Quando
olhamos para o setor florestal em Portugal impressionam os números, muitas
vezes repetidos, do peso no PIB, da percentagem do setor nas exportações, na
elevada tecnologia e na qualidade, internacionalmente reconhecida, dos produtos
obtidos a partir da cortiça, da pasta celulósica e da madeira serrada. Contudo,
quando nos acercamos da origem desses produtos, as florestas propriamente
ditas, o panorama está longe de corresponder à imagem que a indústria florestal
proporciona. Apesar de estar na origem do mais alto Valor Acrescentado Bruto
por hectare nos 27 países da União Europeia (310 €/ha), de proporcionar o mais
alto Valor Acrescentado Nacional entre os setores exportadores nacionais (0,90
€ por cada Euro exportado), nas florestas é evidente a ausência de uma gestão
ativa, de uma atitude empresarial associada quer a produção de bens, quer a prestação
de serviços. Afinal de contas, vale a pena ou não investir nas florestas em
Portugal? Temos nós, ou não, condições vantajosas para usufruir, nos planos
económico, social e ambiental, dos espaços florestais em Portugal? Parece haver
unanimidade de opiniões pela positiva e os resultados de vários setores
silvo-industrais confirmam-no. Então o que falta?
Enquanto
na indústria é possível vislumbrar estratégias empresarias, que podem passar ou
não pelas florestas em Portugal (cada vez importamos mais material lenhoso), já
no setor primário, onde é impossível deslocalizar, é marcante a ausência
efetiva de uma visão, de uma estratégia: O que pretendemos das nossas
florestas? Que bens queremos e podemos produzir? Que serviços conseguimos ou
nos interessam prestar? Como conseguiremos levar alguém a investir, face ao
elevado risco associado ao investimento florestal? Como pretendemos otimizar os
recursos públicos, nacionais e comunitários, de apoio à floresta?
Usualmente, no que respeita aos instrumentos de
política florestal, os sucessivos governos, e o presente não parece até agora
ser excepção, preocupam-se quase e só com a organização da Administração
Central, curiosamente sem que tal se tenha até agora traduzido, no mínimo, na
melhoria da gestão florestal nas Matas Nacionais e nos baldios geridos pelo
Estado.
Embora já previstos na Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto), publicada há mais de 15 anos, importa listar os pressupostos que, do ponto de vista da Acréscimo, são condição obrigatória para o pretendido e essencial fomento e consolidação de investimento nas florestas em Portugal:
1. Definir
uma Visão para as Florestas: Sem uma estratégia clara e
consequente, não se confere segurança a um investimento caracterizado pelos médios
a muito longos períodos de retorno, com elevada incerteza e riscos associados.
2. Organizar
a produção florestal: O esforço
na constituição de Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), ou de Sociedades de Gestão
Florestal (SGF), está muito aquém do desejável. Com ou sem o cadastro rústico,
o processo tem de ser acelerado. O único fundo de investimento imobiliário
florestal existente em Portugal, proporcionou até agora resultados que estão
muito aquém das perspetivas iniciais e das potencialidades reais deste
instrumento.
As
florestas em Portugal são detidas em 98% por proprietários privados e por
comunidades locais. Na sua esmagadora maioria são propriedades de minifúndio.
3. Assessorar
a produção florestal: Os apoios
ao Associativismo e à Investigação têm sido estruturados em função de ciclos
políticos, mais numa estratégia de atribuir o “peixe” do que dar a “cana de
pesca”, motivando a dependência financeira do poder político. As regras para a
Formação Profissional são desajustadas à realidade da atividade silvícola.
O País precisa de um verdadeiro serviço de Extensão
Florestal, seja ao nível da Administração Pública, seja com base na
parceria desta com o Associativismo Florestal e Agrícola. Contudo, sempre com
forte suporte da Investigação e assente em planos de profissionalização dos
agentes.
