quinta-feira, 21 de julho de 2016

O Jornal de Negócios presta-se a fretes?

A 14 de julho, o Jornal de Negócios publica uma notícia com o título “Floresta volta aos anos 80 e cria mais riqueza”. O tratamento que na notícia é feita aos dados estatísticos, uns indicando as fontes, outros não, suscitam à Acréscimo comentários pouco abonatórios.

Comecemos pelo final, talvez pelo dado mais surpreendente, o relativo à área de floresta em Portugal.

Se bem que sem citar fontes, a notícia menciona que a floresta em Portugal ocupa 2.986 mil hectares. Este valor é menor do que o apontado pela FAO e pelo Eurostat, tendo por base os resultados apurados pelo Inventário Florestal Nacional. O valor avançado pelo Jornal de Negócios, sem fonte identificada, reduz em 196 mil hectares o valor oficial estimado em 2015 para a área ocupada por floresta em Portugal. Sendo assim, a desflorestação ocorrida em Portugal, desde 1990, não será de 254 mil hectares (de 3.436 mil hectares para 3.182 mil hectares), apontados pelas autoridades nacionais (ICNF) e instâncias internacionais (FAO e Eurostat), mas de 450 mil hectares (para os agora mencionados 2.986 mil hectares). Não existem muitas opções não oficiais de tratamento de dados estatísticos sobre florestas em Portugal. Será que a fonte do jornal estará ligada à indústria papeleira?

Ainda sobre o mesmo paragrafo da notícia, importa ter em conta que, a área de eucalipto em Portugal aumentou, entre 1995 e 2010, quase 95 mil hectares (Fonte: IFN6. ICNF, 2013), de cerca de 717 mil para muito próximo dos 812 mil hectares (embora aqui existam dúvidas sobre os valores oficiais, por defeito, tendo por base outros relatórios da FAO). O que entende o jornal por “não aumentaram muito”? Sob que ponto de vista? O da indústria papeleira? A produtividade média por hectare estagnou, contudo, abaixo dos 6 metros cúbicos hectare ano, ou seja, o aumento tem sido de oferta de risco (em quantidade, não em qualidade).

Sobre o aumento da riqueza, num país essencialmente de floresta privada, convirá analisar, com maior detalhe a evolução do rendimento empresarial líquido da silvicultura (REL), também disponibilizado pelo INE nas Contas Económicas da Silvicultura (embora com um desfasamento de 2 anos sobre o momento presente), onde em 2013 se estava muito longe dos valores registados em 2000, e em 2014 voltou a decrescer.

A evolução dos preços e dos consumos intermédios associados às principais matérias primas de base florestal deverá também suscitar analise mais detalhada. O ICNF dá uma ajuda:


(Fonte: GPP a partir do INE. ICNF, 2013)

Efetivamente, no período de análise escolhido pelo jornal, de 2008 a 2014 (na Acréscimo preferimos analises em períodos mais longos, de 25-30 anos, menos manipuláveis), em 2009 foi atingido o pico mínimo e em 2013 o máximo desse período no que respeita ao REL. O que merece curiosidade, do ponto de vista dos interesses associados à indústria papeleira, é que, apesar da “liberalização” da cultura do eucalipto, com efeitos práticos desde outubro de 2013, em 2014, o REL voltou a contrair (assim como o VAB a preços constantes). Importa ter em conta que o REL contabiliza também os valores associados a produção dos viveiros, no qual a indústria papeleira tem um peso significativo. Atendendo a que, segundo números do Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização (RJAAR), o eucalipto foi a espécie mais plantada em Portugal nesse ano, estranha-se a contração registada no REL. Quanto a 2015 e 2016, veremos as futuras Contas do INE, a publicar respetivamente em 2017 e em 2018.

Sobre o Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura no VAB nacional, este representava 1,2% em 1990, estando em 0,6% (metade) em 2014. Aumento da riqueza? Quanto ao emprego no sector, o decréscimo em postos de trabalho, desde essa altura, ultrapassa os 160 mil. O peso do sector no PIB contraiu 40% (apesar de tudo, na floresta, a queda foi significativamente menor do que o registado na indústria).

Talvez o título e o tratamento dos dados não devessem surpreender, afinal de contas existem interesses silvo-industriais talvez demasiadamente próximos.


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