96, de 17 a agosto, foi aprovada por unanimidade pela Assembleia da República e a sua regulamentação continua por concluir, passados 18 anos.

A Acréscimo propõe à Comissão a análise, entre outros documentos específicos, do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa e da Estratégia Nacional para a Floresta, ambos adotados por Resoluções do Conselho de Ministros. Sugere-se ainda a análise da proposta de incentivos fiscais anunciada pela Ministra da Agricultura a 21 de março último.

A Acréscimo sugere-se vivamente ao Governo que termine a regulamentação da Lei de Bases antes de analisar anteprojetos que, no que incide nas florestas e na atividade florestal, a parecem contrariar.


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