Importa
reforçar o papel da Administração, nomeadamente com a criação de serviços
técnicos de Controlo e Fiscalização das operações florestais, a par do que já
acontece no setor da construção civil e noutros países com fortes fileiras
florestais, assegurando, no plano técnico e financeiro, resultados positivos
aos investimentos florestais. Este aspecto assume especial importância nos
investimentos concretizados com cofinanciamento público. A par do que vai
acontecendo com os serviços de implementação de sistemas de gestão florestal e
de cadeia de responsabilidade, e sua certificação, estes serviços técnicos de
controlo e fiscalização de operações florestais podem ter um forte impacto no
emprego de técnicos superiores qualificados. Os custos inerentes à criação e ao
funcionamento destes serviços são rapidamente assegurados pelos aumentos de
produtividade gerados e pela maior garantia de retorno financeiro proporcionado
aos investidores.
A assessoria técnica e os esforços de Investigação
deverão basear-se não apenas na vertente da produção de bens e serviços hoje
com valor no mercado, mas também na qualificação e na quantificação das
externalidades, nos bens e serviços ainda intangíveis mas, num futuro muito
próximo, essenciais à formação do rendimento nas propriedades com superfícies
florestais.
4. Incentivar
e fiscalizar a gestão florestal sustentável: Sejamos bem claros,
sem a implementação de medidas de fomento de uma gestão sustentável,
necessariamente ativa, dos espaços florestais, com o subsequente controlo e
fiscalização, o insucesso de qualquer política florestal é garantido. As
últimas décadas comprovam uma ineficiente aposta na gestão ativa dos espaços
florestais, com o flagelo crescente dos incêndios florestais e a proliferação
de pragas e doenças. A ausência de uma gestão sustentável das florestas
portuguesas é o nosso principal problema, sendo os incêndios, as pragas e as
doenças as consequências diretas da inação neste domínio. De que vale gastar
fundos em florestações, as quais sem uma subsequente gestão ativa serão, muito
provavelmente, pasto para a proliferação da “indústria do fogo”?
No
plano da fiscalização, nos investimento cofinanciados por fundos públicos, que
Organismo Público assegura, ao longo do tempo, a execução dos planos
orientadores de gestão associados aos projetos apoiados, designadamente os que
foram objeto de ajuda no âmbito do PEDAP, do PAMAF e do Programa AGRO? Ou de
outra forma, quem no Ministério garante que os esforço dos contribuintes, portugueses
e europeus, para com florestas portuguesas tem minimamente assegurado o retorno
económico para o País?
5. Adequar os instrumentos financeiros: Os
instrumentos financeiros públicos, têm sido infelizmente objeto de uma má
aplicação. O caso do PRODER constitui um exemplo do pior que é possível fazer.
O Fundo Florestal Permanente está a ser alvo, desde novembro último, de uma
inspeção por parte do MAMAOT.
Claramente,
sem um ajustamento dos fundos com a Visão para as florestas, com uma adequada
planificação, ajustada à realidade e às necessidades do setor, estaremos mais
uma vez a derramar dinheiro dos contribuintes sem assegurar retorno económico
para o País. Na definição dos apoios públicos a disponibilizar a partir de
2014, quem está a elaborar um plano estratégico florestal e adequar a
planificação desses fundos aos objetivos e metas desse plano? Face às fracas
capacidades financeiras da quase generalidade do setor produtivo florestal,
como podem ser ultrapassados os constrangimentos á indisponibilidade dos
capitais próprios necessários, já que os apoios públicos dificilmente ultrapassarão
taxas de apoios de 50% na atribuição de subsídios não reembolsáveis?
Não
deverá o Estado criar condições adequadas ao fomento da intervenção dos
privados no financiamento ao investimento florestal, designadamente através da criação
de estímulos à constituição de mais fundos de investimento imobiliário
florestal, bem como à intervenção de fundos de garantia florestal?
Ainda
nos instrumentos financeiros, são ainda pouco consequentes, ou mesmo uma
miragem, os esforços para a adequação da política fiscal á produção florestal e
na criação de seguros florestais. Sem estes instrumentos será difícil, ou quase
impossível, atrair investidores privados externos ao setor florestal.
6. Assegurar
a transparência dos mercados: Face à concentração empresarial
existente no setor industrial nas principais fileiras florestais em Portugal,
importa garantir a transparência dos mercados, tendo em vista uma adequada e
justa formação dos preços, nos bens e nos serviços de natureza florestal,
evitando potenciais fenómenos de cartelização ou uma desajustada supremacia de
uma das partes sobre a outra. Este é um fator determinante para criar e
assegurar expectativas de renda aos proprietários florestais e assim fomentar
uma gestão ativa nas suas explorações.
