terça-feira, 28 de agosto de 2012

Porque ardem as florestas em Portugal?


- Ardem porque a floresta produtiva portuguesa hoje, no meio rural, não gera expectativas de negócio (salvo em situações específicas), não gera riqueza, não proporciona emprego, nem bem-estar às populações, facto que contribui, com outros, para o incontrolável êxodo rural que grassa no País (catastroficamente registado pelo INE, censo após censo).

Fonte: INE – Censos 2011P

As florestas em Portugal encontram-se, desde há anos, numa situação de sustentabilidade duvidosa, sujeita simultaneamente a situações de subaproveitamento e de sobre-exploração, não se garantindo hoje sequer a conservação dos recursos naturais que lhe estão associados.

Segundo dados da autoridade florestal nacional (atualmente com a designação de Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), apesar da ausência de cadastro rústico em parte significativa do Território, a área florestal nacional é em mais de 90% detida por proprietários privados, dos quais 75% possuem propriedades com menos de 20 hectares (área insuficiente para viabilizar economicamente uma exploração florestal). Este grupo específico de proprietários é caracterizado pela ausência ou por investimentos residuais nas suas explorações, nas quais predominam espécies de produção lenhosa (fundamentalmente o pinheiro bravo e o eucalipto), estando as práticas de gestão e o rendimento gerado associados à satisfação de necessidades económicas conjunturais.

Apesar dos tradicionais números imputados ao setor silvo-industrial português, sobejamente identificados nos discursos políticos e empresariais, quer o peso no PIB, nas exportações (agora em moda), quer no emprego (industrial), o facto é que, segundo os dados publicados nas Contas Económicas da Silvicultura, do INE, as florestas em Portugal geram cada vez menos expectativas de negócio (se ainda geram). Importa então analisar os dados menos publicitados da Floresta Portuguesa.

Nos últimos 11 anos (2000-2010), a atividade silvícola e de exploração florestal, que está na base da fileira de atividades económicas relacionada com a indústria transformadora da madeira e da cortiça, registou um declínio progressivo. Segundo o INE, em 2000, o Valor Acrescentado Bruto (VAB) atingiu o valor máximo da década, tendo terminado em 2010 com um valor real inferior em cerca de 19,2%. Quando ao peso do VAB da silvicultura no VAB nacional, verificou-se no período uma perda de importância do setor silvícola na economia nacional, passando de 0,8% em 2000, para 0,4% em 2010 (dados provisórios), ou seja, uma quebra de 50%. A Produção registou no período uma taxa de variação média anual de -2,0% em volume e de -2,3% em valor, facto que reflete a diminuição dos preços no produtor. Por sua vez, no que respeita à relação entre o Consumo Intermédio da silvicultura e a Produção, o INE registou, para o período em análise, um acréscimo de 7,1% desfavorável ao produtor florestal. A diminuição dos preços ao produtor e o aumento dos consumos intermédios traduzem claramente uma situação adversa à atividades silvícola. Refletindo o comportamento da Produção e do VAB, o Rendimento Empresarial Líquido registou no período um decréscimo acentuado (superior a ¼ de milhar de milhões de euros):

Fonte: INE – CES 2010.

Simultaneamente, com base nos dados do Inventário Florestal Nacional, especialistas nacionais identificaram indícios do aumento de situações de deficiência ou, mesmo, ausência de gestão florestal nas áreas das duas principais espécies florestais produtoras de madeira, o pinheiro bravo e o eucalipto. No caso do eucalipto, a espécies que nos últimos 30 anos registou maior acréscimo de áreas, os dados recolhidos podem mesmo significar um aumento acentuado de eucaliptais abandonados entre 1992 e 2005 (últimos dados oficiais). Importa registar que, em Portugal se encontram em estado de abandono ou semi-abandono cerca de 1,5 a 2 milhões de hectares, o correspondente a cerca de 20% do Território Nacional (não haveria do País de estar na situação económica em que se encontra).

Com impacto determinante nas florestas produtivas nacionais, regista-se que nas três principais fileiras silvo-industriais são evidentes relações comerciais impostas pelo setor industrial. A produção florestal portuguesa, por incapacidade de exportar diretamente os seus produtos, vê-se na dependência da indústria transformadora, a qual determina os preços à porta da fábrica. Importa ter presente que, em cada uma das três fileiras: a do pinheiro bravo, a do eucalipto e a do sobreiro; existe uma empresa industrial que tem posição dominante no mercado respetivo, seja o Grupo Sonae do setor do pinho, seja o Grupo Portucel Soporcel no setor do eucalipto, seja o Grupo Amorim no setor corticeiro. Curiosamente, por tradição, o Ministério que tutela a atividade florestal em Portugal, abstém-se de intervir no acompanhamento das relações comerciais no setor, acentuando a dependência da produção florestal nacional face à indústria que lhe está a jusante. Não estarão os imponentes números do setor silvo-industrial português associados ao declínio da produção florestal nacional? Importa ter presente que a indústria entrará posteriormente em declínio (já iniciou), ou deslocalizar-se-à para o exterior. Em todo o caso, o País dificilmente se livrará do despovoamento e da desertificação que grassam no interior.

