quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Há quem não saiba e fala demais. Há quem saiba e não é ouvido.

Os períodos estivais são pródigos em acontecimentos mediáticos de oportunismo (pessoal e institucional) e de populismo.

A pretexto da destruição e das mortes causadas pelos incêndios florestais montam-se estratégias pessoais e institucionais que aparentam, a cada ano que passa, necessitar destes acontecimentos catastróficos para sobreviver. Será também a isto que se apelida de “indústria do fogo”, ou serão muitos destes protagonistas os porta-vozes desta “indústria”?

O facto é que se papagueiam alarvidades em cada Verão.


Veja-se apenas e só, sobre a famigerada limpeza das florestas:

1. No próprio conceito e operacionalização de limpeza, estes protagonistas parecem confundir limpeza das florestas com a limpeza do pó doméstico, ou mesmo com ações de voluntariado para a recolha de lixo doméstico ou industrial, irresponsavelmente depositado por indivíduos sem escrúpulos nos espaços florestais.

No que respeita às florestas, não se percebe se a referência é a limpezas interespecíficas ou intraespecíficas, ou ambas. Nas interespecíficas será removida qualquer coisa, ou há que evitar a remoção de certas espécies florísticas, p.e. as protegidas? Nas intraespecíficas, quais as habilitações necessárias para decidir que plantas são removidas ou são deixadas intactas no local?

Sobre a operacionalização dessas limpezas em florestas, os apologistas mediáticos referem-se a limpezas por meios manuais (talvez), por meios motomanuais (menos provável), por meios mecânicos (só se forem proprietários das máquinas), por meios químicos (desaconselhável à pele), ou pelo pastoreio (como se controlam os bichos?) ou pelo fogo controlado (de potencial efeito 2 em 1, em caso de descontrolo, limpa a floresta e o “limpador”)?

2. Na designação de determinados grupos sociais no envolvimento em ações de limpeza das florestas, é comum a designação dos desempregados, dos beneficiários do RSI ou dos reclusos.

Ora, por um lado importa ter em conta que estes grupos não são homogéneos, designadamente quanto às motivações, às qualificações e às experiências dos seus integrantes.

Por outro, não se assemelhando a uma limpeza do pó doméstico, quem custeia a formação destas pessoas para ações de limpeza florestal e por quantas vezes essa formação terá desempenho prático? Gastar fundos públicos para formar e aproveitar só um ano é facilmente classificado como despesismo. Formar-se-íam equipas permanentes? Os Serviços Florestais tinham-nas em tempos que lá vão!

3. Em que terrenos ocorrerão tais operações de limpeza e quem as custeia?

Em matas públicas? Bom, são apenas e tão só 2% da área florestal nacional. Se carecem de intervenção neste domínio? Efetivamente carecem, neste e noutros. E até existe dinheiro público para tal, suportado por todos nós, enquanto consumidores de combustíveis nas nossas viaturas. Parte do custo por litro reverte para o Fundo Florestal Permanente. E daí? Da cartola têm saído só coelhos!

Será para limpeza em superfícies florestais privadas? Bom, mas estas têm dono e este tem direitos salvaguardados na Constituição. Não se discute aqui se bem ou mal, é um facto!

E quem custeia estas intervenções? Os próprios proprietários privados, esmagadoramente famílias e comunidades rurais, ou os contribuintes?

Bom, para serem os proprietários rurais, pressupõe-se que o façam face a rentabilidade dos negócios de que possam usufruir nas suas terras, seja na produção de bens (madeira, cortiça,...), seja na produção de serviços (lazer, paisagem, combate à erosão, regularização dos regimes hídricos – vulgo, segurar as margens de linhas de água para evitar cheias, no sequestro de carbono, ...). A este respeito, menciona o INE que a atividade silvícola está em declínio progressivo.

Os mercados tradicionais de produtos silvícolas evidenciam uma concorrência imperfeita, dominados que estão por oligopólios industriais, com estratégias empresariais extrativistas.

O rendimento líquido dos proprietários decresce há décadas, o resultado é o abandono e a migração para o litoral ou a imigração (vejam-se os vários Census).

Para ocorrerem operações de limpeza e necessário que ocorra uma gestão florestal ativa. E o que é a gestão florestal ativa? É, sinteticamente, a aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos na administração de uma propriedade florestal.

O que temos nós crescentemente em Portugal? Uma situação de abandono da gestão, quase generalizada em regiões onde predomina o minifúndio, coincidentemente as de maior risco no que respeita à propagação dos incêndios.

Restam sempre os contribuintes.

Importa ter presente que, a ausência de gestão não é mais do que uma forma de gestão adequada às expectativas de rentabilidade do negócio. Se estas são negativas ou nulas, o resultado é a não gestão, o abandono e os incêndios cíclicos.

Desta forma, importa ouvir quem sabe, especialistas em florestas, em economia agrária, em sociologia rural, em ordenamento do território, em conservação da Natureza e autarcas. Estes curiosamente, ao contrário dos habituais, não têm sido apologistas dos circos mediáticos estivais.


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