quarta-feira, 26 de abril de 2017

Os protestos da indústria papeleira à contenção da expansão do eucalipto em Portugal confirmam estratégia social, ambiental e economicamente irresponsável

Em 2016, a área ardida em plantações de eucalipto equivale a seis vezes a área da cidade de Lisboa. Essa área corresponde a cerca de 70% da área ardida em povoamentos florestais e a cerca de 40% da área rural que foi vítima dos incêndios no ano passado.

A tendência de crescente expressão da área ardida em plantações desta espécie exótica invasora tem-se vindo a acentuar significativamente com a expansão da mesma em Portugal. Acrescem, no futuro próximo, os riscos associados às Alterações Climáticas.


Os factos:

Há muito que a Acréscimo tem vindo a denunciar a estratégia que a indústria papeleira protagoniza em Portugal. Trata-se de uma estratégia de condicionamento de preços da rolaria de eucalipto à oferta, baseada em quantidade de área sem aumento da produtividade unitária, ou seja, no estímulo ao crescimento descontrolado da oferta para, assim, assegurar o controlo das despesas com a compra de matéria prima lenhosa à produção nacional.

É com base na expansão de uma oferta de risco, de rendimento condicionado unilateralmente pela procura, com impacto sobretudo em áreas de minifúndio, onde a produção não possui poder de negociação de preço, que a indústria papeleira faz assentar os seus projetos de aumento da capacidade industrial no país. Todavia, à medida que aumenta essa capacidade, aumentam os riscos associados ao eucaliptal em Portugal (com a 5.ª maior área deste tipo de plantações a nível mundial).

Esta estratégia, como também denunciado, tem tido o aval das várias governações.

Acontece que, o condicionamento do rendimento á oferta tem impacto determinante na gestão destas plantações e, consequentemente, na prevenção dos riscos, sejam os associados aos incêndios, mas também à proliferação de pragas e de doenças (que abundam no eucaliptal em Portugal). Os vários Inventários Florestais Nacionais expressam a má gestão dos eucaliptais em Portugal.

Acresce que, independentemente da manipulação da oferta, esta estratégia industrial tem forte impacto sobre terceiros, a começar junto das populações rurais, mas, em múltiplos aspetos, aporta consequências nefastas sobre toda a Sociedade. As consequências imediatas e subsequentes dos incêndios florestais manifestam-se ao nível da Saúde Pública, no bem estar e segurança das populações, no Ambiente e na Conservação da Natureza, nas finanças e na Economia Nacional.

A propaganda sobre as vantagens desta indústria ao nível do emprego e da economia tem uma elevada dose de embuste. O facto é que a mesma possui um nefasto desempenho em termos de poluição atmosférica e do meio aquático, posicionando as suas unidades fabris no topo dos rankings nacionais nestes domínios.

Com os protestos da passada semana, fica evidente que os propósitos dos papeleiros não passam pela valorização do Território, pelo fomento da Biodiversidade, pela diminuição dos riscos à Sociedade. Os seus propósitos mesquinhos centram-se tão somente no lucro, num enquadramento meramente egoísta, controleiro, de preferência com apoio do Orçamento. Este é um facto inaceitável.

Os recentes anúncios, por parte dos papeleiros, da preocupação last minute com a melhoria da qualidade das plantações de eucalipto de terceiros e a aparição de simuladores de produtividade e de rendimento não passam de enganosa propaganda.

Os papeleiros, através de uma estratégia social, ambiental e economicamente irresponsável converteram o eucalipto numa tocha, a tocha da Tasmânia.


Desta forma, a Acréscimo exorta o Governo:
  • a anular a possibilidade de licenciamento de novas plantações com eucalipto;
  • a inviabilizar replantações de eucalipto através de meras comunicações prévias (Art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho, em fase de alteração/revogação no Parlamento);
  • a incluir critérios de avaliação financeira e de risco comercial para a aprovação de licenças de replantação com esta espécie exótica invasora (o que atualmente não acontece); e,
  • a recuperar um instrumento de 1972, de regulação económica do sector florestal, intervindo o Estado na formação dos preços dos produtos florestais, hoje em manifesto desequilíbrio, com as consequências a serem suportadas por toda a Sociedade.


terça-feira, 18 de abril de 2017

Centrais a biomassa residual e incêndios florestais

Pelo país vão pululando centrais a biomassa florestal residual. Qual a sua relação potencial com os incêndios em povoamentos florestais?


