O
Governo realizou no passado dia 27 de outubro uma reunião
do Conselho de Ministros dedicada à reforma para o sector florestal. Para consulta
pública têm vindo a ser disponibilizadas um conjunto de medidas
legislativas. Todavia, independentemente de futuras apreciações na
especialidade, a Acréscimo realizou uma apreciação na generalidade sobre o que o
Governo classifica
com a “grande reforma da floresta”, tendo chegado a conclusões dececionantes.
Considerando que:
1.
No
país da União Europeia em que a área de floresta pública é residual, em que a esmagadora maioria da mesma está na posse de famílias e comunidades
rurais, seria expetável que a subsistência das mesmas fosse um fator essencial
para assegurar a sustentabilidade dos espaços florestais.
Ora, a “reforma” em apreço
surge, como noutras iniciativas anteriores, desligada de uma estratégia de desenvolvimento rural, na
qual as especificidades do investimento nas florestas não são complementadas
com outras medidas que assegurem fontes de rendimento complementar em meio rural.
O investimento florestal é caracterizado por longos períodos de retorno,
sobretudo quando incide sobre espécies autóctones, carecendo os investidores de
outras fontes de receita para complementar a sua subsistência. Acontece porém
que, em 40 anos de regime democrático, não foi ainda estancado o êxodo rural,
onde o processo de desflorestação em curso no país não pode ser abstraído do
processo de despovoamento do interior.
O desligamento da “grande
reforma da floresta” a uma estratégia de desenvolvimento rural é fatal à
primeira.
2.
Se
o ponto anterior não for justificação plausível para o insucesso expetável da “reforma”,
tal como em iniciativas anteriores, a agora em apreço incide sobretudo sobre o
início (florestação) e o meio (beneficiação) do ciclo florestal, ignorando os
constrangimentos existentes no seu final (comercialização).
Depois de centenas de milhões
de euros de apoio público às florestas no último quarto de século, não foi
ainda percecionado que a atribuição de subsídios não se tem mostrado capaz de
compensar o declínio do rendimento silvícola.
Apesar dos apoios público o país apresenta um quadro de incontrolada
desflorestação (mesmo apesar do aumento substancial das plantações de eucalipto).
Ora, o rendimento silvícola é
fator essencial para uma gestão florestal ativa, desejavelmente sustentável,
que inclua uma plano de riscos, quer contra os incêndios, mas também contra
pragas e doenças. Se os efeitos dos incêndios são mais mediáticos, importa
realçar os efeitos catastróficos decorrentes das pragas e doenças.
Acontece que o rendimento
silvícola tem sido vitima de um progressivo declínio, nem sendo sequer
compensado, face a 2000, por um ou outro ano de manutenção ou ligeiro acréscimo.
Rendimento Empresarial Líquido da Silvicultura
(INE, CES 2014, publicado em 2016)
A reforma seria uma
excelente oportunidade para a definição de medidas de atualização da fórmula do
rendimento florestal, pela incorporação de novos fatores de cálculo, entre eles
os relativos aos serviços prestados
pelos ecossistemas florestais.
Na “reforma” não são
visíveis medidas que envolvam os mercados
de produtos de base florestal, a funcionar em concorrência imperfeita, nem o
licenciamento da atividade industrial, com as florestas a vivenciarem uma
situação de sobre-exploração. Estes são, quanto a esta associação, das
principais causas da atual situação de desflorestação que ocorre em Portugal.
A atual
situação nas principais fileiras florestais é caraterizada por uma procura demasiado
concentrada, a par de uma oferta profundamente pulverizada e sem capacidade
negocial. A “reforma”, neste domínio, representa um retrocesso, depois de uma
manifestada intenção, apesar de tudo muito insuficiente, de constituir uma
plataforma de acompanhamento dos mercados.
Assim, mesmo que se
substituam os atuais proprietários absentistas por sociedades de gestão
florestal, a manutenção dos atuais vícios nos mercados tenderá a promover os
mesmos constrangimentos quanto ao rendimento, a menos que tais sociedades se
convertam em pseudo-parcerias público-privadas, dependentes à perpetuidade da
subsidiação pública.
Ao contrário do ocorrido no
passado recente, a “reforma” agora anunciada não apresenta medidas relativas ao
acompanhamento dos mercados, nem
prevê nenhum tipo de intervenção sobre a formação dos preços dos principais
produtos florestais, nas principais fileiras, impostos unilateralmente pela
procura.
Outra oportunidade de uma
verdadeira reforma respeita à definição de medidas com vista à abertura de novos mercados, criando alternativas
que tiessem reflevxo na melhoria do rendimento florestal. Não é o caso da anunciada
“reforma”.