Fonte: DGRF – Evolução dos preços da madeira de eucalipto e pinho para trituração à porta da fábrica.

Ao nível dos apoios públicos às florestas, exige-se uma mudança de paradigma, com uma aposta obrigatória na gestão florestal; na organização dos espaços florestais: seja através de Zonas de Intervenção Florestal (conceito a atualizar), de Sociedades de Gestão Florestal, de Fundos de Investimento Imobiliário Florestal ou de bolsas de terras; na investigação e na melhoria das qualificações das empresas e dos profissionais do setor. O País não pode continuar a desperdiçar fundos públicos, originados do esforço dos contribuintes, para derreter em sistemáticas florestações, muitas delas destinadas a arder. Importa ter presente que, no período 1989-2005, foram gastos, só em novas arborizações de pinheiro bravo, cerca de 700 milhões de euros, tendo a área desta espécie, ao invés de aumentar, regredido quase 400 mil hectares, um desperdício criminoso.

Ao nível da investigação florestal, tendo em vista quer o aumento das produtividades, mas também a diversificação dos produtos (que não apenas a madeira e a cortiça) e a prestação de serviços ambientais, existe um longo caminho por percorrer. A este nível o investimento tem sido insignificante. O Estado tem de definir uma estratégia clara para a investigação aplicada, sobretudo nas áreas relacionadas com a quantificação e a qualificação de bens e de serviços intangíveis, ou seja atualmente sem valor de mercado, criando os meios para que a Sociedade possa remunerar o recreio e lazer, a conservação do solo, o sequestro de carbono, entre outros proporcionados pelos espaços florestais.

Recorrendo a meios públicos, privados e mistos, o País tem de fornecer à produção florestal portuguesa meios de assessoria técnica. Em ligação com a investigação aplicada, tem de ser criado um serviço de extensão florestal (ou rural), que proporcione a transmissão da informação até ao agricultor e produtor florestal, ou a outros gestores de espaços agroflorestais. Este é um instrumento fundamental para gerar expectativas de negócio nestes espaços, quer para uma maior e melhor produção de madeira, ou de cortiça, para a produção de aproveitamento racional da biomassa, quer para uma utilização em regime de multifuncionalidade dos espaços agroflorestais, com a diversificação de produtos e serviços, gerando assim emprego em meio rural (ao contrário do que hoje acontece com as grandes unidades da indústria transformadora), proporcionando melhores condições de bem-estar às populações, combatendo o êxodo rural e a desertificação.

Em conclusão, para uma verdadeira defesa da floresta contra os incêndios (mas também das pragas e das doenças), urge definir uma aposta politica nos fatores de sucesso das florestas portuguesas. São eles:

  • A extensão florestal (ou rural) - ligar a investigação, a formação e a assessoria técnica à produção florestal; 
  • O acompanhamento das relações comerciais nas fileiras silvo-industriais – ajustar o peso dos diferentes agentes, regulando as posições de monopólio industrial;
  • A quantificação e a qualificação de outros bens e serviços – diversificando as opções de negócio para os espaços florestais.

O objetivo fundamental é garantir a gestão florestal ativa, desejavelmente sustentável, dos espaços florestais em Portugal.

A condição de base - as florestas têm de gerar expectativas de negócio aos seus detentores e gestores.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Portugal: florestas com sustentabilidade duvidosa.


Já em finais de 1996, um estudo independente, desenvolvido sob coordenação da Jaakko Pöyry, diagnosticava graves insuficiências do setor primário florestal em Portugal, vítima simultaneamente do insuficiente aproveitamento do seu potencial e de uma crescente pressão no abastecimento ao setor industrial, agravada ultimamente pelo aumento da procura de madeira e de biomassa para fins energéticos.

O crescente agravamento desta situação de subaproveitamento e de sobre-exploração dos espaços florestais, condiciona uma utilização racional e sustentável dos recursos florestais portugueses, o que pode aportar fortes impactos negativos às futuras gerações. Portugal exporta grande parte dos bens produzidos a partir de recursos florestais, essencialmente para Estados-Membros da União Europeia, com destaque para Espanha, França e Alemanha.

O desajuste entre a oferta e a procura foi, em 2011, objeto de denúncia pública pelo mais alto responsável da Autoridade Florestal Nacional, ao pressupor uma situação de rutura de material lenhoso em menos de 15 anos. Para fazer face à insuficiência de recursos, o País importa atualmente cerca de 2 milhões de metros cúbicos de material lenhoso, alguns deles a merecer a preocupação da WWF quanto à sua proveniência.

