terça-feira, 29 de outubro de 2019

Uma desilusão o Programa do XXII Governo Constitucional no que respeita às florestas


A transferência do pelouro das florestas do Ministério da Agricultura para o do Ambiente e da Ação Climática não aportou nada de novo. Acentuou-se a tónica na “gestão do fogo”. Ou seja, na incidência sobre as consequências, ignorando as causas dos problemas da atividade silvícola em Portugal.

A “reforma” da floresta, iniciada em 2016, concretizou-se numa queda do Valor Acrescentado Bruto (VAB) e no rendimento da silvicultura, de acordo com os dados até agora conhecidos.

Com efeito, segundo as Contas Económicas da Silvicultura, publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística, no decurso de uma ténue recuperação registada entre 2009 e 2015, após queda abruta entre 2000 e 2008, em 2016 o VAB da silvicultura contraiu 3,4% em valor e 1,9% em volume. Em 2016 o rendimento empresarial líquido da silvicultura registou um decréscimo de 6,9%. No mesmo sentido, em 2017 o VAB da silvicultura diminuiu 1,0% em valor e 2,3% em volume. Em 2017 o rendimento empresarial líquido da silvicultura registou um decréscimo de 3,3%.

Não se vislumbram no Programa do XXII Governo Constitucional medidas para combater o declínio acima registado. Efetivamente, acentuam-se as despesas na atividade silvícola, com melhoria da produtividade, na “gestão do fogo”, sem que se tonem medidas no sentido de garantir o rendimento necessário ao seu suporte, tendo em conta o funcionamento dos mercados em concorrência imperfeita. Esta situação nos mercados é recorrentemente reconhecida, todavia sem que se tomem medidas eficientes e eficazes para a transparência, uma leal concorrência e uma adequada distribuição da riqueza ao longo das fileiras, com impacte na produção de madeiras e cortiça.

Regista-se, no Programa do Governo, a preocupação quanto ao financiamento das organizações da produção florestal. Com efeito, em termos gerais, os resultados no seu desempenho, em termos de melhoria dos rendimentos dos que dizem representar, parece estar condicionado. Haverá influência da indústria nesse aparente condicionamento?


A par da ausência de medidas que garantam eficiência e eficácia à melhoria do rendimento dos proprietários e produtores florestais, designadamente pela criação de entidade reguladora, são incipientes as medidas que possam contribuir para o aconselhamento técnico e comercial (reforçamos, comercial) a estes agentes económicos, concretamente com um serviço nacional de extensão florestal.


REFERÊNCIAS:


Contas Económicas da Silvicultura 2016, publicado pelo INE, a 28 de junho de 2018.
Contas Económicas da Silvicultura 2017, publicado pelo INE, a 27 de junho de 2019.


quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Preocupações na transferência do pelouro das florestas para o Ministério do Ambiente


Despois do pior desempenho governamental com o pelouro das florestas desde o início do Século XX, anuncia-se a transferência do mesmo para o Ministério do Ambiente e da Ação Climática.

Com efeito, o ministro Capoulas Santos, que não integrará o novo governo, teve o pior desempenho, com o pelouro das florestas, pelo menos desde o início do Século XX. O mau desempenho decorre da avaliação em termos de expansão da cultura do eucalipto, sem critérios financeiro e comercial, com critérios técnicos muito duvidosos, da gigantesca área ardida, da gestão do património florestal do Estado, antes e pós-incêndios, do controlo de invasoras, pragas e doenças, do reinício da queda no Valor Acrescentado Bruto e no rendimento da silvicultura, após uma ténue recuperação entre 2009 e 2015.. Aliás, no seu anterior mandato (1999/2002), já o desempenho foi péssimo, seja em termos de proliferação de pragas e doenças, seja na queda abrupta do rendimento (de 2000 a 2002).


1.    A transferência do pelouro das florestas para o Ministério do Ambiente e, agora, da Ação Climática suscita preocupações quanto à interligação da política agrícola com a política florestal, em concreto no que respeita à promoção de sistemas agroflorestais, essenciais na adaptação às alterações climáticas.