Uma
política de preços equilibrada, associada a programas de investigação e de
extensão, integrados numa lógica de fileira, desenvolvidos no passado recente,
estão na base do rápido crescimento da área de eucaliptal em Portugal. Embora o
exemplo mencionado tenha sido alvo de controvérsia nalguns setores sociais, o que
importa aqui reter é que o “segredo” está desvendado, há apenas que criar
condições similares, com os devidos ajustes face ao atual conhecimento técnico,
também para os demais bens e serviços de base florestal, particularmente para
aqueles que se caracterizam pelos maiores períodos de retornos de investimento,
inclusive com a aposta em sistemas florestais multifuncionais.
7. Acelerar
as medidas estruturais: Tudo leva a crer que o cadastro rústico
será, em grande parte, concluído na presente legislatura. Este é outro fator
chave para se identificarem e caracterizarem os donos das florestas em
Portugal, assegurando adequadamente a implementação das várias medidas e dos instrumentos
de política florestal. Na produção legislativa, o Legislador tem de ter um
adequado conhecimento sobre o público alvo dos diplomas legais que produz, caso
contrário só encontrará árvores do outro lado. Essas servem para produzir
papel, mas não sabem ler.
Igualmente
preponderante é a redução da carga burocrática excessiva associada à atividade
florestal. È urgente simplificar procedimentos administrativos, assegurando o
rigor, o respeito pelos princípios de desenvolvimento sustentável, a que o País
esta vinculado no plano internacional, e o incentivo ao respeito pelos princípios
de responsabilidade social e ambiental por parte dos agentes do setor.
Muitos
são os que ultimamente têm defendido a aplicação de sanções, designadamente de
natureza fiscal, sobre os proprietários rústicos absentistas, escusando-se a
interrogar-se sobre o que motiva esse absentismo. Não será essa atitude
absentista, ou a prática de uma não gestão, uma consequência das fracas, nulas
ou negativas expectativas financeiras desses proprietários sobre os bens ou os
serviços de que podem usufruir nas suas propriedades? Afinal de contas, faz
sentido investir em certas produções florestais com os atuais riscos de
investimento? Faz sentido ter de suportar uma carga burocrática desmesurada,
sem que se garanta rigor e eficiência? Faz sentido investir nas florestas na
ausência quase total, salvo o esforço desenvolvido por algumas organizações de
produtores e empresas, de serviços de extensão florestal, de aconselhamento
sobre a condução técnica e financeira desse investimento? Não será estratégica a
aposta na criação de novos mercados, designadamente para os serviços ambientais,
e na garantia de transparência dos mercados de bens existentes, para a promoção
do investimento e da gestão sustentável das florestas em Portugal?
Se
forem criadas expectativas de segurança e de rentabilidade fiável, quer na
produção de bens, mas também na prestação de serviços em áreas florestais,
seguramente os proprietários florestais serão os primeiros a adotar uma gestão
sustentável nas suas explorações.
No
caso presente, entende-se o investimento como a aplicação de algum tipo de
recurso com o objetivo de gerar um determinado rendimento no futuro, visto num
sentido amplo, aplicável a qualquer tipo de bem ou serviço, proporcionado a
partir ou com base nas florestas, e que origine negócio, emprego e
desenvolvimento, sobretudo em meio rural, proporcione melhoria da qualidade de
vida às populações, tendo por base princípios de desenvolvimento sustentável e
de responsabilidade social.
Concluindo,
importa realçar que, sem investimento nas florestas portuguesas serão
inconsequentes os esforços políticos e administrativos para a produção de
riqueza, o fomento do emprego, no combate ao êxodo rural, na conservação da
Natureza e da biodiversidade em cerca de 5 milhões de hectares, mais de metade
do Território Nacional. Para fomentar e consolidar o investimento florestal,
seja na produção de bens: rolaria e madeira de serração, cortiça, biomassa para
energia e outros; seja na prestação de serviços florestais e ambientais, é
necessário concretizar os pressupostos para o seu fomento e para a sua
consolidação.
In Diário Agrário - Agronotícias Portugal: http://diarioagrario.blogspot.pt/2012/06/pressupostos-para-o-fomento-e.html
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