Pelo país vão pululando centrais a biomassa florestal residual.
Qual a sua relação potencial com os incêndios em povoamentos florestais?
O caso mais recente é registado em Vila Nova
de Famalicão, com a instalação de uma central de 10 MW, em Corga de Fradelos.
A estes investimentos, como é o caso em
apreço, não estão associados, seja pelos investidores ou com base em contratos
com gestores florestais terceiros, planos de garantia de abastecimento de
biomassa florestal residual. No caso em concreto, a unidade vai ser instalada
num local onde já existe uma outra instalação industrial para o mesmo fim, bem
como uma fábrica de produção de pellets energéticas, ambas com forte
concorrência pela mesma matéria prima (a biomassa florestal residual). Todavia,
nos estudos apresentados a consulta pública apenas é visível uma parceria, no
domínio do abastecimento, com uma empresa de logística que, tanto quanto se
conhece, não é proprietária ou gestoras de áreas florestais privadas ou
comunitárias, as que abundam, em percentagem esmagadora, nesta região do
distrito de Braga.
Existe biomassa florestal residual em
quantidade suficiente, explorável, na área de abrangência destas centrais, que
assegure as necessidades diárias de abastecimento estimadas? No caso em
concreto, regista-se a dominância de plantações de eucalipto que, dependendo
das condições do local e do tipo de gestão, não aportam grandes quantidades de
biomassa florestal residual decorrente de operações de silvicultura, quando
comparado com povoamentos de outras espécies lenhosas.
Importa ter em conta que, nos estudos
apresentados, não é registada a proporção de abastecimento a partir de biomassa
florestal residual que decorra de operações de silvicultura (limpezas,
desramações, desbastes) e a que respeita a operações de exploração florestal
(abate e extração de arvoredo), esta última, em geral, associada a centrais
integradas em cadeias produtivas florestais, o que não é o caso. No caso em apreço,
é fundamental a indicação desta proporção. Os processos de recolha, de
processamento e de transporte têm aqui impactos distintos, designadamente no
plano operacional e financeiro.
Não são visíveis, nos estudos destes projetos
de investimento, os cálculos de viabilidade financeira do uso de biomassa
florestal residual de origem nacional. Tendo em conta o preço de venda da
energia à rede e os custos de recolha, processamento e transporte da biomassa florestal
residual, designadamente os constantes das matrizes publicadas pela CAOF,
o investimento é lucrativo sem ajudas do Estado ou sem o recurso a material
lenhoso não residual? Estes cálculos assumem especial destaque em centrais a
biomassa florestal residual, onde a proporção de sílica que a acompanha pode
ser significativa, implicando em soluções técnicas mais onerosas.
Onde tais investimentos estão ou se pretendem
instalar é identificada uma significativa perda de coberto arbóreo. Que tipo de
monitorização estão estes investimentos obrigados para garantir que não estão a
contribuir para a desflorestação em Portugal? Importa ter presente que, em
Portugal, entre 1990 e 2015, de acordo com a FAO e o Eurostat, o país perde em
área de floresta (plantações incluídas), em média anual, o equivalente à área
da cidade de Lisboa, ou seja, regista uma desflorestação de 10 mil hectares ao
ano. Está devidamente assegurado que estes investimentos não contribuem para
esta nefasta situação?
Embora o conceito de perda e de ganho de
coberto arbóreo esteja mais diretamente associada ao de povoamento
florestal (ou área arborizada) do que à definição de floresta,
quando os ganhos não ocorrem, ao longo de vários anos, na mesma ou em proporção
superior às perdas, pode-se estar perante uma situação de desflorestação. No
caso da unidade de Vila Nova de Famalicão, o distrito de Braga registou, entre
2001 e 2012, de acordo com observações por satélite, uma perda de coberto
arbóreo superior a 19.400 hectares e um ganho que não atingiu os 7.500
hectares. O diferencial registado neste período situa-se na ordem dos 12.000
hectares (o mesmo pode ser explicado pela existência de áreas temporariamente
desarborizadas, p.e. sujeitas a corte recente, vitimas recentes de incêndios,
povoamentos recentes, ou em desflorestação, ou seja, onde ocorrem mudança de
ocupação do solo, em regra, mais acentuada, para áreas de matos).
A par da inexistência de avaliações de
impacto destas unidades sobre os recursos naturais renováveis (ou, melhor
referido, potencialmente renováveis), como no caso dos lenhosos, regista-se a
inexistência de avaliações de impacto no que respeita ao recurso solo. A
sobre-exploração de biomassa florestal residual pode comprometer o fundo de
fertilidade dos solos e, assim, a sua produtividade futura, seja no âmbito das
produções florestais, mas, mais ainda, em potenciais utilizações agrícolas. Uma
sobre-exploração da biomassa florestal residual pode ainda aportar
significativos impactos ao nível dos recursos hídricos, situação também não
avaliada. O abastecimento garantido através de uma empresa de logística, como é
o caso da unidade de Vila Nova de Famalicão, da qual também não se conhece
capacidade técnica florestal, não augura a concretização de bons resultados
nestes domínios.
Por fim, a associação de vantagens destas
centrais aos incêndios florestais é, regra geral, apontada como uma vantagem
significativa. Mas, sê-lo-á de facto? Para a redução da carga combustível em
povoamentos florestais existem outras variantes técnicas. Várias delas aportam
menos impactos ambientais e financeiros do que os decorrentes destas centrais a
biomassa florestal residual desligadas de cadeias produtivas florestais.
Todavia, a não evidencia de biomassa florestal residual suficiente para o
funcionamento contínuo destas centrais trás uma potencial desvantagem, cujo
impacto não está avaliado, apesar de, em teoria, poder ser muito significativo:
- Com efeito, não existe uma avaliação efetiva do impacto favorável destas centrais à diminuição do risco de incêndio florestal. Todavia, existe o potencial dos povoamentos florestais ardidos se converterem numa oportunidade menos dispendiosa de assegurar um abastecimento em contínuo de tais unidades. Pode não ser uma oportunidade operacionalizada, mas é uma oportunidade potencial. Importa, por isso, apresentar medidas que minimizem uma perniciosa associação.
- Mesmo na justificação de intervenção no controlo de exóticas invasoras, como no caso da acácia, não existem estudos que evidenciem vantagens. Aqui, existe também a possibilidade da dispersão destas espécies pode vir a ter um contributo significativo na garantia de abastecimento em contínuo destas centrais a biomassa florestal residual desligadas de cadeias produtivas de base florestal.
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