Com efeito, são muitos os especialistas e instituições nacionais, europeias e internacionais, com destaque para as Nações Unidas, a defender a importância dos sistemas agroflorestais na adaptação às alterações climáticas, no combate ao despovoamento e ao avanço da desertificação.. Uma estreita ligação entre as culturas agrícolas, a pastorícia e as culturas arbóreas, seja para a produção de madeira e resina, cortiça ou frutos secos, é fundamental para a conservação dos solos, a regularização dos regimes hídricos, a melhoria da biodiversidade e o fomento do emprego em meio rural. O fomento do emprego ocorre através da compatibilização entre os rendimentos de curto prazo, mais associados à agricultura e pastorícia, com os de médio e longo prazo, associados às culturas florestais. Os sistemas agroflorestais serão essenciais para a recuperação do coberto arbóreo no país e na fixação de populações no interior. Como irá decorrer essa interligação entre dois Ministérios, sobretudo no que respeita à gestão de fundos públicos, em especial os oriundos da União Europeia?

2.    A acumulação do pelouro das florestas e da energia no Ministério da Ambiente e Ação Climática suscita enorme preocupação, sobretudo quando se perspetiva a reconversão das atuais centrais a carvão (Pego e Sines) para a produção de eletricidade a partir da queima de árvores, com a necessidade de culturas energéticas, produzidas em extensas áreas de monoculturas intensivas e superintensivas.

A produção de eletricidade a partir da queima de árvores é uma bizarria criada pela União Europeia.

A afirmação de que as centrais a biomassa para produção de energia elétrica irão utilizar “resíduos” florestais não passa de uma falácia. Uma utilização de tais “resíduos” importa em elevados custos de remoção e transporte desse material lenhoso, para uma muito baixa eficiência energética. Tais custos e eficiência serão simultaneamente reduzidos e aumentados com a queima de troncos. O facto tem induzido desflorestação, perda de cobertura arbórea, perda de solo, danos na fauna, flora e nos recursos hídricos e aumento das emissões de dióxido de carbono. É falso o balanço “nulo” nas emissões de dióxido de carbono decorrentes da utilização da biomassa florestal primária para a produção de energia elétrica. É igualmente falso que contribua para a redução de incêndios. Para o efeito, é preferível a utilização dos sobrantes da atividade silvícola e de exploração florestal para a produção de energia calorífica e em escala municipal ou por unidades da indústria florestal (serrações, corticeiras, celuloses). A disponibilidade potencial de “resíduos” florestais é, já hoje, insuficiente para a capacidade instalada em centrais. O aumento da procura por biomassa florestal induzirá a criação de extensas áreas de culturas energéticas lenhosas, em regime de monocultura intensiva e superintensivas, bem como a uma forte importação de estilha e pellets de madeira.

A política europeia de utilização da biomassa florestal primária para a produção de eletricidade tem induzido violentos cortes de arvoredo em países terceiros, como os Estados Unidos, Canadá, Rússia e Brasil, bem como internamente, incluindo áreas da Rede Natura 2000 e áreas classificadas como Património Mundial. Em Portugal, se for tida em conta a reconversão das atuais centrais a carvão, de Sines e do Pego, para a biomassa florestal, o desastre está mais do que anunciado, seja para os ecossistemas, seja para as populações circundantes.

3.    O acumular do pelouro das florestas no Ministério do Ambiente causa ainda preocupação face ao histórico da última legislatura em matéria de política de Conservação da Natureza.

Com efeito, há que tendo em conta a lamentável situação em que se encontram hoje o Parque Nacional da Peneda Gerês, bem como os demais Parques e Reservas Naturais. Na passada legislatura, tais áreas registaram recordes em área ardida e na proliferação de espécies invasoras.

Pelo exposto, a Acréscimo vê com preocupação a anunciada transferência do pelouro das florestas. Pelo facto, irá acompanhar os novos desenvolvimentos em matéria de política florestal, tendo por base a letra expressa na Lei de Bases da Politica Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto), em concreto dos seus princípios e objetivos, apesar de sistematicamente violados.