Perante o constante agravamento da situação face a 1996, o atual governo evidenciou recentemente uma aposta avulsa na florestação, em particular em monoculturas com espécies exóticas de rápido crescimento, no caso concreto com o eucalipto (Eucalyptus globulus). Contudo, especialistas nacionais, investigadores e universitários, revelam que, segundo dados dos últimos inventários florestais, se tem verificado o aumento de situações de deficiência ou, mesmo, ausência de gestão florestal nas duas principais espécies florestais portuguesas, o pinheiro bravo (Pinus pinaster) e o eucalipto. No caso do eucalipto, os dados recolhidos podem mesmo significar um aumento acentuado de eucaliptais abandonados entre 1992 e 2005.

Segundo os especialistas, o aumento da possibilidade de material lenhoso proveniente de pinheiro bravo e de eucalipto para o abastecimento das indústrias transformadoras passará, não tanto pelo aumento das suas áreas de ocupação, como se verificou no início do século passado e parece ser a opção do atual Governo, mas, fundamentalmente, pela promoção da gestão ativa dos espaços florestais, com o intuito de obter maiores produtividades por área. Essa prioridade é fundamentada no facto de se manterem inalterados, desde 1928, os valores relativos às produtividades, de 5 e 10 metros cúbicos anuais por hectare, respetivamente para o pinheiro bravo e para o eucalipto.

A ausência de uma gestão ativa, em parte significativa da área florestal portuguesa, está na origem de uma mais fácil propagação dos incêndios florestais em Portugal, bem como numa mais favorável propagação de pragas e de doenças. A este facto não está alheia a crescente concentração industrial e a falta de concorrência nas três principais fileiras florestais, tanto na do eucalipto, como na do pinheiro bravo, mas também na do sobreiro (Quercus suber). Cada uma destas fileiras é dominada por um grupo empresarial específico. Atualmente, as autoridades abstêm-se de um acompanhamento das relações comerciais nas várias fileiras silvo-industriais, deixando agricultores e proprietários florestais (detentores de cerca de 90% da área florestal em Portugal) à mercê de grandes monopólios industriais.

O País tem sido objeto, desde 1989, do apoio de fundos comunitários para as florestas. Contudo, aqui têm-se evidenciado resultados práticos desconcertantes e taxas de realização que ficam sempre aquém das expectativas, ou são mesmo irrisórias, como as evidenciadas no atual período (2007/2013). Aqui, estratégias errantes, designadamente com apostas prioritárias em novas florestações, sem assegurar a subsequente gestão florestal ou o ajustamento aos mercados, têm proporcionado situações de grande preocupação. No caso mais grave do pinheiro bravo, foram já consumidos (1989/2005), só para novas florestações, centenas de milhões de euros. Contudo, embora fosse expectável que o esforço dos contribuintes nacionais e europeus gerasse, através da atribuição de subsídios não reembolsáveis, milhares de novos hectares de pinheiro bravo, na realidade constatou-se, neste período de tempo, um recuo na área desta espécie em cerca de 400 mil hectares. Paralelamente, no período de 1989 a 2005, tem crescido o impacto negativo dos incêndios florestais em Portugal. Estará o dinheiro dos contribuintes a promover a “indústria” dos incêndios florestais?

Não é por falta de documentos estratégicos que os problemas persistem. Atualmente, anuncia-se mais um. Portugal tem sido pródigo na produção de planos estratégicos para as florestas, entre eles o Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (PDSFP), de 1997, ou mais recentemente a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), de 2007. Todos tiveram consequências práticas irrelevantes para a resolução dos problemas de deficiência de gestão, do subaproveitamento e da sobre-exploração, bem como nas consequências destes, como os incêndios, as pragas e as doenças.

Portugal tem, apesar da fraca relevância política das florestas no País, um forte potencial florestal, com produtividades potenciais ímpares na Europa. Dispõe de 1,5 a 2 milhões de hectares de solos incultos, com favorável aptidão florestal. Os espaços silvestres portugueses dispõem ainda de uma elevada biodiversidade, favorável a sistemas florestais multifuncionais, menos dependentes de períodos negativos dos ciclos comerciais. Existe contudo a necessidade, e vontade política, para uma mudança de paradigma. O País necessita de uma aposta clara na gestão ativa e necessariamente sustentável dos seus recursos naturais, no caso específico, convenientemente dirigida e centrada nas centenas de milhares de detentores dos espaços de aptidão florestal existentes em Portugal, os quais têm de ver salvaguardas as suas expectativas económicas, para poderem desenvolver a sua atividade silvícola, proporcionando mais valias sociais, com especial enfoque em meio rural, e ambientais, na conservação dos solos, dos recursos hídricos, da fauna, da flora e no sequestro de carbono. Esta é a estratégia de investimento defendida pela Acréscimo.