Importa ainda ter em conta
que, apesar de uma situação de sobre-exploração dos recursos florestais,
diagnosticada desde meados da década de 90 do século passado, o ritmo de licenciamento industrial para transformação
dos mesmos tem vindo a aumentar significativamente, fator que tende a agravar a
desflorestação em curso. Também sobre esta matéria a “reforma” é omissa.
3.
A
implementação de uma reforma pressupõe uma alteração de condutas e esta tem de
ter um suporte administrativo, técnico-científico e comercial.
Não é percetível, na “reforma”
em apreço,como se pretende assegurar a sua adequada implementação junto das
centenas de milhares de proprietários florestais, já que o país não dispõe de
um serviço de extensão florestal,
que estabeleça a interligação entre a investigação e a produção, preste assistência
técnica e assessoria comercial. Pelo contrário, o Governo prende transferir
para a gestão privada as áreas públicas (residuais) que poderiam servir como
campos de demonstração para uma gestão florestal sustentável. Assim sendo, o
Governo condiciona o sucesso da sua “reforma” ao desempenho de negócios
privados que subsidia com fundos públicos, como é o caso das empresas
vinculadas aos sistemas de certificação florestal.
4.
Apesar de no Programa do Governo, aprovado no Parlamento, constar
expressamente a revogação da “lei que liberaliza a plantação de eucalipto” e a
criação de um novo regime jurídico para as ações de arborização e
rearborização, a “reforma” fica-se por uma primeira alteração ao Decreto-lei
n.º 96/2013, de 19 de julho. Do ponto de vista politico, o facto aparenta uma
cedência à indústria papeleira e à sua estratégia de subsistir à base da expansão
de uma oferta de risco.
A reforma, num novo regime jurídico criaria uma oportunidade para
uma discriminação positiva às espécies autóctones. Nesta “reforma” nada consta
nesse sentido.
Mais, persiste a ausência de análises financeira e de risco às
comunicações e pedidos de autorização previa para ações de arborização e de
rearborização, a par, aliás, do que acontece nos investimentos a cofinanciar
pelo Programa de Desenvolvimento Rural 2020. Esta é uma ausência que o país tem
pago demasiado caro.
5. Mencionou o Ministro da
Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural que o Governo pretende atingir o
mais amplo consenso na implementação desta “reforma”.
Importa ter presente que, em 1996, foi atingido
o mais amplo consenso em matéria de politica florestal, com a aprovação no Parlamento,
por unanimidade, da Lei de Bases da Política Florestal. O histórico desde esse
ano não tem sido brilhante, antes pelo contrário. Ainda no presente ano,
importa ter em conta dois factos que violam esse consenso de 1996. Por um lado,
foi criado um grupo interministerial ad hoc quando a Lei prevê uma
Comissão Interministerial para os assuntos da floresta (CIAF). Por outro lado,
o Governo fez reunir um Conselho Nacional da Floresta, quando a Lei prevê a
existência de um Conselho Consultivo Florestal, agora esvaziado pelo primeiro.
Urge, assim, questionar: Para quê os consensos, tendo em
conta a baixa credibilidade dos mesmos em matéria de politica florestal?
A
Acréscimo só pode concluir:
A “grande reforma da floresta” assemelha-se a um déjà vu na intervenção política no domínio das florestas e do
sector florestal, com fortíssima probabilidade de idênticos resultados das medidas
do passado recente e sem consistência para garantir um urgente combate à
desflorestação que ocorre em Portugal.
Com efeito, de acordo com os dados disponibilizados quer pela FAO quer
pelo Eurostat, no último quarto de século Portugal perdeu mais de um quarto de
milhão de hectares de floresta. Se atendidos os dados do Global Forest Watch, a
realidade pode ainda ser pior. Segundo esta entidade, entre 2001 e 2014
Portugal perdeu 566.671 hectares de floresta. Entre 2001 e 2012 ganhou 286.549
hectares. Assim, tempo por base as observações de satélite, o balanço ascende a
menos 280.122 hectares, o que dá uma desflorestação anual média de 21.548
hectares, ou seja, mais de duas vezes superior à área do concelho de Lisboa.
Estes montantes apenas consideram as manchas florestais com mais de 30% de
coberto de copas.
Assim, a anunciada “grande reforma da floresta” não valoriza a produção
florestal nacional, não merece credibilidade ao urgente combate à desflorestação,
servindo apenas para manter o status quo
dos interesses que se apoderaram do sector florestal em Portugal.
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