Os
períodos estivais são pródigos em acontecimentos mediáticos de oportunismo (pessoal e institucional) e de populismo.
A
pretexto da destruição e das mortes causadas pelos incêndios florestais montam-se
estratégias pessoais e institucionais que aparentam, a cada ano que passa, necessitar destes
acontecimentos catastróficos para sobreviver. Será também a isto que se apelida
de “indústria do fogo”, ou serão muitos destes protagonistas os porta-vozes
desta “indústria”?
O
facto é que se papagueiam alarvidades em cada Verão.
Veja-se
apenas e só, sobre a famigerada limpeza das florestas:
1. No próprio conceito e operacionalização de limpeza, estes protagonistas parecem confundir
limpeza das florestas com a limpeza do pó doméstico, ou mesmo com ações de
voluntariado para a recolha de lixo doméstico ou industrial, irresponsavelmente
depositado por indivíduos sem escrúpulos nos espaços florestais.
No
que respeita às florestas, não se percebe se a referência é a limpezas interespecíficas
ou intraespecíficas, ou ambas. Nas interespecíficas será removida qualquer
coisa, ou há que evitar a remoção de certas espécies florísticas, p.e. as
protegidas? Nas intraespecíficas, quais as habilitações necessárias para
decidir que plantas são removidas ou são deixadas intactas no local?
Sobre
a operacionalização dessas limpezas em florestas, os apologistas mediáticos
referem-se a limpezas por meios manuais (talvez), por meios motomanuais (menos
provável), por meios mecânicos (só se forem proprietários das máquinas), por
meios químicos (desaconselhável à pele), ou pelo pastoreio (como se controlam
os bichos?) ou pelo fogo controlado (de potencial efeito 2 em 1, em caso de descontrolo,
limpa a floresta e o “limpador”)?
2. Na
designação de determinados grupos sociais no envolvimento em ações de limpeza
das florestas, é comum a designação dos desempregados, dos beneficiários do RSI
ou dos reclusos.
Ora,
por um lado importa ter em conta que estes grupos não são homogéneos,
designadamente quanto às motivações, às qualificações e às experiências dos
seus integrantes.
Por
outro, não se assemelhando a uma limpeza do pó doméstico, quem custeia a
formação destas pessoas para ações de limpeza florestal e por quantas vezes
essa formação terá desempenho prático? Gastar fundos públicos para formar e
aproveitar só um ano é facilmente classificado como despesismo. Formar-se-íam
equipas permanentes? Os Serviços Florestais tinham-nas em tempos que lá vão!
3. Em
que terrenos ocorrerão tais operações de limpeza e quem as custeia?
Em
matas públicas? Bom, são apenas e tão só 2% da área florestal nacional. Se
carecem de intervenção neste domínio? Efetivamente carecem, neste e noutros. E
até existe dinheiro público para tal, suportado por todos nós, enquanto
consumidores de combustíveis nas nossas viaturas. Parte do custo por litro
reverte para o Fundo Florestal Permanente. E daí? Da cartola têm saído só
coelhos!
Será para
limpeza em superfícies florestais privadas? Bom, mas estas têm dono e este tem
direitos salvaguardados na Constituição. Não se discute aqui se bem ou mal, é
um facto!
E
quem custeia estas intervenções? Os próprios proprietários privados,
esmagadoramente famílias e comunidades rurais, ou os contribuintes?
Bom,
para serem os proprietários rurais, pressupõe-se que o façam face a
rentabilidade dos negócios de que possam usufruir nas suas terras, seja na
produção de bens (madeira, cortiça,...), seja na produção de serviços (lazer,
paisagem, combate à erosão, regularização dos regimes hídricos – vulgo, segurar
as margens de linhas de água para evitar cheias, no sequestro de carbono, ...).
A este respeito, menciona o INE que a atividade silvícola está em declínio
progressivo.
Os
mercados tradicionais de produtos silvícolas evidenciam uma concorrência
imperfeita, dominados que estão por oligopólios industriais, com estratégias empresariais
extrativistas.
O
rendimento líquido dos proprietários decresce há décadas, o resultado é o
abandono e a migração para o litoral ou a imigração (vejam-se os vários
Census).
Para
ocorrerem operações de limpeza e necessário que ocorra uma gestão florestal
ativa. E o que é a gestão florestal ativa? É, sinteticamente, a aplicação de
métodos comerciais e de princípios técnicos na administração de uma propriedade
florestal.
O que
temos nós crescentemente em Portugal? Uma situação de abandono da gestão, quase
generalizada em regiões onde predomina o minifúndio, coincidentemente as de
maior risco no que respeita à propagação dos incêndios.
Restam sempre os contribuintes.
Importa
ter presente que, a ausência de gestão não é mais do que uma forma de gestão
adequada às expectativas de rentabilidade do negócio. Se estas são negativas ou
nulas, o resultado é a não gestão, o abandono e os incêndios cíclicos.
Desta
forma, importa ouvir quem sabe, especialistas em florestas, em economia
agrária, em sociologia rural, em ordenamento do território, em conservação da
Natureza e autarcas. Estes curiosamente, ao contrário dos habituais, não têm
sido apologistas dos circos mediáticos estivais.
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