O caso mais recente é registado em Vila Nova de Famalicão, com a instalação de uma central de 10 MW, em Corga de Fradelos.

A estes investimentos, como é o caso em apreço, não estão associados, seja pelos investidores ou com base em contratos com gestores florestais terceiros, planos de garantia de abastecimento de biomassa florestal residual. No caso em concreto, a unidade vai ser instalada num local onde já existe uma outra instalação industrial para o mesmo fim, bem como uma fábrica de produção de pellets energéticas, ambas com forte concorrência pela mesma matéria prima (a biomassa florestal residual). Todavia, nos estudos apresentados a consulta pública apenas é visível uma parceria, no domínio do abastecimento, com uma empresa de logística que, tanto quanto se conhece, não é proprietária ou gestoras de áreas florestais privadas ou comunitárias, as que abundam, em percentagem esmagadora, nesta região do distrito de Braga.

Existe biomassa florestal residual em quantidade suficiente, explorável, na área de abrangência destas centrais, que assegure as necessidades diárias de abastecimento estimadas? No caso em concreto, regista-se a dominância de plantações de eucalipto que, dependendo das condições do local e do tipo de gestão, não aportam grandes quantidades de biomassa florestal residual decorrente de operações de silvicultura, quando comparado com povoamentos de outras espécies lenhosas.

Importa ter em conta que, nos estudos apresentados, não é registada a proporção de abastecimento a partir de biomassa florestal residual que decorra de operações de silvicultura (limpezas, desramações, desbastes) e a que respeita a operações de exploração florestal (abate e extração de arvoredo), esta última, em geral, associada a centrais integradas em cadeias produtivas florestais, o que não é o caso. No caso em apreço, é fundamental a indicação desta proporção. Os processos de recolha, de processamento e de transporte têm aqui impactos distintos, designadamente no plano operacional e financeiro.

Não são visíveis, nos estudos destes projetos de investimento, os cálculos de viabilidade financeira do uso de biomassa florestal residual de origem nacional. Tendo em conta o preço de venda da energia à rede e os custos de recolha, processamento e transporte da biomassa florestal residual, designadamente os constantes das matrizes publicadas pela CAOF, o investimento é lucrativo sem ajudas do Estado ou sem o recurso a material lenhoso não residual? Estes cálculos assumem especial destaque em centrais a biomassa florestal residual, onde a proporção de sílica que a acompanha pode ser significativa, implicando em soluções técnicas mais onerosas.

Onde tais investimentos estão ou se pretendem instalar é identificada uma significativa perda de coberto arbóreo. Que tipo de monitorização estão estes investimentos obrigados para garantir que não estão a contribuir para a desflorestação em Portugal? Importa ter presente que, em Portugal, entre 1990 e 2015, de acordo com a FAO e o Eurostat, o país perde em área de floresta (plantações incluídas), em média anual, o equivalente à área da cidade de Lisboa, ou seja, regista uma desflorestação de 10 mil hectares ao ano. Está devidamente assegurado que estes investimentos não contribuem para esta nefasta situação?

Embora o conceito de perda e de ganho de coberto arbóreo esteja mais diretamente associada ao de povoamento florestal (ou área arborizada) do que à definição de floresta, quando os ganhos não ocorrem, ao longo de vários anos, na mesma ou em proporção superior às perdas, pode-se estar perante uma situação de desflorestação. No caso da unidade de Vila Nova de Famalicão, o distrito de Braga registou, entre 2001 e 2012, de acordo com observações por satélite, uma perda de coberto arbóreo superior a 19.400 hectares e um ganho que não atingiu os 7.500 hectares. O diferencial registado neste período situa-se na ordem dos 12.000 hectares (o mesmo pode ser explicado pela existência de áreas temporariamente desarborizadas, p.e. sujeitas a corte recente, vitimas recentes de incêndios, povoamentos recentes, ou em desflorestação, ou seja, onde ocorrem mudança de ocupação do solo, em regra, mais acentuada, para áreas de matos).

