quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O TIGRE DE PAPEL


A atual insustentabilidade dos recursos florestais portugueses é patente na estimativa pública da Autoridade Florestal Nacional, segundo a qual em 15 anos não existirá oferta suficiente de material lenhoso para viabilizar as empresas do setor, não só as de pequeno porte, já hoje com problemas gravíssimos de subsistência, mas também as da indústria transformadora, de celulose e papel, e das madeiras e do mobiliário. Para além do organismo da Administração, também o WWF menciona a necessidade do aumento do investimento estratégico na floresta portuguesa, alertando que o setor do papel em Portugal corre o risco de se tornar um gigante económico assente sobre uma floresta improdutiva e sobre a importação de madeira de risco incerto.

Subaproveitada, sobre-explorada e desprotegida, a floresta em Portugal continua a ser vítima da falta de medidas estruturantes, como o incompleto registo da propriedade rústica na totalidade do território nacional, a inexistência de um regime fiscal adaptado, a confrontação com um elevado risco de investimento, designadamente pelo impacto dos incêndios florestais e pela proliferação de pragas e doenças, a ausência de eficazes instrumentos de incentivo financeiro, uma teia de diplomas legais, de competências e de taxas incompreensíveis e que se atropelam, e de uma ténue garantia de uma gestão ativa e profissional dos espaços florestais e de retorno sócio-económico dos investimentos realizados, sobretudo os que recorrem a financiamento público.

A par da ineficácia da iniciativa pública, ao nível empresarial tem-se assistido à concentração empresarial nas três principais fileiras silvo-industriais, com uma política de mercado cada vez mais afastada dos meios rurais, assumindo cada vez um carácter meramente extractivista, e preços desmotivadores da atividade por parte dos agricultores e produtores florestais, representando estes mais de 90% da superfície florestal portuguesa. Ao nível técnico tem-se assistido igualmente a fenómenos de incúria na gestão das florestas cultivadas industriais, facto revelador do desinvestimento a que têm sido sujeitas pelas administrações empresariais. 

O desinvestimento nas florestas tem fomentado o aumento da pobreza, sobretudo em regiões já hoje desfavorecidas, onde o êxodo rural é cada vez mais acentuado. As áreas do País com floresta mais improdutiva coincidem com regiões economicamente mais deprimidas.

Importa ter presente que, qualquer intervenção política em espaços florestais só produzirá efeitos a médio e longo prazo, mais do que um ciclo legislativo. As árvores levam décadas a crescer, logo a disponibilizar bens, seja madeira, cortiça ou frutos, e serviços, paisagem e espaços de lazer.

Para assegurar os compromissos internacionais subscritos pelo Estado Português, urge atualizar posições e garantir, de forma consequente e firme, que as necessárias medidas de fomento do investimento em floresta se tornem realidade. A floresta tem hoje disponíveis, para além dos atuais 3,4 milhões de hectares que ocupa, embora sem uma gestão ativa na sua maioria, mais cerca de 2 milhões hoje considerados abandonados ou semi-abandonados. O País não está em condições de desperdiçar, ou melhor, de desproteger uma tão vasta área do seu território, hoje votada a incêndios cíclicos, com a libertação de milhares de toneladas de carbono para a atmosfera. 

Para além da necessidade da floresta portuguesa em responder, de forma sustentável e socialmente responsável, a uma procura mundial de bens e serviços de base florestal que tende a aumentar, a mercados cada vez mais exigentes no plano ambiental, a mesma é essencial ao desenvolvimento rural no País e suporte à conservação da Natureza. Importa por isso reforçar as bases de um setor económico, com importância ambiental e social ímpar, já que o mesmo tem todas as condições para ser um verdadeiro tigre na economia nacional.

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