quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A inauguração de um viveiro florestal em África

A propósito da inauguração do viveiro florestal do grupo Portucel Soporcel em Moçambique, na passada semana, terão sido tecidos vários comentários que geram grandes preocupações.

Desde já se espera que neste investimento do grupo em Moçambique tenham sido criadas oportunidades a fornecedores nacionais, estimulando a transferência de tecnologia nacional e fomentando o emprego mais qualificado em Portugal. Esta oportunidade corresponde aliás à contrapartida esperada face aos benefícios fiscais de que o grupo goza por parte do Estado Português.

Pelos montantes financeiros anunciados, a aposta em Moçambique parece corresponder à concretização de um investimento antes falhado no Brasil. Ao que tudo indica por incapacidade em usufruir de terra para o cultivo de eucalipto neste último país. Em todo o caso, independentemente do local, a concretização do investimento pode aportar bons resultados aos acionistas, esperemos que com retorno para Portugal.

Todavia, subjacente à inauguração e segundo a Imprensa, o presidente do grupo terá tecido comentários que geram grande preocupação.

Por um lado, não se entende se o investimento em curso em Moçambique é alternativo ou complementar ao investimento que o grupo anunciou para Portugal em maio de 2012. Pelos produtos a fabricar, apenas pasta de celulose, e pelos mercados a que se destinam, sobretudo na Ásia, parece complementar. A ser assim não se justificam as desprestigiantes lamúrias pela opção por aquele país face a Portugal.

Por outro lado, o responsável parece apontar para a necessidade de maior área de eucaliptal em Portugal para um maior investimento do grupo no nosso país. Estranha-se esta afirmação, já que a indústria de celulose em Portugal se desfez, nos últimos anos, de mais de 30 mil hectares só de eucaliptal. Reforça-se, não está em causa a transferência de áreas de menor para outras de maior produtividade. Os dados anunciados pela associação deste sector apontam para um efetivo desinvestimento na floresta portuguesa. Quer-se mais em discurso, mais opta-se por menos nos factos.

A estranheza adensa-se já que, de acordo com o senso comum, a gestão florestal por parte destas empresas é melhor e gera menos riscos à Sociedade do que a gestão que é possível concretizar por parte dos seus fornecedores privados, essencialmente famílias e empresas familiares, limitados estes últimos pela imposição dos preços de aquisição de rolaria de eucalipto por parte das celuloses. Salienta-se que esta definição unilateral dos preços pela indústria é protegida pela governação do país.

Mais. Por pressão do grupo, o governo alterou em 2013 a legislação que impunha algumas restrições legais ao desenvolvimento da cultura do eucalipto em Portugal. Fê-lo partindo de uma proposta do próprio grupo. Não se entende pois de que se queixa este responsável já que o eucalipto assume hoje o lugar cimeiro, em área ocupada, no conjunto das espécies florestais em Portugal, atingindo próximo de um milhão de hectares. Aliás, Portugal ocupava, em 2006, o quinto lugar a nível mundial com área destinada a eucaliptos (porventura, com a redução de área em Espanha e aumento em Portugal, poderá ocupar agora o quarto lugar). Afinal de contas, tudo aponta para que o aumento da capacidade do “armazém” para usufruto da empresa tem progredido a seu favor no nosso país.


Mas o que mais preocupa é o facto destas afirmações de lamúria precederem historicamente a apresentação de cadernos reivindicativos por parte do grupo à governação.

Foi assim aquando do governo do primeiro-ministro José Sócrates para a criação de favores à instalação da fábrica de papel em Setúbal, como se este não fosse o local, no mundo, mais favorável à empresa para este tipo de investimento. Consta ainda no programa eleitoral do Partido Socialista de 2011 a eventual afetação de áreas de regadio, suportadas por todos nós para a produção agroalimentar, à cultura do eucalipto.

Foi assim, mais recentemente, no governo do primeiro-ministro Passos Coelho, para a alteração da legislação mais restritiva a esta cultura, com o objetivo de, pelo aumento desordenado da oferta, perpetuar o condicionamento de preços à produção. Uma “excelente” prestação da ministra da Lavoura. Importa ter presente que, esta estratégia não condiciona apenas o rendimento aos proprietários florestais, gera em consequência uma gestão florestal de abandono, com destaque para as áreas de minifúndio, as que apresentam maior risco de catástrofe económica, social e ambiental. Ora, este facto já nos diz respeito a todos nós, pagamos caro as consequências.


A Acréscimo condena a prossecução de uma estratégia de Calimero por parte do responsável do grupo Portucel Soporcel. Gostaria ainda que fosse do conhecimento público a situação respeitante às contrapartidas à alteração da legislação que afeta a cultura do eucalipto em Portugal, operadas sob a égide da ministra Assunção Cristas, designadamente sobre os 15 mil postos de trabalho que iriam ser criados. Ao contrário do senso comum, a Acréscimo tem ainda levantado questões sobre a qualidade da gestão florestal do grupo, aguardando a disponibilidade deste para a realização de visitas especializadas conjuntas.


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