A par da inexistência de avaliações de impacto destas unidades sobre os recursos naturais renováveis (ou, melhor referido, potencialmente renováveis), como no caso dos lenhosos, regista-se a inexistência de avaliações de impacto no que respeita ao recurso solo. A sobre-exploração de biomassa florestal residual pode comprometer o fundo de fertilidade dos solos e, assim, a sua produtividade futura, seja no âmbito das produções florestais, mas, mais ainda, em potenciais utilizações agrícolas. Uma sobre-exploração da biomassa florestal residual pode ainda aportar significativos impactos ao nível dos recursos hídricos, situação também não avaliada. O abastecimento garantido através de uma empresa de logística, como é o caso da unidade de Vila Nova de Famalicão, da qual também não se conhece capacidade técnica florestal, não augura a concretização de bons resultados nestes domínios.


Por fim, a associação de vantagens destas centrais aos incêndios florestais é, regra geral, apontada como uma vantagem significativa. Mas, sê-lo-á de facto? Para a redução da carga combustível em povoamentos florestais existem outras variantes técnicas. Várias delas aportam menos impactos ambientais e financeiros do que os decorrentes destas centrais a biomassa florestal residual desligadas de cadeias produtivas florestais. Todavia, a não evidencia de biomassa florestal residual suficiente para o funcionamento contínuo destas centrais trás uma potencial desvantagem, cujo impacto não está avaliado, apesar de, em teoria, poder ser muito significativo:
  • Com efeito, não existe uma avaliação efetiva do impacto favorável destas centrais à diminuição do risco de incêndio florestal. Todavia, existe o potencial dos povoamentos florestais ardidos se converterem numa oportunidade menos dispendiosa de assegurar um abastecimento em contínuo de tais unidades. Pode não ser uma oportunidade operacionalizada, mas é uma oportunidade potencial. Importa, por isso, apresentar medidas que minimizem uma perniciosa associação.
  • Mesmo na justificação de intervenção no controlo de exóticas invasoras, como no caso da acácia, não existem estudos que evidenciem vantagens. Aqui, existe também a possibilidade da dispersão destas espécies pode vir a ter um contributo significativo na garantia de abastecimento em contínuo destas centrais a biomassa florestal residual desligadas de cadeias produtivas de base florestal.



quarta-feira, 12 de abril de 2017

A fiabilidade da área ardida registada em Portugal

No dia de apresentação do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) para 2017, a ocorrer na Lousã, importa questionar da fiabilidade dos números tornados públicos sobre a área ardida em Portugal.

Os factos:

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2016, hoje citado pelo jornal Observador, registaram-se 13.333 incêndios florestais, menos 18,2% do que em 2015, que consumiram 154.944 hectares, mais do dobro do que em 2015.

De acordo com o 9.º Relatório Provisório de Incêndios Florestais, referente ao período de 1 de janeiro a 15 de outubro de 2016, o último até à data disponibilizado no site do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que faz referência à base de dados nacional de incêndios florestais, foram registados 160.490 hectares de área ardida, entre povoamentos (85.785 hectares) e matos (74.705 hectares).

Entre 15 de outubro e 31 de dezembro foi registada ainda área ardida, a qual consta nos dados disponibilizados pelo EFFIS (European Forest Fire Information System).

Dos dados de área ardida constantes no RASI para o ano de 2016 aos disponibilizados pelo ICNF, só até 15 de outubro, registam-se mais de 5,5 mil hectares, ou seja, mais de metade da área do concelho de Lisboa.


Na apresentação hoje do DECIF para 2017, seria interessante ter números mais seguros sobre a área ardida e o número de incêndios registados em Portugal em 2016.

Já, no passado, se registaram várias fontes com diferentes registos sobre incêndios florestais em Portugal. O facto é gerador de falta de credibilidade, mais ainda num país que, na Europa, regista um impacto significativo no que respeita a este fenómeno.