19 de outubro assinala o Dia Internacional contra o Uso de Biomassa em Larga Escala
Em Portugal o aumento da capacidade do uso de biomassa para a produção de energia coincide com o aumento da área ardida em povoamentos florestais
O Governo aprovou recentemente em Conselho de Ministros um diploma para o lançamento de um concurso destinado à atribuição dos títulos de reserva de capacidade para a injeção na rede elétrica de serviço público da eletricidade produzida a partir da queima de biomassa florestal, para um total de 60 MW e um máximo de 10 MW por central, com financiamento de 2 milhões de euros e uma taxa de financiamento de 100%.
Embora as pequenas centrais termoelétricas a biomassa florestal, de pequena dimensão e base local, possam ter um contributo positivo na valorização energética dos sobrantes de silvicultura (de desbastes, desramações ou podas) e de exploração florestal (ramos e bicadas), apesar da baixa eficiência desta conversão, Portugal dispõe já de uma capacidade industrial instalada de queima de biomassa superior a 865 MW, com a necessidade de uma quantidade de biomassa florestal primária anual superior ao dobro do recomendado como disponível, no raras vezes constituída, não por sobrantes, mas por troncos de árvores. Os acréscimos na capacidade industrial neste domínio fizeram-se sentir sobretudo em 2006 e 2016, pela aprovação de licenciamentos.
A capacidade industrial de queima de biomassa para a produção de eletricidade em Portugal está associada a unidades com potências superiores a 10 MW, onde as empresas de celulose produzem quase 80% da eletricidade obtida pela combustão de material lenhoso (ver gráfico 1). As capacidades de produção de eletricidade pela queima de biomassa em larga escala foram objeto de um relatório publicado no presente ano pela BIOFUELWATCH, pela EPN (Environmental Paper Network), pela QUERCUS, ACRÉSCIMO e IRIS.
Gráfico 1
Perigos da queima de biomassa para energia:
Perigo de potenciar incêndios (ver gráfico 2), particularmente em povoamentos florestais.
O aumento da capacidade industrial de queima de biomassa para energia, associada ao aumento da capacidade de produção de pellets de madeira, tem coincidido com a crescente tendência de envolvimento dos povoamentos florestais na área ardida total em Portugal. O argumento da redução do perigo de incêndio florestal pela valorização energética da biomassa florestal primária não passa de um perigoso mito propagandeado pelo sector industrial. O facto é que o material lenhoso ardido tem um custo de aquisição substancialmente mais baixo do que o material verde e possui ainda menor teor de humidade, fatores positivos para a sua utilização para “valorização energética”
Gráfico 2
Perigo de aumento da perda de coberto arbóreo autóctone.
A pressão exercida por uma elevada capacidade industrial instalada, seja para queima direta de biomassa ou queima diferida pela produção de pellets, faz sentir particularmente em espécies arbóreas autóctones, sabendo que a utilização preferencial da rolaria de eucalipto está associada à produção de pasta celulósica. Nesta perda de coberto autóctone tem estado associada aos cortes em “faixas de gestão de combustíveis”. Após o registo de uma situação de desflorestação, ocorrida entre 1995 e 2010, entre 2010 e 2015 a inversão ocorreu sobretudo pela expansão de plantações de eucalipto. Lamenta-se que o próximo Inventário Florestal Nacional só esteja previsto para 2025
Perigo de expansão de espécies exóticas e invasoras.
Por um lado, pelo rápido crescimento, o eucalipto tem uso potencialmente crescente para fins energéticos, associados a plantações de elevada e muito elevada densidade, na ordem dos 3 a 5 mil plantas por hectare (para a produção de celulose papel ronda as 1200 plantas/hectare). A pressão sobre o solo e o regime hídrico cresce substancialmente. Por outro lado, a “valorização energética” de espécies invasoras, como as acácias, a pretexto do seu controlo, tende a expandir a área ocupada por estas espécies, pela disseminação de sementes no processo de exploração e transporte para unidades fabris.
Perigo de mais emissões, poluição e doenças cardiorrespiratórias.
A queima de material lenhoso gera a emissão, entre outros, de monóxido e dióxido de carbono, de óxidos nitrosos e de material particulado, produzindo acréscimo de emissões de gases de efeito estufa, de poluição atmosférica e danos para a saúde pública, com particular ênfase nas doenças respiratórias e cardíacas.
Recomendações:
Se o Governo pretende efetivamente valorizar os sobrantes silvícolas e reduzir o perigo de incêndio florestal, a recomendação deve passar pela:
Valorização como fertilizantes, na produção de compostos orgânicos, designadamente através de sistemas de compostagem, de base residencial e local;
Aplicação da biomassa triturada em estilha para promover a fertilização e a regeneração da floresta.
Pela valorização energética, mas pela produção de calor, em unidades de base local, de cariz social ou industrial (p.e., no setor agroalimentar), onde a taxa de eficiência ronda os 80%, ao contrário da produção de eletricidade, onde nem atinge metade dessa eficiência (pouco mais de 30%), por vezes pouco passa de um quarto.